Um Muçulmano tem Orgulho de sua Nacionalidade?

Um Muçulmano tem Orgulho de sua Nacionalidade?
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[Nota: Antes da leitura deste artigo, é favor levar em conta que a tradutora inseriu comentários com links para assuntos relevantes e que a referência à nacionalidade britânica/inglesa deve ser adaptada à nacionalidade do leitor, visto que este tema foi discutido na comunidade no Reino Unido mas é de igual importância para todos os muçulmanos em qualquer parte do mundo. Obrigada.]


O debate em torno da música não se limita à legalidade do uso de instrumentos musicais como era o caso no passado [ver evidências desta proibição aqui]; este assunto tornou-se parte de uma discussão mais ampla que inclui cultura e identidade. Alguns argumentam que é aceitável fazer alterações nos princípios islâmicos ou que o Islam pode assumir novas formas, a fim de se adaptar a culturas europeias ou outras. Muitos também alegam que muitas práticas islâmicas são culturais e não têm nenhuma base no Islam.

Estes escritores promovem a noção de “britanismo” e alegam que não contradiz os ensinamentos islâmicos. Eles – incluindo Sami Yusuf no seu artigo sobre música – promovem declarações do tipo: ‘Eu tenho orgulho em ser inglês, americano, paquistanês ou até saudita’, no entanto, não se menciona o veredicto islâmico sobre tais declarações e eles falham em mencionar qualquer evidência que corrobore a legitimização do orgulho de sermos de certa nacionalidade. Certamente isto requer que os trabalhos de Jurisprudência e Hadith sejam investigados, a fim de avaliar a sua validade.

O nosso pensamento imediato deve ser o reconhecimento de que um dos aspectos mais atraentes do Islam é a abolição de todos os tipos de divisões. O Profeta disse: “Aquele que chama ao sectarismo não é de nós.”

Infelizmente, existem tais divisões no mundo muçulmano e não é do nosso interesse introduzir mais uma divisão, ironicamente abraçando o nacionalismo que uma vez denunciámos. Dentro de alguns anos, teremos muçulmanos ingleses e franceses orgulhosos da sua identidade nacional, o que conduzirá inevitavelmente à conduta em que um pai inglês, por exemplo, recusa uma proposta de casamento de um muçulmano francês e vice-versa. Não ridicularize esta situação, pois isto é exactamente o que nós condenamos severamente e com o qual lidamos ao tratar de problemas conjugais entre muçulmanos do subcontinente indiano. Eu aceito que esses escritores não tenham tais intenções, no entanto, isto destaca o facto de que o uso e promoção de tais declarações podem levar a resultados indesejados.

Por esta razão, é necessário utilizar termos islâmicos ao lidar com esses problemas. O que significa ter orgulho em ser inglês, e por que devemos proclamar esse orgulho? É para demonstrar a nossa lealdade para com a terra ou é para a satisfação de um sector da sociedade? Tais ideias só procuram reforçar a noção de que temos vindo a ser colonializados a sentirmo-nos inferiores, e, consequentemente, servem para introduzir conceitos estranhos ao nosso sistema de crença.

Além disso, alguns artigos como o de Sami tentaram estabelecer a validade de tais declarações alegando que o Profeta estava ‘…a derramar lágrimas ao migrar de Meca – a sua amada terra natal – para Madina apesar da perseguição que sofreu nas mãos do seu povo’. Não há dúvida que isso é verdade, mas o Profeta disse alguma vez que tem orgulho de ser de Meca? Onde está o link entre dizer ‘A Grã-Bretanha é a minha casa e fui criado aqui na minha infância, eu fui para a escola aqui, a maioria dos meus amigos – muçulmanos e não-muçulmanos são ingleses e as minhas primeiras, bem como melhores lembranças estão enraizadas aqui’ e ter orgulho da nossa nacionalidade?

Não há negação de que existe uma ligação natural entre um indivíduo e a terra onde ele ou ela passou a maior parte de sua infância. No entanto, o Islam não santifica orgulho para qualquer ideologia, nacionalidade, seita ou raça, a não ser quando se diz ser um muçulmano. O Profeta ? disse: “Três são dos assuntos da ignorância pré-islâmica: orgulho da ascendência nobre, dar descrédito à linhagem de alguém, e chorar alto pelos mortos”.

O pensador islâmico, Ibn Taymiyyah (m. 728 AH) disse:

“Tudo o que está fora do convite ao Islam e do Qur’an, em relação à linhagem, terra, nacionalidade, escolas de pensamento e caminhos, é dos convites da ignorância pré-islâmica. Na verdade, mesmo quando os muhajirun (os companheiros que migraram de Meca para Medina) e os Ansar (os companheiros que ajudaram e apoiaram aqueles que migraram) discutiram, de modo que um dos muhajirun disse: ‘Ó muhajirun! (Implicando: ajudem-me)’. E um dos Ansar disse: ‘Ó Ansar!’. O Profeta ? disse: “É com as chamadas da ignorância pré-islâmica que vocês se chamam, enquanto eu ainda estou entre vocês!?”, e ele ficou muito irritado. Tal desprezo é devido ao facto de que o Profeta nunca utilizou tais slogans, pelo contrário, o Profeta ? diria, “Eu sou o melhor dos filhos de Adão, e digo isto sem orgulho”. Isto implica de forma convincente que não se deve ter orgulho do que se é, mas sim gratidão e louvor devem ser direcionados a Allah pela Sua orientação divina para o estado de Islam.”

Termos tais como ‘britanismo’ e paz e amor têm sido utilizados contextualmente por escritores e alguns podem vê-los como sendo totalmente razoável, desde o início; no entanto, são ideias infundadas no Islam. Por exemplo, Sami mencionou no seu artigo que o Islam o ensina a ser ‘leal para com a minha fé e o meu país’. Esta é uma suposição bizarra que não tem base no Qur’an, na Sunnah, e no consenso de estudiosos anteriores. Estabelece-se, porém, que um muçulmano deve ser fiel à sua fé e alcançar a piedade. Além disso, o termo ‘país’ por si próprio não é islâmico, pois este reflete as fronteiras que dividem as pessoas apenas em base política e racial. Assim como condenamos o racismo, já que envolve preferir uma raça para além de outra, devemos igualmente condenar outras divisões semelhantes. Allah, O Altíssimo, menciona:

“Ele vos denominou muçulmanos, antes deste e neste (Qur’an), para que o Mensageiro seja testemunha vossa, e para que sejais testemunhas dos humanos.” (Qur’an 22:78)

Noutras palavras, a lealdade deve ser dada à verdade e à justiça onde quer que a verdade e a justiça residam.

O Islam é o único sistema que pode atingir e mantê-las na sua forma absoluta. Além disso, o Islam ordenou-nos a lutar pela justiça, mesmo que isso envolva ir contra nós mesmos, quanto mais contra as nossas famílias e países. Allah diz no Qur’an:

“Ó crentes, sede perseverantes na causa de Deus e prestai testemunho, a bem da justiça; que o ódio aos demais não vos impulsione a serdes injustos para com eles. Sede justos, porque isso está mais próximo da piedade, e temei a Deus, porque Ele está bem inteirado de tudo quanto fazeis.” (Qur’an 5:8)

O Profeta ? ensinou-nos numa declaração muito forte sobre a posição correcta que se deve levar em todos os nossos negócios e as relações com os outros, ele disse: “Ajuda o teu irmão, seja ele o oprimido ou o opressor”. Os companheiros do Profeta ficaram surpreendidos e questionaram: “Nós sabemos como ajudá-lo se ele é o oprimido, mas como podemos ajudá-lo se ele é o opressor?”. O Profeta deu a resposta: “Se ele é o opressor, então impeçam-no de oprimir.” (Bukhari, nº 2444)

Tratemos cada indivíduo, organização e país desta maneira. Se eles são oprimidos, então temos de os ajudar a remover a opressão e se eles são os opressores precisamos de os impedir de oprimir. Isto significa que somos fieis ao grande valor da justiça e equidade e não à entidade política ou sectarista. Na verdade, somos fieis a mais do que isso: somos fieis à humanidade como um todo, e não a um grupo de pessoas independentemente de quem são ou o que estão a fazer. Todas as entidades políticas devem procurar manter tal padrão sublime dentro do seu sistema e povo, pois isso vai garantir a confiança de que, como um país ou uma nação, nunca vai estar envolvido em qualquer acção ilegal ou anti-ética ou conflito. Além disso, isso irá garantir que a sua população nunca estará envolvida em actos de injustiça, mesmo que haja diferenças teológicas entre os seus habitantes.

O que significa ser inglês?

Sami, como um exemplo, ilustrou a sua compreensão sobre ser inglês, afirmando: ‘Será que ser inglês significa que me orgulho no passado colonial opressivo e explorador da Grã-Bretanha? Isso significa que eu apoio a invasão britânica do Afeganistão e do Iraque? Isso significa que eu apoio a Lei do Anti-Terrorismo? Isso significa que eu apoio a erosão das liberdades civis e dos direitos humanos? Claro que não!’. Inevitavelmente, estamos de acordo com ele, e ainda enfatizamos que o espectro de diferenças entre os aspectos do modo islâmico e comportamento e os ingleses são consideravelmente grandes: nós não consumimos álcool nem nos envolvemos na cultura pub. As nossas mulheres vestem-se modestamente, vestem o hijab, e desempenham um papel complementar, não competitivo, em contraste com as suas equivalentes ocidentais. Assuntos islâmicos sobre casamento e herança também diferem. Em termos de ética e valores sociais, não concordamos com a homossexualidade, os nossos filhos não estão autorizados a ignorar os seus pais quando se tornam adultos, e o Islam não tolera relações pré-matrimoniais. A misericórdia e justiça islâmica é divina, absoluta e eterna, enquanto que a lei secular é feita pelo homem, e os princípios fundamentais seculares estão constantemente sujeitos a alterações. Muitas acções podem ser consideradas legais e éticas, mas ao haver alteração nas normas e valores, tais acções são consideradas corruptas. A lei islâmica requer que não sejamos autorizados a realizar abortos, especialmente após as 12 semanas de gravidez, pois é considerado homicídio, enquanto que alguns países ocidentais não-muçulmanos recentemente consideraram-no legal. A nossa misericórdia não nos permite aceitar a eutanásia, enquanto esta continua a ser um tema de discussão no Ocidente. O facto é que a diferença mais importante entre as sociedades muçulmana e britânica é a submissão a Allah, que determina o nosso modo de vida na sua totalidade.

Depois de destacar grandes diferenças, a questão ainda permanece, o que significa exactamente ser inglês, e como se pode ter orgulho de uma identidade que ainda está para ser definida? Suponhamos que a resposta para este dilema é de acordo com o que Sami declarou na sua resposta a Yvonne, ‘Mas Yvonne, sejamos justos e não esqueçamos que foi na Grã-Bretanha que o mundo testemunhou a maior manifestação anti-guerra – um testemunho da consciência moral do público britânico. Eu também estava nessa demonstração a expressar o meu descontentamento com as políticas externas do nosso governo’. Então é a capacidade e liberdade para se opor às políticas do governo os critérios para o ‘britanismo’? Ou deveria a natureza e o valor do povo britânico em se opor a injustiça ser a definição de ‘britanismo’? Ambas as definições são inclusivas noutras nações e dificilmente podem ser denominadas como ‘britanismo’. [Citando o autor: Invoco os leitores a exercer um nível de racionalidade e que não se deixem enganar por palavras eloquentes ou discurso emocional].

Alguns amigos do Canadá continuam a informar-me que o Canadá é o melhor lugar para se viver. Outros, vivendo nos EUA (o coração da chamada guerra contra o terror) informam-me que a da’wah nos EUA é a melhor da’wah no mundo. Ambas são opiniões que não podem ser verificadas objectivamente ou mesmo justificadas. Não devemos ser ingénuos ou persuadidos facilmente, não obstante do facto de que nós apreciamos muito o nível de tolerância tanto pelo público como pelo governo para algumas práticas islâmicas. Além disso, o uso do termo “sociedade britânica” também deve ser utilizado com precaução pois temos de compreender que um grande sector da sociedade britânica por si mesmo pode ser representante do governo. Alguns podem argumentar que o governo é eleito pelo povo através de um processo democrático e, portanto, reflete a maior parte das pessoas e as suas opiniões!

Critérios de referência para a avaliação de uma sociedade

Temos a liberdade de examinar se, ‘A sociedade britânica está entre as sociedades mais tolerantes, abertas, liberais, multi-culturais e inclusivas no mundo’. Além disso, o ‘britanismo’ é um termo político para muitos, representado uma lealdade para com as políticas públicas, tanto nacionais como estrangeiras. É por esta razão que Yvonne parecia chocada e rejeitou tais termos, como o fizeram muitos outros muçulmanos e não-muçulmanos. Na verdade, este termo altamente politizado não é aceite por muitos ingleses, como é evidente através do seu desapego às políticas britânicas. Se considerarmos que o ‘britanismo’ não é um termo político, ficamos com um termo indefinido. Outras definições possíveis que podem ser utilizadas para definir tal termo incluem: viver nesta terra (ilhas britânicas), falar a sua linguagem; ter posse de um passaporte vermelho; e utilizar todos os devidos processos legais para alcançar os nossos objectivos. Uma pessoa que trabalha legalmente no Reino Unido por cinco anos consecutivos, não esteve envolvida em crimes e fala inglês a um nível básico, cumpriu os requisitos básicos para se tornar um cidadão inglês, que pode ser finalizado depois de completar outras formalidades. É óbvio que se uma pessoa pertence a uma determinada terra, um apego desenvolve-se para com a terra e o seu povo. Isto é onde nos devemos focar: Como podemos incutir aos jovens muçulmanos um sentimento de apego positivo e eficaz? Este é o cerne da questão. Na verdade, é uma questão complexa, que deve ser discutida no futuro.

Desejo enfatizar de novo o objectivo principal, que é a necessidade de libertar-nos intelectualmente através da adesão aos princípios orientadores legislados pelo Criador do intelecto. Se nos falta a adesão às diretrizes estabelecidas por Allah, nós, involuntariamente, aderimos aos princípios estabelecidos pela criação, levando à colonização dos muçulmanos. Por exemplo, os muçulmanos ingleses têm vindo a ser acusados de deslealdade e de isolamento, argumentando que os seus estilos de vida são incompatíveis com as normas da sociedade britânica. Consequentemente, alguns optaram por uma agenda não-islâmica, ao contrário de uma forma islâmica de pensar, e começaram a adoptar práticas e crenças não-islâmicas, a fim de provar o seu ‘britanismo’. Vamos refletir de forma abrangente e analisar se esta situação é exclusiva aos muçulmanos ingleses; estamos a agir intoleravelmente para com certas normas seculares, simplesmente porque não gostamos da Grã-Bretanha em particular? Os muçulmanos indianos não parecem recusar certas normas da sociedade indiana? Esta seria a atitude islâmica em todos os países, incluindo os países muçulmanos, e esta é a única maneira pela qual podemos viver e contribuir para qualquer sociedade em que vivemos.

O Profeta ? disse: “Quem vir um mal, então deve mudá-lo com a sua mão [agindo contra isso]. Se ele não puder, então com a sua língua [falando contra isso]. Se ele não puder, então deixem-no mudá-lo com o seu coração [detestando isso] e essa é a fé mais fraca.” (Muslim, 49)

Como acima mencionado, a lealdade deve ser dada aos valores morais e a quem os tem e não às pessoas independentemente dos valores que possuem. Este tipo de lealdade torna-nos leais a toda a humanidade.

Fonte: ‘Who are We and are We Proud to be British?’ por Sheikh Dr. Haitham Al-Haddad


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