A Psicologia Islâmica e como o Islam lida com a depressão

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Por Letícia Gouvêa

Neste artigo, trouxemos um tema muito importante nos dias de hoje: como lidar com a depressão sob a perspectiva islâmica. Muitas pessoas, particularmente as mais ortodoxas, podem dizer que a prática da psicologia vai de encontro à religião, mas será que este assunto deve ser abordado de forma tão leviana?

A intenção deste artigo é desmistificar essa visão de que o Islam e suas ferramentas dogmáticas são a única coisa que ajudará uma pessoa a atravessar um momento difícil ou de crise. Algumas linhas terapêuticas da psicologia helênica podem desconsiderar quaisquer elementos espirituais dentro de suas ferramentas de análise. Dentre as referências mais modernas, Yung, foi um dos que mais considerou a espiritualidade e mística dentro do processo de cura e tratamento.

Entretanto, a psicologia tem uma raiz profunda no mundo islâmico. Sabe-se que a psicologia tem sua história moldada pela sabedoria grega, entretanto, vale ressaltar que ela foi lapidada por estudiosos islâmicos nas antigas casas da sabedoria. Estes sábios desenvolveram suas próprias ideias muito antes da psicologia helênica e isso, mais tarde, influenciou o estudo desta ciência na Europa.

A psicologia helênica e a psicologia islâmica

A psicologia helênica mantém uma característica de integrar mente, filosofia e espírito. Os estudiosos do oriente médio, muito antes já seguiam nesta linha de pensamento e desenvolveram uma abordagem prática, criando formas de curar e tratar, em vez de apenas teorizar. Mesmo que eles não se identificassem como psicólogos, pois não havia este termo à época, eles praticaram a disciplina de uma forma holística e médica.

Apesar de muitas teorias terem sido formuladas em termos filosóficos e teológicos, muitas das técnicas modernas foram sustentadas no trabalho de estudar a mente e propor tratamentos para condições mentais.

As visões perspicazes dos estudiosos islâmicos em relação a problemas mentais produziram avanços significativos nos pacientes à época e isso fez com que os governantes investissem em hospitais especializados em Damasco, Cairo e Bagdá. O ponto alto da contribuição islâmica foi a correlação entre doenças mentais e físicas.

Mesmo tendo removido as crendices de que todo mal estava ligado a possessão demoníaca ou doenças espirituais, a psicologia islâmica sempre esteve relacionada à teologia e à religiosidade da alma humana.

Dentre os grandes estudiosos islâmicos que contribuíram para a psicologia e, principalmente, para a criação destes tratamentos, podemos citar:

Abu Zaid al Balkhi (849 – 934 DC)

Balkhi escreveu mais de 60 livros e manuscritos, porém o mais importante, sem dúvida, foi o Sustento para Corpos e Almas (Masalihul-Abdan wal-Anfus). Neste manuscrito monumental, ele primeiro aborda a saúde física, então mergulha na alma humana.

Vale ressaltar que, para a mente secular, a alma é comparada à psique. Ele faz a conexão entre a mente e o corpo – essa conexão é amplamente aceita hoje em dia. Ele escreveu: “quando o corpo fica doente, ele impede o aprendizado (e outras atividades mentais) ou a capacidade de cumprir seus deveres de forma adequada. E quando a alma é afligida, o corpo perde sua capacidade natural de desfrutar o prazer e a vida se torna angustiada e perturbada”.

Ele também reconhece a realidade da doença psicossomática, e diz: “a dor psicológica pode levar a doenças corporais”. Talvez o aspecto mais impressionante do método de Al-Balkhi seja o uso de uma forma precoce e pioneira de terapia cognitiva.

Ibn Sina (981 – 1037 DC)

Ele foi a principal influência na história da psicologia islâmica. Ele acreditava que a capacidade de raciocinar deu à humanidade uma conexão singular com o Divino. Ele entendeu a importância do vínculo entre corpo e mente, propondo que doenças físicas podem ser superadas se a pessoas acreditarem que podem melhorar e o contrário também é válido.

Ibn Sina inseriu, definitivamente, ao vocabulário da história da psicologia as doenças psicossomáticas. Esta foi a sua base e ele documentou minuciosamente muitas condições como delírios, distúrbios da memória, alucinações, paralisia por medo etc. Ele foi o que primeiro utilizou uma abordagem reconhecida aos psicólogos clínicos modernos.

Muhammad Zakariya Ar-Razi (864 – 930 DC)

Fez postulações sobre as condições emocionais humanas e sugeriu tratamentos, contribuiu também nas áreas da ética médica e terapias condicionais, séculos antes dos psicólogos comportamentais do século XX.

Ibn Khaldun (1332 – 1406 DC)

Propôs que o ambiente do indivíduo e o meio ambiente moldam a sua personalidade, esta visão atuou como a precursora de diversas ideias modernas.

A saúde mental no Islam

A saúde mental é uma parte importante de nossa tradição, história e legado islâmicos. Como pessoas de todas as religiões e origens, os muçulmanos enfrentam problemas de saúde mental e o Islam nos ensina sobre o valor da vida humana, do equilíbrio emocional, bem como a certeza das adversidades e provações neste mundo.

Apesar desses ensinamentos, a realidade é que muitos muçulmanos, em todo o mundo, lutam contra a depressão, ansiedade, tristeza e toda sorte de sofrimento e doença mental.

O Profeta Muhammad, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, disse: “Procure tratamento médico, pois Allah não criou nenhuma doença, sem que também houvesse criado um remédio para ela, exceto para uma doença:  idade avançada.” Narrado por Ahmad, Abu Dawud, at-Tirmidhi e Ibn Maajah. Classificado como sahih por Albaani.

E, através do Alcorão e ensinamentos do Profeta, o Islam nos ensina a lidar com a depressão e as emoções negativas:

“Os homens supõem que, por dizerem: “Cremos”, serão deixados, enquanto não provados?” (Al-Ankabut, 29:2-3)

Embora nossas vidas sejam cheias de incertezas, sabemos de uma coisa com certeza: seremos testados! Quanto mais cedo aceitarmos essa realidade, melhor seremos capazes de lidar com as situações difíceis. Cada luta que surge em nosso caminho nos dá a oportunidade de aprender a lidar com a aflição, desconforto e aceitar as circunstâncias que não podemos controlar enquanto trabalhamos simultaneamente no que pode ser mudado.

“Allah não impõe a alma alguma além do que ela pode suportar…” (al-Baqara, 2:286)


Mesmo que não pareça, você está perfeitamente equipado para lidar com tudo o que está enfrentando, porque foi moldado para enfrentá-lo. Isso não significa que não será difícil, mas significa que você tem as ferramentas para superar.

“Então, quanto ao ser humano, quando seu Senhor o põe à prova, e o honra, e o agracia, diz: “Meu Senhor honra-me. E, quando o põe à prova e lhe restringe o sustento, diz: “Meu Senhor avilta-me.” (Al-Fajr, 89: 15-16)

Na realidade, Allah nos diz que Ele testa aqueles que ama. Tanto os momentos de tranquilidade quanto os momentos de dificuldade são testes e também bênçãos. As dificuldades nos diferenciam – elas nos permitem progredir e crescer. Às vezes, esse crescimento é visto nesta vida e, às vezes, é reservado para a vida futura.

“Allah, O Exaltado, diz: ‘Eu sou como Meu servo espera que Eu seja, e estou com ele sempre que ele se lembra de Mim. Se ele se lembra de Mim, eu lembro-Me dele, e se ele se lembra de Mim numa congregação, lembro-Me dele numa congregação melhor (ou seja, a congregação dos anjos). Se ele se aproxima de Mim por um palmo, Eu Me aproximo dele pelo comprimento de um braço. Se ele se aproxima de Mim pelo comprimento de um braço, Eu Me aproximo dele pelo comprimento de uma braça. E quem vem até Mim caminhando, Eu vou até ele em grande velocidade.’” (Sahih Bukhari, n° 7405; ou em 40 Ahadith Qudsi, nº15)


Nossos processos de pensamento em relação a Allah têm muito mais a ver conosco do que com Allah. Portanto, faz sentido que Allah seja como esperamos que Ele seja – se esperarmos bem de Allah, O encontraremos em todas as situações; se esperarmos mal de Allah, não perceberemos nada além disso. Nossas emoções podem ser muito poderosas, mas nossos pensamentos e ações também podem ser. Quando a depressão se aproximar e duvidarmos que Allah (louvado seja) se preocupa conosco, devemos considerar as maneiras pelas quais Ele tem mostrado amor e cuidado por toda nossa vida. O ponto é trabalhar as emoções negativas mudando os pensamentos.

“Sua atenção deve ser dirigida para sua vida no presente – o tempo entre dois tempos. Se você o desperdiça, então desperdiça a oportunidade de ser um dos afortunados e salvos. Se você cuidar dele… então, você terá sucesso e alcançará a tranquilidade, deleite e felicidade eterna.” (Ibn al-Qayyim al-Jawziyah, al-Fawaʾid, n.p.: Dar al-Salam, 2019, 151–2)


Focar no momento presente pode nos manter firmes, aliviar a ansiedade que podemos sentir sobre o futuro e desviar nosso foco do que os outros estão pensando.

Terminamos, então, sugerindo uma súplica contra a depressão, relatada por Ibn Mas’ud, das palavras do Profeta: “Ó Allah, eu sou Teu servo, filho de Teu servo e Tua serva, meu topete está na Tua mão, Teu comando sobre mim é sempre executado e Teu decreto sobre mim é justo. Peço-Te por cada Nome que Te é pertencente, com os quais Te nomeaste, ou que foram revelados no Teu livro, ou que Tu ensinaste a qualquer um de Tua criação, ou que Tu tens preservado no conhecimento do invisível Contigo, que faças do Alcorão a vida do meu coração e a luz do meu peito, e uma partida para minha tristeza e uma liberação para a minha ansiedade” (Sahih Muslim, n° 2739; ou Hisn al-Muslim, 29)

Sugestão de exercícios práticos

Aceitação da realidade: Canalize sua energia em uma direção positiva, em vez de lutar contra o inevitável. A aceitação da realidade permite que você entre em ação. Em vez de perguntar por que isso está acontecendo, pergunte-se: “Isso está acontecendo. E agora?” Que pequeno passo você pode dar para seguir em frente depois de aceitar a realidade da luta que está enfrentando?

Autocompaixão: Observe os pensamentos de autocrítica que estão passando por sua mente. Escreva-os. O antídoto para a autocrítica é a autocompaixão. Pense em como você falaria com um amigo que está passando pela mesma situação. Lembre-se de que Allah (louvado seja) nos dá tudo o que precisamos, mas não tudo o que queremos.

Esteja ciente de seus pensamentos: Quando você estiver experimentando uma emoção negativa, pergunte-se: o que está acontecendo em sua mente agora? A que conclusão sua mente chegou?

Concentre-se nos fatos: Quais são os fatos observáveis ​​e tangíveis sobre esta situação? Esses fatos correspondem ao pensamento que você escreveu acima?

Considere outras possibilidades: Quais são outros resultados possíveis nesta situação, além daqueles que você teme que aconteçam? Ou quais são algumas outras coisas possíveis que essa pessoa pode pensar? Em quais situações passadas semelhantes você teve resultados positivos?

Aceite a incerteza e concentre-se no momento presente: O que é certo neste momento? O que você pode dizer a si mesmo para ajudar-se a aceitar que parte do que está enfrentando agora está além do seu controle?

Estes são poucos exemplos de como o Islam nos ensina a lidar com nossas angústias e tristezas. Há ainda muitos ensinamentos que não poderiam ser enumerados neste artigo, por falta de tempo.

Versículos e ditos inspiradores para reflexão:

“E concedeu-vos de tudo que Lhe pedistes. E, se contais as graças de Allah, não podereis enumerá-las…” (Ibrahim, 14: 34)

“Satanás promete-vos a pobreza e ordena-vos a obscenidade, e Allah promete-vos perdão d’Ele e favor. E Allah é Munificente ,Onisciente.” (al-Baqara, 2: 268)

“E lhe dará sustento, por onde não suporá. E quem confia em Allah, Ele lhe bastará” (At-Talaq, 65: 3)

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) aconselhou sua filha, Fatima (que Allah esteja satisfeito com ela), a dizer de manhã e à noite: “Ó Allah, tenho esperança em Tua misericórdia, por isso não me deixes encarregado de meus negócios nem por um piscar de olhos, e retifica-me todos os meus negócios. Ninguém tem o direito de ser adorado, exceto Tu.” (Jami’ at-Tirmidhi, n° 3524)

ʿAbd Allah ibn ʿUmar (que Allah esteja satisfeito com ele) relatou: O Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) suplicava dizendo: “Ó Allah, eu busco refúgio em Ti contra um declínio de Tuas bênçãos, a transformação do bem-estar que Tu proporcionastes, Tua súbita retribuição e todas as coisas que Te desagradam.” (Sahih Muslim, n° 2739)

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