A mulher e o Casamento plural
Por Ninevah Barreiros
Surat an-Nissa’ cap. 4 vs. 3:
“E, se temeis não ser equitativos para com os órfãos, esposai as que vos aprazam das mulheres: sejam duas, três ou quatro. E se temeis não ser justos, esposai uma só, ou contentai-vos com as escravas que possuis. Isso é mais adequado, para que não cometais injustiça”.
As-salamu ‘alaikum! O versículo citado traz nele um assunto polêmico e muito sério para as brasileiras: o casamento com mais de uma mulher.
Por causa da nossa cultura dominada pelo cristianismo, sempre aprendemos que o homem deve se relacionar apenas com uma mulher, e nada de pensar em ter outra ao mesmo tempo. E mesmo com a banalização do amor e dos relacionamentos que vemos hoje, muitos ainda sentem um pouco de asco ao saber de um caso em que um homem tenha duas mulheres.
Mas nós somos muçulmanas e sabemos que a relação entre um homem e mais de uma mulher existe e é validada pelo Islam, e não é haram, desde que obedeça às regras que Allah, louvado seja, prescreveu. Só por este motivo, não deveríamos ser tão avessas à esta prática. Foi Allah, louvado seja, quem a permitiu, e se Ele permitiu é porque temos capacidade de conviver com ela independente de nossa cultura. Sabemos também que o casamento plural é permitido e que isso não significa obrigatório. Mas quem não aceitar participar desta prática deve ter em mente que não é correto considerar esta permissão divina como algo ruim, nem deve propagar esta imagem do casamento plural.
Se estiver no contrato nupcial que a mulher não aceita um segundo casamento, isto deve ser cumprido. Mas se não está, ela precisa saber que não pode impedir o marido de realizar o segundo casamento. E também que ele não precisa da permissão da primeira esposa para casar com uma segunda. É muito importante compreender o lado espiritual da questão do casamento plural, principalmente para nós mulheres.
Encontrei uma narração que foi considerada fraca, mas creio que ela tem um fundo de verdade. At-Tabaraani narra que Ibn Mas’ud ouviu o Profeta, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, dizer: “Allah decretou o ciúme para as mulheres e o jihad para os homens, portanto quem o suporta com paciência devido à sua fé e em busca de recompensa terá a recompensa equivalente à do mártir”. Sejamos francas, temos ciúmes sim de nossos parceiros estarem com outra mulher. Mas sejamos também razoáveis: vamos lembrar do que Allah, louvado seja, disse sobre a paciência, do que o Mensageiro, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, disse sobre amarmos para nossos irmãos o que amamos para nós mesmos. E lembremos mais ainda das recompensas que existem dentro do casamento, principalmente em relação à paciência. Uma mulher ter paciência com o segundo casamento de seu esposo rende recompensas especiais para ela por muitas razões. Vamos analisa-las sob a luz do Qur’an:
1 – O fato de o marido tomar uma segunda esposa é considerado como um teste para a mulher, e se ela suporta com paciência, tem a recompensa de ser paciente diante de uma provação, e Allah, louvado seja, diz no Qur’an em Surat az-Zumar cap.39 vs. 10:
“Apenas os que pacientam serão recompensados, sem conta, com seus prêmios”.
E o Mensageiro, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, disse: “Nenhuma fadiga, doença, sofrimento, tristeza, dor ou aflição toca um muçulmano, nem mesmo um espinho que o fure, sem que Allah expie com isso alguns de seus pecados”. E ele, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, também disse: “As provações continuam a tocar o crente, homem ou mulher, seus filhos e suas riquezas, até que ele se encontre com Allah sem nenhum pecado”.
2 – Se uma mulher aceita o segundo casamento e trata bem tanto o marido como a outra esposa, ela terá a recompensa dos muhsinin. Allah, louvado seja, disse no Quran: Surat Yusuf cap. 12 vs. 90:
“Por certo, quem é piedoso e pacienta, Allah não faz perder o prêmio aos benfeitores”.
Surat ar-Rahman cap.55 vs. 60:
“Há outra recompensa da benevolência senão benevolência?”
E em Surat al-Ankabut cap.29 vs. 69:
“E por certo, Allah é com os benfeitores”
3 – Se ela fica com raiva por causa disso, mas controla o sentimento – e controlar a língua é parte de controlar a raiva – Allah, louvado seja, diz Surat al-Imran cap.3 vs. 134:
“…que contêm o rancor, e indultam as outras pessoas – e Allah ama os benfeitores”.
Estes são exemplos das recompensas adicionais que a mulher recebe, além da que tem direito por obedecer ao esposo normalmente. Então irmãs, vamos repensar essa questão a partir deste ponto de vista. Temos que entender que o casamento plural é permitido e ele não tem que ser motivo de tristeza só porque não estamos acostumadas com isso em nossa cultura. O Islam deve estar em primeiro lugar em nossas vidas. Numa situação como essa, não devemos fazer como uma irmã que impôs ao marido que para se casar com outra, ela deveria ficar em outro país e que ele não poderia ir visita-la por mais de um mês. E ele não aceitou esta condição pensando em como seria injusto tanto com a segunda esposa como com ele mesmo e com os filhos que tivesse com ela. E fez como diz Allah, louvado seja: Surat an-Nissa’ cap. 4 vs. 3:
“E, se temeis não ser equitativos para com os órfãos, esposai as que vos aprazam das mulheres: sejam duas, três ou quatro. E se temeis não ser justos, esposai uma só, ou contentai-vos com as escravas que possuis. Isso é mais adequado, para que não cometais injustiça”.
Onde está o senso de justiça na atitude desta esposa? Onde está o respeito pelas normas de Allah, louvado seja? O marido assume obrigações com as duas esposas, e a primeira resolve impor suas próprias condições sendo que elas vão além dos limites de Allah, louvado seja? Não, este é um exemplo do que não devemos fazer se vivermos esta situação. Temos de lembrar de nosso Senhor Altíssimo e daquilo que Ele decretou. E precisamos ter em mente que se apoiamos o marido e o ajudamos, inclusive, a ser justo com nossa irmã – porque sim, a outra esposa do nosso marido é nossa irmã muçulmana – nós teremos muito mais recompensa junto de Allah, louvado seja. Isso é muito mais agradável aos olhos de Allah, e fazer o que apraz Allah é parte da ‘ibada, da adoração. Vamos procurar sempre fazer o que vai nos aproximar de Allah não importando se é diferente do que estamos acostumadas a fazer e aceitar.
Que Allah, louvado e exaltado seja, nos dê orientação dentro da religião e nos faça seguir corretamente Sua senda reta, aplicando Sua justiça e buscando Sua Graça e Misericórdia. Amin.
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Considerações sobre a Poligamia
É deveras enriquecedor os conhecimentos adquiridos sobre o Islã, fico grato por tudo
Sim, nós, da equipe do site, também aprendemos muito com esse trabalho. Obrigado por compartilhar seu comentário aqui, barakallahu fika!
Toda gloria e louvores para Allah
Amin!
Assalam aleikum!
Gostaria de saber, por favor, de onde se tirou essa ideia de constar no contrato de casamento que a mulher não aceita um segundo casamento?
O que eu encontro é justamente o contrário:
1 – É atributo exclusivo de Allah legislar sobre o lícito e o ilícito e não cabe ao crente proibir o que Allah permitiu e vice-versa, pois isso é inovar na religião e um ato de idolatria:
* “Ou têm eles parceiros que legislaram, para eles, o que, da religião, Allah não permitiu? E, não fora a Palavra da decisão haver-se-ia arbitrado, entre eles. E, por certo, os injustos terão doloroso castigo.” (Alcorão 42:21);
* “Dize: ‘Vistes o que Allah criou para vós, de sustento, e disso fazeis algo ilícito e lícito ?’ Dize: ‘Allah vo-lo permitiu, ou forjais mentiras acerca de Allah?'” (Alcorão 10:59);
2 – O ser humano tampouco tem o direito de manifestar contrariedade àquilo que Allah legislou:
* Quem não julga conforme o que Allah fez descer, esses são os renegadores da fé, os injustos e os perversos (Alcorão 5:44, 45, 47);
* “E não é admissível a crente algum nem a crente alguma – quando Allah e Seu Mensageiro decretam
uma decisão -, que a escolha seja deles, por sua própria decisão. E quem desobedece a Allah e a Seu Mensageiro, com efeito, se descaminhará com evidente descaminho.” (Alcorão 33:36);
3 – Allah, louvado seja, legislou sobre a permissividade de o homem se casar com até 4 mulheres ao mesmo tempo:
* “E, se temeis não ser eqüitativos para com os órfãos, esposai as que vos aprazam das mulheres sejam duas, três ou quatro. E se temeis não ser justos, esposai uma só, ou contentai-vos com as escravas que possuís. Isso é mais adequado, para que não cometais injustiça.” (Alcorão 4:3);
Veja, não há, seja no Alcorão, seja na Sunnah do nosso amado profeta (SAW), a respeito do novo casamento, o requisito de autorização da esposa anterior. Na verdade, sequer é obrigatório informá-la sobre isso.
Portanto, pergunto de onde se tirou essa prerrogativa da mulher (primeira esposa etc.), se é que sois verídicos?
Wa aleikum assalam wa rahmatullah wa barakatuh, André!
A questão que você levantou é muito relevante e merece uma resposta detalhada com base no Alcorão, na Sunnah e nos princípios do Fiqh (jurisprudência Islammica).
1. O Direito de Condicionar no Contrato de Casamento
Embora a poligamia seja permitida no Islã, os estudiosos do Fiqh afirmam que uma mulher tem o direito de estabelecer certas condições no contrato de casamento, desde que essas condições não tornem algo haram halal, ou algo halal haram. Isso inclui a possibilidade de estipular que o marido não tomará uma segunda esposa enquanto for casado com ela.
Evidências da Permissibilidade de Condições no Contrato de Casamento
1. O princípio geral de respeitar condições nos contratos
• O Profeta ﷺ disse:
“Os muçulmanos devem cumprir as suas condições, exceto uma condição que torna ilícito o que é lícito ou torna lícito o que é ilícito.”
(Narrado por Al-Bukhari, 2168, e Muslim, 1418)
• A estipulação de que o marido não se casará com outra esposa não torna a poligamia haram, mas sim é um direito da mulher no âmbito do contrato de casamento.
2. O Caso de Umm Salama (رضي الله عنها)
Quando o Profeta ﷺ quis casar-se com Umm Salama, ela lhe colocou condições, incluindo o cuidado de seus filhos. Ele aceitou essas condições, o que demonstra que uma mulher pode estipular termos antes do casamento. (Sunan an-Nasa’i, 6:79, Sahih Ibn Hibban, 9:350)
3. A Famosa Opinião dos Hanbalis e Outros Fuqaha
• Os estudiosos da escola Hanbali e muitos entre os Hanafis e Malikis afirmam que, se a esposa estipular no contrato que o marido não se casará com outra mulher, essa condição é válida e ele deve cumpri-la.
• Se ele violar essa condição, ela tem o direito de solicitar a dissolução do casamento.
4. A Regra dos Contratos e Condições no Islã
O Profeta ﷺ disse:
“A condição mais digna de ser cumprida é aquela que permitiu as relações conjugais.” (Sahih al-Bukhari, 2721; Sahih Muslim, 1418)
• Ou seja, se um marido aceita certas condições para que o casamento ocorra, ele deve cumpri-las, pois elas foram um fator essencial para que a mulher aceitasse o casamento.
2. A Condição Não Proíbe a Poligamia, Apenas Estabelece um Acordo
Quando uma mulher exige essa condição, ela não está proibindo algo que Allah permitiu; ela está apenas exercendo seu direito de escolher os termos do seu casamento. O homem tem a escolha de aceitar ou recusar esse contrato antes do casamento.
Se ele aceita a condição e depois se casa com outra mulher, ele não está tecnicamente cometendo um pecado, mas sim quebrando um acordo, o que pode dar à esposa o direito de anular o casamento.
3. Conclusão
Não há nenhuma contradição entre o fato de que a poligamia é permitida e o fato de que uma mulher pode condicionar o casamento a certos termos. Isso se baseia em princípios bem estabelecidos na jurisprudência Islammica, conforme os estudiosos clássicos explicaram.
Se um homem não deseja aceitar essa condição, ele simplesmente pode não se casar com essa mulher e buscar outra que aceite a possibilidade de poligamia.
Que Allah nos conceda compreensão e nos guie sempre pelo caminho reto. Amin.