Como Lidar com o Suicídio nas Comunidades Muçulmanas

Como Lidar com o Suicídio nas Comunidades Muçulmanas
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Aviso de gatilho: este artigo discute sobre o suicídio, o que pode ser perturbador. Se você ou alguém que você conhece está tendo pensamentos sérios de suicídio, ligue para o número 188 (Centro de Valorização da Vida), 24h disponível.

A saúde mental é uma parte importante de nossa tradição, história e legado islâmicos. No entanto, a doença mental continua sendo um tópico muito estigmatizado nas comunidades muçulmanas. Como pessoas de todas as religiões e origens, os muçulmanos enfrentam problemas de saúde mental, doenças mentais e, de fato, ideação suicida. No entanto, os muçulmanos tendem a estigmatizar particularmente o suicídio. O Islam nos ensina sobre o valor da vida humana, bem como a certeza das adversidades e provações neste mundo, e claramente proíbe as pessoas de tirarem a própria vida. Apesar desses ensinamentos, a realidade é que muitos muçulmanos, em todo o mundo, lutam contra a ideia de se matar, e muitos muçulmanos morrem por suicídio.


Ao contrário da crença comum entre os muçulmanos, a fé e a oração por si só não tornam uma pessoa imune à depressão, pensamentos de automutilação ou suicídio. Quando uma morte por suicídio ocorre em uma comunidade muçulmana, devemos nos voltar para princípios islâmicos fundamentados e cientificamente sólidos sobre como responder.

É imperativo entender primeiro algumas definições:

  • A prevenção é o conjunto de medidas tomadas para reduzir o risco de suicídio. No entanto, após um suicídio, nosso foco deve ser na pós-convenção e na cura da comunidade.
  • A intervenção está relacionada ao esforço direto para evitar que uma pessoa tire a própria vida
  • A pós-intervenção é o conjunto de passos que as pessoas tomam para responder a um suicídio depois que ele acontece. Essas estratégias enfatizam a necessidade de salvar vidas e ajudam a garantir que os membros da comunidade tenham acesso a serviços de saúde mental adequados. Depois que um suicídio acontece em uma comunidade, os profissionais de saúde mental mudam seu foco para prevenir o contágio do suicídio.
  • O contágio suicida é um fenômeno bem documentado em que a exposição direta ou indireta das pessoas ao suicídio também aumenta o risco de morrer por suicídio. O contágio do suicídio pode resultar em grupos suicidas.
  • Os grupos de suicídio são quando vários suicídios ocorrem nas proximidades.

A prevenção do contágio do suicídio é uma das principais prioridades de uma resposta pós-intervenção. Os líderes e membros da comunidade podem e devem adotar medidas em conjunto para prevenir suicídios adicionais e apoiar padrões saudáveis ​​de luto e cura comunitária.

10 coisas que devemos ou não fazer após a ocorrência de um suicídio:

1. NÃO romantize o suicídio, nem trate o assunto de forma sensacionalista

Em primeiro lugar, quando ocorre um suicídio, é fundamental NÃO romantizar a morte, nem trata-la de forma sensacionalista. Falar sobre o local da morte, meios de morte e detalhes específicos de um suicídio recente são discussões prejudiciais e devem ser evitadas. Esses detalhes, embora relatados de boa-fé, muitas vezes transformam em sensacionalismo ou dramatizam a tragédia ocorrida. O contágio do suicídio se espalha entre as pessoas e meios de comunicação que compartilham conteúdo não filtrado sobre suicídio, com pouca ou nenhuma menção a recursos de ajuda. É uma preocupação especialmente grande, no mundo de hoje, devido à facilidade com que as informações são compartilhadas nas redes sociais.

Ações concretas a serem evitadas incluem:

NÃO postar novamente ou discutir notas de suicídio

NÃO compartilhar detalhes de um caso específico de suicídio

NÃO discutir as circunstâncias da vítima

NÃO romantizar a morte como uma solução para o que a pessoa estava vivendo

Por que? Porque as pessoas que estão lutando com pensamentos sérios de suicídio podem se identificar com partes dessas conversas, o que pode motivá-las a atentar contra a própria vida. É vital NÃO contribuir com nenhuma narrativa que normalize ou banalize os comportamentos suicidas. Qualquer coisa que seja compartilhada ou discutida deve enfocar a esperança, a cura e oferecer apoio e recursos para aqueles que estão lutando.

2. NÃO especule ou insista em detalhes

O suicídio é uma tragédia imensa, e é muito comum tentar dar sentido e entender o que exatamente aconteceu. Pensar nos detalhes de um suicídio, especular sobre relatos não comprovados ou se envolver em fofocas não contribuem de maneira significativa para a cura ou o processo de luto. Para que a cura ocorra após o suicídio, é preciso reconhecer que algumas perguntas permanecerão sem resposta e não precisam ser respondidas.

A investigação dos detalhes do caso deve ser deixada para as autoridades e especialistas em saúde mental. À medida que as autoridades divulgam os detalhes do caso, é imperativo não delongar neles. Gastar uma quantidade significativa de tempo analisando detalhes pode servir como uma barreira para processar as emoções e o luto de maneira saudável.

3. NÃO especule sobre as implicações espirituais do suicídio

Suicídio é claramente proibido no Islam. Isso significa que muitas pessoas avaliam as implicações espirituais para alguém que morreu por suicídio. Eles devem ter a oração janaza? Eles poderão entrar no Jannah? Eles ainda são muçulmanos? Embora seja compreensível o porquê das pessoas se fazerem estas perguntas, é imperativo lembrar que Allah (louvado seja) é o Juiz final do que acontece com todos nós, não importa quem somos, o que fizemos ou como morremos.

Além disso, podemos não saber todos os fatores que contribuem para uma pessoa que morre por suicídio. Pessoas em estado suicida frequentemente apresentam processos de pensamento distorcidos e doenças mentais pré-existentes estão relacionadas a mais de 90% dos casos de suicídio. Por essas razões, especular sobre as implicações espirituais para alguém que morre por suicídio é inútil e está além da capacidade dos seres humanos. A comunidade precisa se concentrar em curar e responder a um suicídio, não em fazer julgamentos ou avaliações de questões que nunca saberemos com certeza.

4. NÃO tente diagnosticar uma pessoa que morreu por suicídio

Existem vários fatores que contribuem para a ideação e o comportamento suicida. Os fatores de risco para suicídio podem incluir fatores biológicos (como a composição genética ou química do cérebro de uma pessoa), fatores psicológicos (como a presença de outras doenças mentais), fatores sociais (como o quanto as pessoas se sentem em relação às suas famílias e amigos ou quanto estresse sentem em um determinado período de tempo), e até mesmo fatores espirituais (como a forma como as pessoas pensam sobre Allah). Na verdade, não há como saber quais desses fatores podem ter causado o suicídio de uma pessoa apenas lendo um bilhete suicida que ela deixou para trás ou analisando aspectos da vida da pessoa. Por esse motivo, é importante NÃO diagnosticar uma pessoa que morreu por suicídio. Além disso, tentar diagnosticá-la pode ser prejudicial para a comunidade, chocante para a família e desviar a atenção do que deveria ser o foco principal após um suicídio – luto, apoio e cura.

Ibn Umar (que Allah esteja satisfeito com ele) relatou: O Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos estejam sobre ele) disse: “Mencione o que há de bom sobre seus mortos e evite falar sobre o mal deles” (Sunan al-Tirmidhi, 1019).

5. O que dizer ou NÃO ao consolar alguém que está sofrendo

Muitas vezes é difícil encontrar as palavras corretas para dizer àqueles que estão sofrendo a perda de alguém que morreu por suicídio. Quando você encontrar alguém enlutado pelo suicídio de um ente querido, expresse simpatia como faria por qualquer morte súbita. As pessoas próximas à vítima podem lidar com uma série de emoções complexas, como tristeza, medo, vergonha e raiva. Deixe-os conduzir a conversa e seja compassivo ao ouvir e responder. Lembre-se de ouvir as emoções que eles estão compartilhando e responder às emoções que você ouve, em vez de responder aos seus próprios sentimentos.

Quando o filho de Sayida Zainab, que Allah esteja satisfeito com ambos, estava morrendo, ela chamou seu pai, o Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele). Quando ele viu seu neto lutar em seus últimos suspiros, os olhos do Profeta se encheram de lágrimas. Sa’d bin ‘Ubadah disse: “Ó Mensageiro de Allah! O que é isso?” O Profeta Muhammad respondeu: “É compaixão que Allah colocou nos corações de Seus servos, Allah é compassivo apenas para aqueles entre Seus servos que são compassivos (uns com os outros).”

6. NÃO se culpem uns aos outros e NÃO se culpe

A culpa e a noção de “quem é o responsável” são sentimentos comuns que surgem quando alguém morre por suicídio. Algumas pessoas (como parentes próximos e amigos) podem se perguntar por que não perceberam os sinais de que seu ente querido estava pensando em se matar. Outros podem se perguntar se eles poderiam ter interferido de alguma forma. Os líderes comunitários podem se preocupar com o estado de sua comunidade e se perguntar se poderiam ter implementado programas melhores, enquanto os membros da comunidade podem se frustrar porque não existiam melhores sistemas de programação e suporte. Embora esses sentimentos sejam válidos e compreensíveis, é crucial que as pessoas não culpem umas às outras ou a si mesmas. Depois que alguém morre por suicídio, o foco precisa ser o luto e a cura, e atribuir a culpa não ajuda em nada. A longo prazo, a comunidade pode começar a tomar medidas para implementar novos programas de saúde mental de forma construtiva.

7. PROCESSE as emoções

Os seres humanos são criaturas emocionais. Nossos pensamentos, ações e comportamentos estão intimamente ligados. Nossas vidas são marcadas por tristeza, felicidade, alegria, raiva, frustração, pesar e muito mais. Eventos intensos, como a morte de um membro da comunidade por suicídio, podem desencadear emoções intensas em todos nós, mas as emoções desencadeadas não são as mesmas para todas as pessoas. Alguns podem sentir tristeza, enquanto outros podem sentir raiva. Alguns podem se sentir entorpecidos e outros podem sentir uma combinação de emoções. Para curar nessas situações, é imperativo processar as emoções que nós mesmos estamos sentindo e abrir espaço para que os outros processem de uma forma que pareça certa para eles. Processar essas emoções nos ajuda a entender os eventos ao nosso redor e nos permite ajudar outras pessoas a se curarem também. Existem muitos versículos do Alcorão e muitos ahadith que nos informam como lidar com a dor e como apoiar aqueles que estão sofrendo. Sugestão de artigos sobre este tema: Para momentos de angústia e Formas de lidar com a angústia

8. Estenda a mão e verifique um ao outro

Cada pessoa pode desempenhar um papel vital na criação de um ambiente mentalmente saudável por meio de gestos atenciosos, não importa o quão grande ou pequeno seja. Após um suicídio, as comunidades podem se organizar para apoiar os enlutados, não apenas prestando atenção, mas também fornecendo diferentes tipos de apoio durante o processo de luto. Preparar refeições, oferecer-se como babá ou até comprar flores são gestos muito atenciosos que podem ter um impacto significativo. Antes de fazer qualquer coisa, no entanto, é importante perguntar o que é desejado e necessário por aqueles que estão sofrendo, e permitir que eles recusem respeitosamente. Alguns podem desejar ser deixados sozinhos, e isso está bem, mas ainda assim deve-se oferecer (ou pedir) apoio. Também é bastante importante reavaliar regularmente quaisquer necessidades novas ou não.

De forma mais ampla, verificar com consistência, tanto a curto como a longo prazo, qualquer pessoa particularmente afetada pelo suicídio ou qualquer pessoa com problemas de saúde mental na comunidade é a chave para a prevenção do suicídio. Os amigos e a família costumam ser os primeiros a reconhecer se algo está errado e podem desempenhar um papel fundamental ao vincular a pessoa a ajuda profissional. Quando as pessoas estão dispostas a ouvir umas às outras e a apoiar umas às outras, toda a comunidade se torna mais forte e unida.

9. Identifique formas para que os membros da comunidade busquem apoio religioso e profissional

Após qualquer morte, incluindo uma morte por suicídio, os membros da comunidade precisarão sofrer e se curar. É importante perceber que diferentes tipos de experiências podem exigir diferentes formas de ajuda. As pessoas devem primeiro identificar com quem elas têm mais ressonância – um líder religioso, um conselheiro local, um profissional de saúde mental muçulmano ou um profissional de saúde mental não muçulmano. Eles podem, então, encontrar uma lista de provedores para o tipo de ajuda que procuram e tomar a iniciativa de entrar em contato.

Para ajudar alguém que está passando por dificuldades, as pessoas também devem tentar identificar a melhor forma de ajuda profissional e indicar seu amigo. Os líderes religiosos geralmente estão mais bem preparados para lidar com crises de fé e oferecer aconselhamento espiritual não profissional. Considerando que os profissionais de saúde mental como psiquiatras, psicólogos, conselheiros profissionais, terapeutas e assistentes sociais estão mais bem preparados para ajudar as pessoas com suas experiências clínicas de doença mental. Apoio religioso e profissional de saúde mental são importantes e necessários. A chave é buscar o tipo certo de atendimento para os problemas apropriados e encaminhar o atendimento para um profissional de saúde mental ou serviços de emergência (ou seja, 188), em caso de dúvida.

10. Lembre-se de que o suicídio é evitável, a doença mental é tratável e esses tempos desafiadores são superáveis

É imperativo compreender e ter em mente que o suicídio pode ser evitado e que a doença mental pode ser tratada. Quando afirmamos esses valores e realmente os levamos a sério, isso pode nos ajudar a tomar medidas para evitar que suicídios aconteçam, em primeiro lugar. As estratégias de prevenção referem-se aos passos que as comunidades podem tomar para evitar que crises suicidas aconteçam em primeiro lugar. Essas estratégias incluem ações no nível da comunidade, bem como ações no nível individual. Assim como nos esforçamos para desenvolver ambientes islâmicos saudáveis ​​para nossos filhos e entes queridos, também devemos nos empenhar para criar ambientes que promovam e apoiem a saúde mental.

Alguns passos que os líderes da comunidade muçulmana podem tomar a longo prazo incluem: estabelecer parcerias com profissionais de saúde mental locais, criar e hospedar eventos de educação e conscientização sobre saúde mental frequentes em espaços comunitários como escolas e mesquitas e até mesmo desenvolver e manter sistemas de apoio, como um conselho consultivo da comunidade de saúde mental muçulmana ou uma equipe de resposta a crises que se dediquem a promover a saúde mental e o bem-estar na comunidade.

Conclusão

Qualquer morte em uma comunidade tem o potencial de afetar profundamente não apenas a família e amigos próximos do falecido, mas também a comunidade em geral. Quando alguém morre por suicídio, o impacto na comunidade e em seus membros pode ser significativamente difícil. Embora devamos nos esforçar para criar comunidades muçulmanas que apoiem ​​e promovam a saúde mental, bem como abordem as doenças mentais de maneira não estigmatizada, a realidade é que suicídios podem acontecer apesar de nossos melhores esforços e intenções. Nesses casos, é fundamental que a comunidade responda de maneira adequada e rápida.

Líderes religiosos muçulmanos (imames e mashaaikh), profissionais de saúde mental, líderes comunitários, e membros da comunidade em geral, todos têm papéis que podem e devem desempenhar na resposta a uma crise. Seguir as etapas descritas aqui não só ajudará a prevenir o contágio do suicídio a curto prazo, mas também ajudará a comunidade a sofrer e a se curar a longo prazo.

O suicídio é evitável. A doença mental é tratável. E esses tempos desafiadores são superáveis.

Fonte: Muslim Matters
A Autora: Rania Awaad MD, dentre outras funções e títulos é Professora Associada da Clínica de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Stanford, onde é Diretora do Laboratório de Saúde Mental Muçulmana de Stanford e Psicologia Islâmica, Chefe Associada da Divisão de Saúde Mental Pública e Ciências da População.


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