Tolerância no Islam: o caso de Al-Andalus

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Al-Andalus foi um estado islâmico que existiu na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. Durante esse período, os muçulmanos conviveram com cristãos e judeus, formando uma sociedade diversa e rica em cultura e ciência. Neste artigo, vamos explorar a importância de Al-Andalus para hoje como um modelo de coexistência e enriquecimento mútuo entre diferentes comunidades religiosas. Também vamos analisar os fatores que contribuíram para a tolerância e o respeito mostrados pelos muçulmanos em relação aos cristãos e judeus, bem como os desafios e conflitos que surgiram.

A importância de Al-Andalus para hoje

Al-Andalus é um exemplo histórico de que pessoas com diferentes afiliações religiosas podem viver juntas com base em valores humanitários (convivência). Havia muçulmanos, judeus e cristãos que viviam juntos pacificamente em relação a qualquer outro lugar do mundo naquela época. Essa forma de coexistência, sem paralelo na época, estava destinada a ter consequências de grande alcance. Não foi apenas a Península Ibérica e o Magrebe, mas também a África subsaariana e a Europa Ocidental, que se enriqueceram. Através de Al-Andalus, as bases da cultura grega e as contribuições para a filosofia e a ciência da Índia, Pérsia e China foram disseminadas na Europa. A Espanha de Al-Andalus serviu assim como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e entre a Antiguidade e o futuro Renascimento.

Hoje, vivemos em um mundo globalizado e interconectado, onde as diferenças religiosas e culturais são cada vez mais visíveis e desafiadoras. Muitos conflitos e tensões surgem por causa da intolerância, do fanatismo, do extremismo e da violência em nome da religião. Nesse contexto, é necessário promover o diálogo inter-religioso e intercultural, o respeito pela diversidade e a busca por valores comuns. Al-Andalus pode nos inspirar a construir pontes entre o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; entre o Ocidente, o mundo árabe e a África subsaariana; entre o passado e o presente, para moldar um futuro de troca mútua e respeito entre povos, culturas e religiões que, em tempos anteriores e apesar das dificuldades, conseguiram viver juntos e se enriquecer.

Os fatores da tolerância no Islam

A tolerância no Islam é baseada em princípios teológicos, jurídicos e éticos que reconhecem a diversidade como parte da vontade divina e da natureza humana. O Alcorão afirma que Deus criou as pessoas de diferentes nações e tribos para que se conhecessem e cooperassem (49:13). Também declara que Deus poderia ter feito as pessoas de uma única religião, mas Ele quis testar sua fé e suas obras (5:48). Além disso, o Alcorão garante a liberdade de consciência e de crença, proibindo a coerção em assuntos de religião (2:256) e reconhecendo o direito dos outros de seguir suas próprias leis e costumes (5:42-48).

A Sunnah do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Deus estejam com ele) também fornece exemplos de tolerância e respeito pelos não-muçulmanos. O Profeta estabeleceu um pacto com os judeus de Medina, garantindo-lhes seus direitos civis, religiosos e políticos. Ele também enviou uma carta aos monges do mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, prometendo-lhes proteção e liberdade. Além disso, ele manteve relações diplomáticas e comerciais com vários governantes cristãos, como o imperador bizantino, o rei da Abissínia e o rei do Egito.

A lei islâmica (Sharia) também reconhece o status dos não-muçulmanos como dhimmis (povos protegidos) ou Pessoas do Livro. Isso significa que eles têm o direito de praticar sua religião, manter seus lugares de culto, administrar seus assuntos internos, possuir propriedades, participar da vida pública e desfrutar de segurança e justiça sob o domínio muçulmano. Em troca, eles devem pagar um imposto especial chamado jizya, que os isenta do serviço militar e do zakat (caridade obrigatória).

A ética islâmica também enfatiza a importância da convivência pacífica, da cooperação mútua, da bondade, da justiça e da misericórdia para com todos os seres humanos, independentemente de sua fé ou origem. O Alcorão exorta os muçulmanos a serem moderados, equilibrados e tolerantes em suas atitudes e ações (2:143). Também os encoraja a dialogar com os não-muçulmanos de forma respeitosa e sábia, buscando pontos comuns e evitando disputas inúteis (16:125; 29:46). Além disso, o Alcorão reconhece o valor da diversidade cultural e intelectual como uma fonte de enriquecimento e aprendizagem (30:22; 39:18).

A tolerância no Islam não significa indiferença ou relativismo. Os muçulmanos acreditam que sua religião é a verdade revelada por Deus e que seu dever é convidar as pessoas para ela. No entanto, eles também respeitam o livre-arbítrio das pessoas e aceitam a realidade da pluralidade religiosa. Eles não buscam impor sua fé pela força ou pela violência, mas sim pelo exemplo e pela persuasão. Eles também reconhecem que há bondade e sabedoria em outras tradições religiosas e que podem se beneficiar delas.

O caso de Al-Andalus

Al-Andalus foi um estado islâmico que existiu na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. Durante esse período, os muçulmanos conviveram com cristãos e judeus, formando uma sociedade diversa e rica em cultura e ciência. Como vimos anteriormente, essa convivência foi baseada nos princípios do Islam sobre tolerância e respeito pelos não-muçulmanos. No entanto, isso não significa que não houve problemas ou conflitos entre as diferentes comunidades. Vamos analisar alguns dos fatores que facilitaram ou dificultaram a coexistência em Al-Andalus.

Um dos fatores que favoreceram a tolerância em Al-Andalus foi a política dos governantes muçulmanos em relação aos cristãos e judeus. Eles aplicaram a lei islâmica que concedia aos não-muçulmanos o status de dhimmis, garantindo-lhes seus direitos e deveres. Eles também permitiram que eles mantivessem suas instituições religiosas, educacionais e judiciais, bem como sua língua e cultura. Eles também os envolveram na administração, no comércio, na agricultura e nas artes. Alguns governantes muçulmanos foram especialmente tolerantes e generosos com os não-muçulmanos, como Abd al-Rahman I, Abd al-Rahman III, Al-Hakam II e Al-Mansur.

Outro fator que favoreceu a tolerância em Al-Andalus foi a atitude dos não-muçulmanos em relação aos muçulmanos. Eles aceitaram a autoridade muçulmana e pagaram a jizya sem muita resistência (isto porque, na época, não havia nada parecido que os protegesse totalmente em termos de dignidade e corpo, em troca de um pequeno contributo para o Estado). Eles também se adaptaram à nova realidade social e cultural, aprendendo a língua árabe, adotando alguns costumes islâmicos e participando da vida pública. Eles também se beneficiaram da prosperidade econômica, da segurança política e da liberdade religiosa que Al-Andalus oferecia. Alguns não-muçulmanos até se converteram ao Islam por convicção ou conveniência, enquanto outros mantiveram sua fé original.

Um terceiro fator que favoreceu a tolerância em Al-Andalus foi o intercâmbio cultural e intelectual entre as diferentes comunidades. Al-Andalus se tornou um centro de aprendizagem e inovação, onde muçulmanos, cristãos e judeus contribuíram para o desenvolvimento da ciência, da filosofia, da literatura, da arte e da arquitetura. Eles traduziram obras do grego, do latim, do persa e do hebraico para o árabe, e do árabe para o latim e o hebraico. Eles também criaram obras originais que refletiam sua visão de mundo e sua experiência de convivência. Eles também dialogaram sobre questões teológicas, filosóficas e sociais, buscando compreender uns aos outros e encontrar pontos de convergência.

No entanto, nem tudo foi harmonia em Al-Andalus. Houve também fatores que dificultaram ou prejudicaram a tolerância entre as diferentes comunidades. Um desses fatores foi a instabilidade política e militar que afetou Al-Andalus em vários momentos de sua história. Houve rebeliões internas, invasões externas, guerras civis e mudanças dinásticas que enfraqueceram o poder central e fragmentaram o território em vários reinos independentes (taifas). Essas situações geraram tensão, violência e perseguição entre os diferentes grupos sociais e religiosos.

Outro fator que dificultou ou prejudicou a tolerância em Al-Andalus foi a influência de movimentos religiosos radicais ou fanáticos que rejeitavam a diversidade e a convivência. Houve casos de líderes ou grupos muçulmanos que impuseram restrições ou discriminações aos não-muçulmanos, como aumentar a jizya, proibir certas atividades ou vestimentas, destruir igrejas ou sinagogas ou forçar conversões. Houve também casos de líderes ou grupos cristãos ou judeus que se rebelaram contra a autoridade muçulmana, conspiraram com inimigos externos ou atacaram muçulmanos. Esses casos provocaram reações violentas ou repressivas por parte dos governantes muçulmanos.

Um terceiro fator que dificultou ou prejudicou a tolerância em Al-Andalus foi o avanço da Reconquista cristã que gradualmente reduziu o território muçulmano até sua extinção final em 1492. Esse processo gerou um clima de hostilidade e confronto entre os dois lados, que se refletiu nas relações entre as diferentes comunidades religiosas. Os cristãos passaram a ver os muçulmanos como inimigos estrangeiros que deviam ser expulsos ou subjugados. Os muçulmanos passaram a ver os cristãos como invasores opressores que deviam ser resistidos ou combatidos. Os judeus ficaram em uma situação difícil, pois eram vistos com desconfiança ou hostilidade por ambos os lados.

A tolerância em Al-Andalus não foi perfeita nem permanente. Ela variou de acordo com as circunstâncias históricas, políticas e sociais de cada época e lugar. Ela também dependeu da vontade e da personalidade dos governantes e dos líderes religiosos de cada comunidade. Ela enfrentou desafios e obstáculos que às vezes a colocaram em risco ou a interromperam. No entanto, ela existiu e deixou um legado que não pode ser ignorado ou negado.

Al-Andalus nos mostra que a tolerância é possível e necessária em um mundo plural e diverso. Ela nos ensina que a tolerância não é apenas uma atitude passiva ou indiferente, mas uma atitude ativa e positiva que busca o conhecimento, o diálogo, a cooperação e o respeito mútuo entre as diferentes culturas e religiões. Ela nos inspira a superar os preconceitos, os estereótipos, os medos e os ódios que nos separam e nos dividem. Ela nos convida a construir uma sociedade mais justa, pacífica e harmoniosa, onde todos possam viver com dignidade e liberdade.

Traduzido e editado de: Taha, A. (2016). Tolerância no Islam: o caso de Al-Andalus. The Pen Magazine. Recuperado de https://thepenmagazine.net/tolerance-in-islam-the-case-of-al-andalus/


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