O Waqf Monetário Otomano Revisitado: O Caso de Bursa (1555-1823)

O Waqf Monetário Otomano Revisitado: O Caso de Bursa (1555-1823)
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As doações em dinheiro contribuíram para a sociedade Otomana (waqf otomano), sem ônus para o Estado, através da organização e financiamento das despesas com educação, saúde, bem-estar e uma série de outras atividades. O objetivo deste artigo é descobrir como essas doações funcionaram e contribuíram para a sociedade em longo prazo. Para este fim, os Registros do Censo do monetário (Waff) da cidade de Bursa, abrangendo o período 1555-1823 foram analisados. Assim, ainda que limitada a uma única cidade Otomana, pela primeira vez uma tentativa de uma análise de longo prazo, abrangendo quase trezentos anos, foi tentada.


Pelo professor Murat Cizakca
Figura acima: Capa frontal de Türk Vakiflari editado por Zekâi Baloglu (Tüsev Yayinlari, Istanbul, 1996).


1. INTRODUÇÃO

O waqf (plural awqaf) era um fundo fiduciário estabelecido com dinheiro para apoiar os serviços para a humanidade em nome de Deus. Os tribunais otomanos aprovaram estas doações, logo no início do século XV, e pelo final do século XVI tinham se tornado alegadamente extremamente populares por toda Anatólia e Províncias Europeias do Império.

A extensão exata da difusão geográfica desses awqaf e, especificamente, nas províncias árabes, está sujeita a discussão. O capital doado do waqf era “transferido” para os mutuários que, depois de um certo período, normalmente um ano, retornavam ao waqf principal, acrescido de uma quantia “extra”, a qual era então gasta em todos os tipos de propósitos piedosos e sociais. Esses termos vagos, “transferido” e “extra” foram usados aqui deliberadamente. Se o capital da doação era emprestado como crédito para os mutuários e o retorno não era nada a não ser o juro comum, constitui outro debate. Em uma sociedade onde saúde, educação e bem-estar eram inteiramente financiados por presentes e doações, o waqf monetário carregava sérias implicações para a sobrevivência da malha social Otomana.

Visão geral de Bursa entre 1890 e 1900

2. ENQUADRAMENTO LEGAL

2.1. Posição dos Juristas Clássicos

Os Otomanos, sendo dedicados Hanafis, conduziam seus negócios e assuntos sociais dentro das diretrizes gerais estabelecidas por esta escola de pensamento. É, portanto, imperativo que esta análise deva começar com um resumo da posição Hanafi clássica pertencente ao waqf monetário. Vamos primeiro considerar a questão espinhosa da doação de bens móveis. A essência deste problema refere-se à perpetuidade da doação, a condição sine qua non para qualquer waqf. Os imóveis foram considerados ser o melhor trunfo para garantir a perenidade de uma doação. Houve, no entanto, três exceções reconhecidas a este princípio geral entre os estudiosos Hanafi:
• A doação de bens móveis pertencentes a uma doação de bens imóveis, tais como bois ou ovelhas de uma fazenda, era permitido;
• Segundo, se houvesse um hadith pertinente, e
• Terceiro, se a doação do bem móvel fosse prática comum, ta’amul, em uma região em particular.

Na verdade, exercendo a preferência judicial, istihsan, Imam Muhammad al-Shaybani havia decidido que, mesmo na ausência de uma hadith pertinente, a doação de um bem móvel era admissível se esta fosse prática habitual em um determinado local. Aparentemente, o costume não era sempre uma condição necessária, pois de acordo com al-Sarakhsi, Imam Muhammed tinha, na prática, aprovado a doação de um bem móvel, mesmo na ausência do costume. Além disso, ambos Imames Muhammed al-Shaybani e Abu Yusuf confirmaram, totalmente, a doação de um bem móvel ligado a uma parte da propriedade. Em vista disso, não é de se estranhar que muitas vezes vemos combinados dinheiro/propriedade waqf nos registros Otomanos.

Dada a aceitação de bens móveis como base para a criação de um waqf, como se define um ativo móvel? Mais especificamente, o dinheiro pode ser considerado um ativo móvel e, por conseguinte, ser permitido como base para o estabelecimento de um waqf? Imam Zufer respondeu a esta pergunta afirmativamente e determinou que a doação de dinheiro era absolutamente admissível. Zufer entrou em detalhes a respeito de como tal doação poderia ser organizada: ele sugeriu que o dinheiro doado deveria constituir a base de capital de uma parceria mudaraba e qualquer lucro realizado deveria ser gasto de acordo com o objetivo geral do waqf como indicado em seu estatuto social. Se os bens móveis doados não estivessem originalmente na forma de dinheiro líquido, então eles deveriam ser vendidos no mercado e o dinheiro assim obtido poderia ser utilizado como capital de um mudaraba.

Em resumo, três princípios constituem a base sobre a qual os juristas otomanos posteriores construíram a estrutura dos awqaf em dinheiro: a aprovação de um bem móvel como a base de um waqf, aceitação de dinheiro como um ativo móvel e, portanto, a aprovação de doações em dinheiro.

2.2. Estabelecimento do Waqf monetário

Um debate adicional sobre o estabelecimento do waqf monetário otomano girava em torno da questão da irrevogabilidade. De acordo com Ebu Hanife, o fundador de um waqf ou seus descendentes poderiam revogar a decisão original e reivindicar a propriedade doada de volta. Ou seja, um waqf era revogável. Ebu Hanife acrescentou, que para um waqf se tornar irrevogável e válido, a decisão de um tribunal era necessária.

Outros grandes juristas da Escola Hanafi não concordaram com esta opinião. Ebu Yusuf, por exemplo, sustentou que quando o Profeta Muhammad doou a sua propriedade, os seus direitos sobre os bens móveis ficaram nulos. Além disso, nem o Profeta nem nenhum dos quatro Califas ou os seguidores do Profeta, ashab, alguma vez voltaram atrás de sua decisão de doar suas propriedades. Estes eruditos, além disso, sustentaram que o estabelecimento dos awaqf era um ato irrevogável, baseado no hadith que pertence à doação de ‘Umar.

Durante o período Otomano, um precedente legal foi estabelecido entre os grandes eruditos Hanafis. Um homem desejando iniciar um waqf informou a corte de sua intenção e assim o criou. Mais tarde ele se arrependeu e exigiu que o administrador do waqf devolvesse-lhe o seu capital. Quando este último se recusou a fazê-lo, o caso foi levado perante o tribunal onde o pedido foi categoricamente rejeitado pelo juiz que declarou que o waqf, uma vez estabelecido, era irrevogável e definitivo.
Existem muitas instâncias de estabelecimento do waqf monetário percebido nos Registros do Tribunal de Bursa. Um em particular, datado de 1676, seria suficiente para demonstrar o processo supramencionado. Um tal Mehmed Ali b. Hasan, residente de Karaca Muhiddin, distrito de Bursa, apontou Hasan Celebi b. Mehmed como administrador de um waqf em dinheiro, o qual seria criado com um modesto capital de 50 Esedî Grus. Este capital seria emprestado para mutuários com garantia satisfatória e avais em uma base “10-11 por cento ao ano”.

O retorno deste investimento deveria ser usado para fornecer um banquete público para os muçulmanos carentes no “Zauia” do distrito de Baglar em todas as noites do dia 12 de Rabi al-Awwal. Os 50 Esedi Grus, então, foi confiado ao administrador. Mais tarde, o fundador da doação exigiu o retorno de seu capital na crença de que os três imãs não consideraram o estabelecimento de um waqf com dinheiro, um ato jurídico. O administrador respondeu que de acordo com o Imam-i Ensari citando Imam-i Zufer, o dinheiro do waqf era legal. Os dois disputantes recorreram ao Tribunal por um parecer. No seu requerimento ao tribunal, Mehmed Ali b. Hasan afirmou que desde que Abu Hanifa não havia considerado um waqf irrevogável, a retirada de uma decisão de estabelecer um waqf, era, portanto, permitida. Ele queria fazê-lo e exigiu o seu capital de volta do administrador. O administrador respondeu que sim, de fato Abu Hanifa não tinha considerado o waqf como sendo definitivamente irrevogável, mas Abu Yusuf, o “segundo Imam” e Al-Shaybani, “o terceiro imam”, legislaram que o waqf era ambos, definitivo e irrevogável e, portanto, ele pedira o parecer do tribunal sustentando essa irrevogabilidade. O juiz assim determinou e decidiu que qualquer tentativa de abolir o waqf era nula e sem efeito. Além disso, o juiz determinou que esta decisão estava de acordo com as deliberações de todos os “imãs fortes”. Este veredito finalizou o procedimento necessário para o estabelecimento de um dinheiro waqf.

2.3. O Debate da Perpetuidade

O estabelecimento do dinheiro do waqf pelos Otomanos durante o século XV parece ter tomado legal sem dificuldades legais. Mas durante o século seguinte quando esses waqf tornaram-se tão populares que dominaram o sistema awqaf, o juiz militar das províncias europeias, Civizade, desafiou a situação. O Seyhulislam Abussuud Efendi quase que imediatamente rebateu seu ponto de vista e um debate feroz começou. Já que os detalhes deste debate já foram pulicados, eles não serão resumidos aqui. É suficiente dizer que o debate entre esses dois grandes juristas e seus seguidores durou mais de um século e ainda permanece inconclusivo. Apoiado pelo Estado, o waqf monetário continuou a existir e florescer. Vamos agora concentrar a nossa atenção no paradigma da perpetuidade, a questão mais importante no debate e procurar respostas para as seguintes perguntas:
 

• Dado que um dos pontos principais do debate relativo ao problema da perpetuidade (defensores argumentam que essa doação tem tanta chance de sobreviver quanto qualquer outra doação em propriedades e os opositores acreditam que elas entrariam em colapso em pouco tempo) seria possível agora, durante a primeira década do século XXI, avaliar retroativamente qual lado do debate era mais verdadeiro?
• Quais fatores causaram o fracasso ou sustentação das doações, de fato, desapareceram rapidamente, onde foram tão mal geridos? Se, em contrate, tivessem sobrevivido por qualquer período de tempo, então quais seriam as razões para seus relativos sucessos?
• De que maneira o dinheiro do waqf contribuiu para o processo de acúmulo de capital? Essa questão deve ser abordada sob duas perspectivas, ou seja, do ponto de vista dos aforradores e dos usuários dos fundos. Mais especificamente, os poupadores juntaram os seus recursos para formar o waqf monetário ou apenas adicionaram capital ao já existente? Será que os usuários do capital tem acesso a diversos dinheiros waqf, de modo a ampliar o conjunto disponível de capital à sua disposição?
• No processo de transferência de fundos para os empresários ou ao público, até que ponto foi a proibição islâmica de riba observada? Em outras palavras, será que as afirmações de que o waqf monetário violavam a Lei Islâmica são justificadas?

3. Awqaf Monetários na Realidade Histórica

3.1. Sobrevivência do Waqf Monetário

Já que a perpetuidade é considerada ser a conditio sine qua non de qualquer waqf, uma análise de sua taxa de sobrevivência assume grande importância. Infelizmente, com exceção do estudo de Barkan-Ayverdi, não existe fonte publicada que seja relevante para este paradigma. Mesmo este estudo bem conhecido sofre de dois pontos fracos. Em primeiro lugar, abrange um período de tempo de apenas 76 anos e é, portanto, inadequado para uma análise da perpetuidade. Em seguida, intimamente relacionado com a primeira fraqueza (uma vez que é baseada em uma análise de apenas três registros Tahrir), as flutuações no número de waqf que sobreviveram pode ser enganosa. Estas flutuações podem ter resultado do fato que pode ter havido mais de um registro de tahrir de um único ano e o awaqf não observado em um registro pode simplesmente ter sido incluído no registro ausente.
Tendo em mente essas duas deficiências do estudo de Barkan-Ayverdi, o qual se concentra no waqf de Istambul, uma tentativa foi feita através deste artigo de supera-las através do estudo do waqf monetário de Bursa. Para começar, o intervalo de tempo foi expandido para cobrir o período 1555-1823, ou seja, um período de 268 anos. Em segundo lugar, a análise foi baseada no waqf monetário individual.
Assim, foi possível traçar a performance de um waqf num período mais longo e verificou-se que um waqf que parecia ter desaparecido em um determinado ponto no tempo pode ser “redescoberto” num período posterior.
A fonte principal usada para esse estudo é o conjunto de registros que pode ser chamado apropriadamente de “vakif tahrir defterleri” ou “censos do waqf monetário”. Cerca de setenta volumes desses registros foram identificados dentre a Coleção de Registros da Corte de Bursa. De forma a facilitar a pesquisa, uma amostra teve de ser criada e os registros com aproximadamente vinte anos no meio foram escolhidos. Selecionadas nossas amostras fontes, estávamos então em posição de examinar cuidadosamente o debate entre os dois grandes juristas do século XVI, Chivizade e Seyhulislam Abussuud Efendi e tentar concluir, cerca de quatrocentos anos depois, qual perspectiva era a mais precisa entre os dois. A questão que pesquisamos foi “qual a porcentagem dos awqaf registrados era perpétuo”? Mas antes, o termo “perpétuo” deve ser definido. Para todos os propósitos práticos, um waqf perpétuo é definido aqui como aquele que sobreviveu por mais de um século. Assim, aqueles que sobreviveram por pelo menos cem anos foram procurados.

A fim de encontrar a resposta para o problema da perpetuidade, um total de 2688 waqf monetário foi inserido no computador. Isto constituiu a população total da pesquisa. Dentro de toda essa população, no entanto, havia 761 waqf individuais que foram repetidamente identificados em vários anos diferentes, por isso número populacional total muito maior. A questão principal pode assim ser refeita: qual porcentagem desses 761 waqs era “perpétua”?
De forma a responder a essa questão, a população inteira do waqf foi analisada pelo computador. Para ajudar o computador a identificar waqf individuais distintos, foi decidido que o distrito (mahalle) seria a unidade de pesquisa principal. Havia geralmente vários awqaf em cada mahalle e a cada um destes foi dado um código separado. O computador foi ordenado a organizar primeiramente toda a população de acordo com as mahalles em ordem alfabética; e em segundo lugar, a produzir uma lista cronológica dos awqaf em cada mahalle. Com esta lista cronológica de awqaf distritais na mão, era então uma questão simples procurar um waqf individual e contar o número de suas ocorrências em diferentes registros e diferentes anos.
Uma das maiores dificuldades encontradas neste estudo foi a nomeação dos mahalles. Esta dificuldade tornou-se bastante grave dado que os funcionários encarregados destes registros, muitas vezes omitiram-se de escrever o nome do mahalle em que um waqf fora estabelecido, e tantos awqaf não puderam ser incluídos na pesquisa. Assim, o número de awqaf perpétuos observados representa um mínimo provável da realidade total. O número foi 148, ou seja, de 761 awqaf individuais, 148 definitivamente sobreviveram por mais de um século. Isso nos dá um “percentual de perpetuidade” de 19%. É evidente que se tivesse sido possível incorporar à população geral os awqaf que não puderam ser atribuídos a um mahalle específico, esse percentual teria superado 20%.

Dada esta informação, podemos passar um julgamento sobre o debate do século XVI sobre perpetuidade? Em outras palavras, Abussuud Efendi estava correto ao argumentar que o tanto o dinheiro quanto as propriedades awqaf tinham boas chances de existência ao longo prazo? Obviamente o que foi mostrado acima constitui apenas a primeira parte da resposta para esta questão, ou seja, que ao menos 20% do waqf monetário sobreviveu por mais de cem anos. Para uma resposta completa, seria necessário determinar a taxa de sobrevivência para as propriedades waqf. Tal pesquisa jamais foi feita.
Neste ponto, pode sustentar-se que as propriedades awqaf, normalmente, teriam tido uma possibilidade muito melhor de sobrevivência do que o waqf monetário e Abussuud Efendi deveria estar errado ao sustentar que o último tinha tanta chance quanto o primeiro. Mas o poder de permanência das propriedades não deve ser exagerado. Afinal de contas, os waqfs estavam sujeitos a perigos como incêndio constantes, terremotos e diminuição de fertilidade da terra. Além do mais, sofreram de receitas inelásticas, os artesãos que alugaram suas lojas recusaram-se aumentar seus aluguéis e era difícil de despejá-los devido ao apoio estatal do qual gozavam.

3.2. Icareteyn Vakiflari

Quando uma catástrofe de grandes proporções atingia uma propriedade waqf, um trabalho de reconstrução substancial teria que ser realizado. Financiar essas grandes despesas imprevistas, naturalmente, estaria além da capacidade das receitas normais da doação. A solução foi encontrada em uma instituição conhecida como “vakiflari icareteyn”, o que pode ser traduzido como “doações dupla de aluguéis.”

A base desta instituição está sujeita ao debate. Gerber sustentou que os manuais legais clássicos estão silenciosos sobre o icareteyn vakiflari e que estas doações foram inventadas durante o século XVI. Segundo Gerber, estas doações incorporaram-se na jurisprudência Otomana no ano 1611-12, com a promulgação de uma nova lei. Esta lei pertenceu à órbita da lei do Estado, kanun, e não era um conceito islâmico original. Contudo, esta visão é desafiada por Akgunduz que traça a origem do assim chamado icare-i tavile pelo qual o arrendamento de longo prazo de uma propriedade doada ficou possível pela primeira vez logo no século X. O icare-i tavile, método simples pelo qual o curador assinava contratos de aluguel sucessivos em uma única sessão, foi aprovado pelos juristas bem conhecidos hanafis Mohammed b. El-Fadl e Ca’fer al-Hindawani. Além disso, o conceito de um montante fixo também pode ser observado nos escritos desses juristas do começo do século X. Que o icare-i tavile se desenvolveu durante os próximos seis séculos no icareteyn vakiflari otomano é certamente uma ideia interessante e apoiada por Klaus Kreiser. Chamando nossa atenção para uma fatwa (decreto religioso) do século XV por Seyhulislam Mollah Gurani e para o trabalho de Bulent Koprulu, Kreiser nos informou que o conceito de aluguel duplo era bem conhecido durante os séculos XV e XVI.
Mas essa evolução não ocorreu suavemente e a legalidade do conceito estava sujeito a intenso debate que durou por vários séculos, antes mesmo que os otomanos emergissem como potência mundial. O resultado final do debate foi que tais doações poderiam ser permitidas apenas depois da decisão de um juiz e em resposta a uma necessidade horrenda, zaruret. Em todo o caso, a promulgação da lei 1611-12 foi aparentemente em resposta a tal zaruret que tomou a forma de uma série de incêndios que causaram destruição em massa de propriedades awqaf em Istambul.
O novo sistema foi baseado em dois tipos diferentes de aluguel: o primeiro foi um grande montante fixo, muaccele, pagos imediatamente ao administrador do waqf. O segundo tipo, mueccele, foi a renda anual normal. De acordo com um fetwa de Abulhay, o muaccele tinha que ser mais ou menos igual ao valor real da propriedade waqf e a relação entre as duas rendas exibidas, uma proporção que variava entre 1:30 e 1: 112.

Agora com as receitas do awqaf substancialmente aumentadas o trabalho de reconstrução poderia ser completado. De forma a garantir que o aluguel de uma propriedade waqf permanecesse atrativo para os futuros inquilinos, a posse foi aumentada substancialmente, para mais de noventa anos. 

Aumentar a posse para quase um século criou dois novos problemas. O primeiro foi o problema legal de contornar a proibição ortodoxa sobre o contrato de arrendamento, a longo prazo, de um waqf. Um dispositivo legal, hile-i ser’iye, que foi explicado detalhadamente por Gerber, resolveu este problema. O segundo problema foi o mais substancial, da confusão e eventual perda dos direitos de propriedade waqf a longo prazo.

Não é necessário dizer que com o aumento da posse para pouco menos de um século, a propriedade waqf na prática acabava, tendo na prática, dois donos o que deve ter levado a considerável confusão de direitos de propriedade. Como resultado, os novos inquilinos que alugavam-nas como icareteyn devem ter eventualmente usurpado algumas propriedades awqaf. Há evidência substancial de que no Egito, onde a estabilidade de noventa anos se aplicou, provavelmente pela primeira vez, esta prática levou ao surgimento da pseudo propriedade privada.

Embora não seja possível, dentro das limitações atuais do nosso conhecimento, quantificar estes argumentos, evidências substanciais podem ser encontradas em relação à evolução da lei waqf otomana. Considere, por exemplo, o estatuto jurídico da pessoa, mutasarrif, que utilizou a propriedade waqf. Embora, estritamente falando, quando o anterior morria, o contrato entre ele e a doação deveria ter sido cancelado, no entanto, ao longo do tempo uma transferência antes do óbito foi permitida. Esta transferência tomou a forma de aluguel ou venda da propriedade waqf à uma terceira pessoa. Legar a propriedade para os filhos ou mesmo para seus parentes foi permitido pela primeira vez em 1833 e então em 1867. Quando tais transferências se tornaram legais, claramente o status do anicareteyn waqf aproximou-se efetivamente a da propriedade privada. Finalmente, Vakiflar Kanunu, a lei republicana de doações, permitiu a propriedade privada de uma propriedade waqf contra o pagamento de um assim chamado taviz bedeli.

Até agora, mencionamos a “usurpação” de direitos de propriedade waqf por indivíduos privados. Mas, o maior desafio a estes direitos veio do Estado e não precisam ser repetidos aqui, já que foram bem explicados em detalhes em outro lugar. Tudo o que foi mencionado acima deve indicar a vulnerabilidade dos awqaf imobiliários para a sobrevivência a longo prazo e, portanto, em retrospectiva, apoiar a tese de Abussuud Efendi no debate da perpetuidade. Antes de passar para o próximo tópico, será discutido aqui que o vakiflari icareteyn provavelmente constituiu a origem do bem conhecido sistema malikane, que foi iniciado no ano de 1695 e que, posteriormente, dominou as finanças do Estado Otomano durante o século XVIII. No sistema malikane, como no icareteyn vakiflari, as regiões fiscais eram leiloadas pelo maior lance pago por um muaccele, um grande montante fixo e uma renda anual. O sistema foi introduzido durante um período de extrema dificuldade financeira e dos déficits orçamentais graves causados pela longa e custosa guerra contra os Habsburgos. Ele desempenhou um papel crucial na restauração das finanças do Estado (Genc, 1975).

3.3. A gestão do Waqf monetário

Observado o “percentual de perpetuidade” do waqf monetário, a questão obvia a ser perguntada nesse ponto é sobre a gestão. Como é que alguns vinte por cento do waqf monetário tenha sobrevivido por mais de um século, em primeiro lugar? Para responder a esta pergunta precisamos dar uma olhada cuidadosa na maneira como esses awqaf foram geridos. Mais especificamente, vamos nos preocupar aqui principalmente com a maneira como o curador investiu a capital do waqf.
Um típico registro do waqf do século XVIII contém a seguinte informação:

1. O nome do waqf e o propósito para o qual fora estabelecido;
2. O nome do mahalle, distrito no qual a doação fora registrada;
3. O nome do administrador;
4. O período de tempo coberto pelo censo;
5. O capital original do waqf;
6. Adições posteriores ao capital do waqf, seja por indivíduos ou por outro waqf;
7. O balanço do novo capital assim formado;
8. O retorno obtido do investimento do capital doado ao final de um ano;
9. A finalidade para a qual fora designado o retorno anual, ou seja, a despesa ou almasarif. Finalmente, na seção conhecida como o zimen, informação sobre os mutuários do capital doado era fornecida;
10. Os nomes dos mutuários;
11. O montante de capital que pegaram emprestado;
12. O mahalle onde os mutuários viveram;
13. A denominação religiosa dos mutuários; e
14. Seus gêneros.

A riqueza inestimável de informações contidas nos registros do censo waqf decorre da entrada padronizada de dados mantidos em centenas de doações através de um intervalo de tempo de cerca de 300 anos. Deixando de lado as mudanças usuais na paleografia, existem apenas duas distinções discerníveis entre um registro mantido no século XVI e um do século XVIII. Com exceção dessas diferenças um registro de censo waqf do século XVI, contém exatamente os mesmos tipos de informação que o do século XVIII.

Em um registro típico do dinheiro waqf do século XVIII, ler-se-ia assim: “A conta das receitas e das despesas das doações muçulmanas com a finalidade de (auxiliar) avariz e impostos nuzul para o (moradores do) distrito de Orhan Gazi da cidade de Bursa durante a tutela de Esseyid Halil Aga, o administrador da referida doação a partir do ano 1200 (1785) até o final do Dhul Hijjah do mesmo ano.”

Este dinheiro waqf em particular foi doado de um capital inicial de 2377.5 grus. Para isso, o “lucro” do ano anterior foi adicionado, o que aumentou o capital para 2544 grus. Mais tarde, temos três outros waqf contribuindo ainda mais para este 2544 grus. A primeira contribuição, 50 grus, foi fornecida pelo waqf do Ayse Hatun com o propósito de recitar o Mevlid. A segunda, 85 grus, veio do waqf de Hatim Hatun, para o mesmo fim. Finalmente, a terceira contribuição, 50 grus, também veio do waqf de Hatim Hatun desta vez, com a finalidade de comprar velas para o waqf Orhan Gazi. O capital total da doação assim, o aumentou dos 2377.5 grus originais para 2729 grus, um acréscimo total de 351,5 grus.

Este capital melhorado de 2729 grus foi então distribuído como crédito para 20 indivíduos. Estes investimentos geraram um retorno de 257,5 grus, murabaha fi sene-i Kamile, o que representou 9,4 por cento do capital investido. Fora deste retorno de 257,5 grus, um total de 86,5 grus foram gastos para auxiliar o pagamento de impostos avariz e nuzul, para recitar o Mevlid, para comprar velas, para pagar o administrador e o escriturário, e para despesas diversas. Os restantes 171 grus foi chamado de ziyade ez masraf e foi adicionado no ano seguinte ao capital da doação. Isto demonstra, em resumo, como um dinheiro waqf realmente funcionava.

Em poucas palavras, o capital doado foi distribuído como crédito para um número de mutuários e o retorno deste investimento foi gasto para fins religiosos e sociais. Se o retorno fosse superado, como neste exemplo em particular, as despesas, a parte restante, seria então adicionada ao capital inicial da doação do ano seguinte. Nesta breve explicação há muitos pontos que clamam por uma explicação. Primeiro, vamos considerar o aumento do capital inicial.

O capital original de uma doação poderia ser expandido de duas formas: ou o retorno do capital investido excedia os gastos e o lucro resultante era adicionado ao capital, ou outras doações destinavam parte de seu lucro à doação considerada. O waqf para a provisão de comida para os membros. O waqf para o fornecimento de alimentos para os membros da aliança de sipahiyan constitui um bom exemplo: o capital original dessa doação era 2010.5 grus. Quatro outras doações contribuíram para o capital deste waqf aumentando para 2180.5 grus. Não há nenhuma explicação satisfatória para este fenômeno frequentemente observado da transferência de fundos entre doações. Qualquer que seja a explicação, o capital acrescido foi investido na sua totalidade através da transferência para os mutuários. 

Tendo observado anteriormente que o capital inicial da doação poderia ser aumentado tanto por um reinvestimento dos lucros gerados ou por contribuições de outras doações, será discutido aqui que deve ter havido uma relação entre “perpetuidade” e valorização do capital inicial. Dito de outro modo, temos a impressão de que os “awqaf perpétuos” deviam a sua sobrevivência ao aumento do seu capital inicial. Foi afirmado anteriormente que 148 awqaf perpétuos foram estudados. Desse total de uma amostra de 25% (36 awqaf perpétuos) foram criados e a relação entre o aumento do seu capital e sua perpetuidade foi examinada. Os resultados desta análise são apresentados na Tabela 1 [1]. Fora destes 36 awqaf perpétuos, apenas 7 ou 19%, não tiveram o seu capital inicial expandido. O restante, ou seja, 81% destes awqaf, havia passado por um processo de valorização de capital. Assim, a nossa impressão de que o aumento do capital inicial parece ter sido um fator importante para explicar a perenidade das doações foi confirmada. 

Vamos agora examinar a natureza do retorno do capital investido, o irad ou murabaha. Foi com base em uma determinada percentagem do capital investido, ou seja, uma taxa de juros pura e simples, ou foi apenas o lucro gerado pelo capital investido? Se o primeiro é verdade, não é preciso dizer que este estaria em contradição com a proibição islâmica bem conhecida de juros. Em tal caso, uma explicação sobre a forma como a proibição foi contornada seria necessário. Se a última alternativa está correta, ou seja, o retorno é igual ao lucro obtido, então o retorno poderia concebivelmente implicar não só uma situação de lucro, mas também uma perda causando assim uma diminuição potencial do capital inicial também.

O dinheiro waqf poderia investir seu capital em um destes três métodos: mudaraba, Bida’a e muamele-iseriyye. Os dois primeiros métodos são formas bem conhecidas de finanças islâmicas e não precisam ser explicados aqui. A terceira expressão, por outro lado, é uma terminologia geral que abrange vários métodos pelos quais o dinheiro poderia ser emprestado aos mutuários no âmbito da jurisprudência islâmica. Embora os juristas tivessem permitido esses métodos muamele-i seriye, parece que eles eram simples dispositivos legais criados com a intenção de obedecer a letra da lei, ainda que violassem seu espírito. Destes, um método chamado Istiglal, foi o mais generalizado. Por este método, o mutuário foi solicitado a fornecer uma garantia, normalmente a sua própria casa, que ele era autorizado a continuar usando, mas pela qual ele tinha que pagar um aluguel durante o tempo que ele mantivesse o dinheiro do waqf em sua posse. Quando ele pagava de volta o crédito, a titularidade da sua casa era revertida de volta para ele. É a natureza exata desse aluguel, e se é constituído de juros ou não, que é debatido.

Assim, através de medidas istighlal e outras semelhantes, foi possível para o waqf monetário emprestar dinheiro (a juros) e ainda permanecer dentro da lei. Mas será que eles realmente emprestavam dinheiro a juros ou pseudo juros? Nós procuramos a resposta para esta pergunta, examinando as relações murabaha /capital. Essa pesquisa também lança luz sobre um recente debate entre os historiadores econômicos modernos e juristas. Este debate começou com o estudo Barkan-Ayverdi que alegou que o waqf monetário simplesmente emprestava dinheiro a juros. Estes autores foram, então, juntados primeiro Mandaville e depois por Gerber.

Um grande corpo de juristas da modernidade, especializados em lei islâmica, vieram a perceber o argumento de Barkan e de outros, quando estes pontos de vista foram resumidos e publicados em turco (Çizakça e Çiller, 1989). Em um simpósio que se seguiu, em Istambul, os pontos de vista dos historiadores foram criticados com o argumento de que todos os métodos pelos quais os awqaf monetários transferiram seu capital para os mutuários haviam sido analisados cuidadosamente pelos juristas Otomanos e eram, portanto, legais. Mais especificamente, foi alegado que os historiadores tinham sido confundidos por alguma das terminologias utilizadas nos atos de doação. O termo istirbah, por exemplo, que alguns historiadores erroneamente interpretaram como recorrer à riba ou juros, simplesmente significava que o capital da doação não era transferido como Karz-i hasene, emprestando sem juros, mas que uma parte do lucro a ser auferido pelo investimento do capital doado era para ser pago de volta pelo mutuário ao waqf. O termo ilzam-i ribh, de igual modo significava que o mutuário era obrigado a fazer um lucro e voltar ao waqf do principal acrescido de uma parte deste lucro. O termo, onu onbir uzere, que pode ser traduzido como “onze dos dez”, atualizou esta participação nos lucros e significava que para cada dez dirhems auferidos pelo mutuário ou o empresário, um dirhem deveria ser devolvido ao waqf.

A palavra crucial aqui é “ganhar”. Com efeito, se como sugere Donduren, o montante devolvido para o waqf pelo mutuário era uma porcentagem dos lucros ganhos, então isso seria uma participação nos lucros e não juros. Então, aqui está a base para mais um debate. Para testar esta teoria, precisamos investigar as relações de capital/lucro para cada doação em dinheiro. Se Donduren está certo e o retorno do capital estava sob a forma de uma participação nos lucros, então esperaríamos que a taxa de lucro/capital apresentasse uma tendência variável, refletindo as quantidades sempre em mudança dos lucros (ou perdas) acrescidos ao capital investido. Se o retorno, entretanto, estava em sua forma natural, esperar-se-ia ver mais ou menos lucros constantes/capital investido.

Antes de iniciarmos esta análise, no entanto, é preciso fazer uma distinção entre os juros judiciais e o econômico. Mesmo se as relações capital/lucro exibem uma tendência constante e o retorno é, portanto, identificado como juros, é preciso lembrar que este pertence a um juro econômico e não a um judicial. Isso é porque, no que tange a juros judiciais, o assunto foi resolvido séculos atrás pelos juristas. Istighlal e outros métodos de empréstimo que historiadores modernos consideram simplesmente como juros, pertencem na realidade factual ao juro econômico. No que tange o estabelecimento legal, esses instrumentos foram permitidos e não categorizados como juros. A maioria dos juristas otomanos não tiveram dúvidas sobre a legalidade deles.
Para encontrar uma resposta para a questão de se o murabaha ou irad constituía juros econômico, 1563 awqaf e seus respectivos índices de lucro/capitais, abrangendo o período 1667-1805 foram inseridos no computador. Essa avaliação constitui uma parte importante de um estudo anterior (Çizakça, 1993). Apenas quatro desses awqaf exibiram flutuações significativas embora todo o resto, ou seja, 1559 deles, produziu retornos de entre 9 e 12 por cento. Assim, podemos concluir, embora os instrumentos financeiros utilizados pelo awqaf monetário fossem considerados legais e aprovados pelos tribunais, estes rácios constantes sugerem fortemente que um juro econômico prevaleceu. Os detalhes são apresentados abaixo.

Lucro Médio/Coeficiente de Capital Taxas de juros econômicos em Bursa
963/1555 10.8%
1078/1667 10.8%
1104/1692 10.8%
1105/1693 10.6%
1163/1749 11.5%
1181/1767 11.1%
1200/1785 11.5%
1201/1786 11.0%
1220/1805 11.5%
1239/1823 13.0%

Neste ponto, seria oportuno ponderar as implicações desta observação. Em primeiro lugar, a tendência de aumento da taxa de juros econômico em Bursa está diametralmente oposta à tendência de queda da taxa de juros observada no Ocidente. Esta observação necessita de explicação urgente e deve constituir o assunto de uma investigação separada. Além disso, parece ter existido um mercado de capital secundário na economia Otomana. Esta conclusão é sugerida pela observação de que as taxas de juros de mercado que prevaleciam entre o sarraf em Istanbul, bem como em Ancara, eram significativamente mais altas do que as taxas de juros de Bursa. Isto leva-nos às seguintes conclusões: em primeiro lugar, o waqf monetário fora proibido de aplicar a taxa de juros de mercado existente e não era permitido cobrar tarifas acima de certo limite imposto pelos seus fundadores. Em segundo lugar, houve pelo menos duas tarifas diferentes de juros que prevaleciam no mercado, com o waqf monetário aplicando a tarifa mais baixa. Consequentemente, faria sentido econômico pedir emprestado de um dinheiro waqf de Bursa e emprestar o capital na tarifa de juros de mercado, digamos, ao sarrafs, banqueiros, em Istanbul.

Investigaremos esta especulação abaixo. Por enquanto, deve ser suficiente indicar que evidência de outras fontes apoia este argumento. Considere, por exemplo, o livro disponível de Ronald Jennings onde mostrou que o curador de um waqf em Nicósia, Chipre, emprestou dinheiro aos pobres em 20 ou 30% de “juros” violação dessa forma a condição do doador que só 10% de “juros” deveriam ser cobrados. Esta violação não escapou da atenção do tribunal e o curador foi acusado de fraude.
É possível encontrar literalmente milhares de documentos de doação, vakifnames, que impõem um nível máximo de juros econômico a ser cobrado. Considere os seguintes casos: No mês de Safer, 1513, el-Hac Suleyman b. el-Hac (?) doara 70.000 dirhems de prata. Desse total, 30.000 dirhems deveriam ser gastos na construção de uma escola e o restante, 40.000, era para ser emprestado como muamele-is-eriyyeand Istiglal com 10% de murabaha anual. A receita assim obtida deveria ser gasta como se segue: 3 dirhems de salário diário para o professor da escola, 1 dirhem ao seu assistente, 1 dirhem para a pessoa que recita o Corão, e 2 dirhems para o administrador da doação.
Olhando para a situação de um ponto de vista estritamente econômico, pode-se sugerir que, se outras instituições como o Sarraf existiam, que exploravam plenamente a alta demanda do mercado para o capital através da cobrança de taxas mais elevadas de juros, então, eventualmente tais instituições expandiriam à custa do waqf monetário, que devido a considerações morais e religiosas não estavam autorizadas a cobrar além de uma taxa máxima. Teremos mais a dizer sobre esse argumento quando consideramos o declínio do waqf monetário.

4. Injeção de Capital na Economia

4.1. Os Administradores como mutuários

Os pontos que acabamos de fazer podem ser investigado por uma análise cuidadosa dos mutuários. Foi indicado anteriormente que após o ano 1749 as Bursa registros tahrir waqf contêm uma seção para cada waqf que nos informa sobre as pessoas que emprestaram a capital da investidura. Olhando atentamente para essas seções, deve ser possível identificar os mutuários frequentes, ou aqueles que têm emprestado regularmente a partir de um grande número de doações. Estes indivíduos eram provavelmente os que pediam empréstimo à taxa mais baixa oferecida pelos awqaf monetários de Bursa e depois emprestaram esse dinheiro a taxas mais elevadas para os sarrafs de Istambul. As carreiras de dois curadores que se estendem 1749-1785, no distrito de Timurtas em Bursa ilustram este ponto.

Primeiramente, notamos que essas pessoas administravam até mais do que oito doações. Assim, parece que, o curador (gestor, administrador) a esta altura tinha se tornado uma distinta profissão. Halil Efendi recebia 69 grus e 360 akces de salário, meyacib, anualmente, desses estabelecimentos no ano de 1749. Dezoito anos depois, em 1767, ele ainda estava a cargo de curador de sete fundações no mesmo distrito e seu salário anual aumentara para 76 grus e 260 akces. Mas ele não estava satisfeito com isso e começou a emprestar de todas as administrações que ele administrava. O total do montante emprestado em 1676 era de 14 grus e provinha de duas fundações diferentes.

No ano de 1785, um certo Ahmet Efendi substituiu Halil Efendi, supramencionado. Esse Ahmet Efendi serviu de curador de seis awqaf monetários no mesmo distrito de Timurtas. Quatro dessas seis doações eram as mesmas que as anteriormente administradas por Halil Efendi. Ahmet Efendi ganhava um salário de 50.5 grus dessas doações, consideravelmente menos que os 76 grus e 360 akces de Halil Efendi. Mas Ahmet Efendi era um emprestador ainda maior que Halil. Ele emprestara um total de 79 grus, uma quantia muito superior que os 14 grus de Halil, das quatro doações que ele administrava.

Esses dois casos nos levam a acreditar que, não apenas o curador tornara-se uma profissão distinta como também estavam surgindo como grandes mutuários ao longo do século XVIII. Esta tendência crescente de curadores emprestarem dinheiro é confirmada por uma análise mais aprofundada envolvendo uma amostra de 25% para os anos de 1749-1823. Os detalhes são apresentados abaixo.

Com base nas tabelas, agora podemos concluir que os administradores estavam se tornando cada vez mais significativos como mutuários. Uma vez que controlavam os awqaf monetários, deve ter sido relativamente fácil para eles para emprestar do capital dessas instituições. A taxa em que eles emprestaram mostrou ter sido substancialmente inferior à taxa de mercado em vigor. Consequentemente, argumenta-se que os administradores devem ter ganhado quantidades substanciais, explorando a diferença entre as duas taxas de “juros” existentes no mercado de capitais.

4.2. Injeção de capital

Todas as informações apresentadas acima apoiam o fato de que o waqf monetário foi responsável por uma injeção de grande escala do capital na economia de Bursa. Com base nos resultados de uma análise feita com uma amostra aleatória de 25%, ao que parece, em um determinado ano, de 10 a 12 pessoas, em média, emprestaram de um único waqf. Mas alguns waqfs forneciam crédito para até 37, 42 pessoas, dentro de um determinado ano.
Se tomarmos 1767 como o ano para o qual temos a informação mais completa, e multiplicarmos 1662, a figura derivada da amostra de 25% como o número de mutuários para esse ano, por quatro, obtemos uma estimativa muito aproximada do número total de mutuários; este valor é 6648. Assim, podemos concluir que, em um determinado ano durante o século XVIII, mais de seis mil pessoas receberam crédito pelo sistema waqf monetário na cidade de Bursa.

Para ganhar uma soma pelo total emprestado por essas pessoas devemos também multiplicar o crédito fornecido na amostra de 1767, 117.084, por quatro. Isto dá quase meio milhão de grus. Neste ponto podemos nos perguntar sobre a importância relativa dessa figura. Comparando este valor com os dados fornecidos pelo Mehmet Genc para o rendimento fiscal da seda pano de imprensa Bursa, mukataa-i-i RESM mengene-i kutni ve pesimi ve keremsud-i Brusa ve tevabii, para os anos de 1757-1788, notamos que o capital injetado na economia de Bursa pelos awqaf monetários era quase dez vezes maior do que o montante retirado pelo Estado através da fazenda fiscal da imprensa de tecidos de seda. A função de redistribuição dos awqaf de caixa não deve escapar-nos aqui: o dinheiro injetado na economia não era um montante fixo dado como crédito para um grupo seleto. Pelo contrário, este montante salvo por poucos privilegiados foi redistribuído de forma voluntária. Assim, a injeção e a redistribuição ocorreram simultaneamente. A evidência para esta será fornecida abaixo.

Neste contexto, uma avaliação dos seis mil ou mais pessoas que foram providos com crédito necessita de ser feita. Na verdade, o que é que esta soma implica? Infelizmente, uma estimativa fiável da população de Bursa para o século XVIII não está disponível. Erder, com base nos relatos de viajantes franceses, fez a única estimativa da qual este autor está ciente. Assim, no início do século XVIII, Bursa tinha uma população de cerca de 50,000-65,000. Por 1831, Behar (1996: 35) nos informa que a população da cidade era 60.000. Até o início do próximo século (1911), este número tinha alcançado 76.000. Assim, seria razoável argumentar que na maior parte do século XVIII Bursa, provavelmente, tinha uma população de cerca de 60.000. Tendo em conta estes números, podemos concluir que cerca de 10% da população total de Bursa recorreu aos awqaf monetários da cidade como fonte de crédito.
Neste ponto, no entanto, devemos salientar outra dificuldade na análise que é a repetitividade dos dados. Nós não sabemos se esses seis mil ou mais mutuários eram seis mil indivíduos separados ou se um determinado grupo de pessoas pediu emprestado a um grande número de doações em um determinado ano. A resposta a esta questão é importante, também a partir de outra perspectiva: o agrupamento de capital.

Tendo em vista a dificuldade apresentada pelos nomes muçulmanos, em busca de uma resposta para este problema foi necessário desenvolver um método que revelaria informações específicas sobre cada um dos mais de seis mil mutuários. Este estudo foi facilitado pela disponibilidade de dois tipos adicionais de informações: o nome do distrito, mahalle, em que o mutuário residiu e sua profissão. Para facilitar a pesquisa adiante, uma amostra tinha de ser tomada. Desta vez, quatro dos nomes turcos mais populares foram escolhidos: Ahmet, Mehmet, Ali e Mustafa. O computador foi, então, requisitado a listar todos os Ahmets, juntamente com os nomes das doações da quais eram mutuários, o nome do bairro em que viviam, a profissão de cada um e do montante emprestado por cada um. O mesmo processo foi repetido para cada um dos outros nomes. Como resultado, foram identificadas 133 profissões. Deixando de lado um caso interessante em que uma mãe e um filho tinham emprestado da mesma dotação, ficou claro que apenas um indivíduo, um certo Ali Molla, tinha emprestado de duas doações diferentes no ano de 1767. Isso nos dá uma proporção de 7,5 por mil. Assim, dentro das limitações óbvias de nossa amostra, conclui-se que apenas 7,5 por mil dos mutuários praticara o agrupamento de capital.

4.3. O Declínio dos awqaf monetários

No ano de 1909, os awqaf monetários renderam 7500 grus de juros em Istambul e 9400 grus nas províncias, assim, um total de 16900 grus, enquanto a receita total do ministério awqaf ascendeu a 56.966.000 grus. Em contrapartida, no mesmo ano, o Ziraat Bankasi, um banco agrícola, singularmente avançou cerca de dez vezes esse montante, 563 milhões de grus, em crédito. O crédito concedido pelo Banco Otomano, por outro lado, atingiu um escalonamento de 1.102 milhões de grus. Seyhun não deixam claro se a totalidade do capital do sistema waqf monetário foi incluído na receita total indicada acima, mas parece que não. Ele nos informa que no ano de 1914 um novo banco chamado de Awqaf Bankasi foi estabelecido. O capital deste banco era de 500.000 liras, 500.000.000 grus, e consistia de dinheiro quase totalmente doado. Assim, todo o dinheiro doado para o sistema waqf monetário totalizou, no máximo, 500 milhões de grus, que era ainda menor do que o crédito avançado pelo Ziraat Bankasi sozinho, como mencionado acima. Em suma, o sistema waqf monetário foi substituído por bancos modernos como fornecedores de crédito.
Aparentemente, havia duas razões distintas por trás desse declínio: econômicos e administrativos. Vamos primeiro nos concentrar na primeira. Já foi mencionado que o waqf monetário cobrava uma taxa fixa de juros econômico que não se alterou a longo prazo. A rigidez desta taxa foi causada por condições estipuladas pelos fundadores no momento do estabelecimento dessas dotações. Uma vez determinadas, estas taxas não poderiam ser alteradas em resposta às mudanças nas condições econômicas, e qualquer tentativa de fazê-lo era considerado contra a lei. Este é um caso claro de assimetria de informação: as taxas foram determinadas pelos fundadores, que não tinham informações sobre as condições econômicas no futuro.

Enquanto as taxas praticadas pelas dotações monetárias permaneceram fixas, outras fontes de financiamento que se desenvolveram não sofrem por tais limitações. Os sarraf, cambistas, praticavam taxas determinadas pela oferta e procura de dinheiro. Consequentemente, um mercado de capital desenvolvido em duas diferentes taxas de juros prevaleceu.
Argumentou-se anteriormente que, nessas condições, faria sentido pedir dinheiro de um waqf monetário que abastecia o capital relativamente mais barato e depois vender para os sarrafs que por sua vez o revenderia com uma maquiagem ao público. Foi ainda alegado que os administradores do waqf monetário estavam em posição ideal para realizar tais transações e, de fato, foi mostrado como evidência para o argumento acima que eles estavam emergindo como grandes mutuários do capital das próprias doações que eles administravam.

Prova ainda mais contundente apoiando esta ideia foi encontrada nos arquivos da Câmara de Comércio de Marseille. As correspondências dos mercadores franceses residentes em Istambul nos informam que, de fato, a taxa de juros de mercado prevalecente naquela cidade era substancialmente mais alta do que os juros econômicos praticados pelos awqaf monetários de Bursa. Para demonstrar este ponto a tabela 1 apresentada acima foi reformulada de forma a incluir informações vindas das fontes francesas.

Ano Juros Econômicos cobrados pelos Waqfs monetários de Bursa Taxa de juros de mercado em Istambul Fonte
1555 10.8% 20% A 68/75
1643 ACCM, J141
1667 10.8% B135/350
1672 25% ACCM, J143
1686 25% ACCM, J145
1687 18% ACCM, J145
1692 10.8% B169/385
1693 10.6% B169/385
1698 20% ACCM, J183
1700 18% ACCM, J152
1748 10% ACCM, J201
1749 11.5% B170/386
1767 11.1% B199/423
1785 11.5% B352/736
1786 11% B352/736
1805 11.5% B197/802
1823 13% B308/548
Arquivos da Câmara de Comércio de Marselha (ACCM). Sou grato a Edhem Eldem por estas fontes francesas.

Em um dos documentos franceses (ACCM, J 183) afirma-se claramente, pelos dois “delegados” Conston e Reimond, que a situação em Istambul difere substancialmente da Europa. Eles relatam que os sarrafs obtiveram capital a 12% -13% de juros, que depois emprestam aos membros do “nosso” país a cerca de 20% de juros sem qualquer no que diz respeito às proibições de usura. A diferença de 2%, portanto, pode representar uma majoração cobrada pelos curadores quando revendiam o capital ao Sarraf. Além disso, os próprios administradores poderiam também se tornar sarrafs. Neste caso, o lucro do curador/Sarraf aumentaria em até 8% ou mais. Em suma, o administrador/Sarraf emprestaria do capital mais barato dos waqf monetários geridos por eles e emprestariam a uma taxa superior a terceiros. Este processo naturalmente se assemelha ao caráter essencial de serviços bancários de depósito convencionais.

Finalmente, em meados do século XVIII, a diferença entre as taxas econômicas cobradas pelo waqf monetário e a taxa de juro de mercado em Istambul tinham substancialmente reduzido. Supondo-se que a demanda por capital se manteve constante, este estreitamento poderá, eventualmente, ser explicado por uma crescente disponibilidade de capital que, por sua vez, pode ter sido causado por uma entrada mais agressiva dos curadores para o mercado de capitais durante estes anos. Voltando nossa atenção para as razões administrativas do declínio do waqf monetário, devemos notar um grande desenvolvimento que afetou todo o sistema waqf: não apenas doações em dinheiro, mas também os waqfs imobiliários. Esta foi a unidade de centralização iniciada por Abdulhamid I e continuada rigorosamente pelos sultões que o sucederam, particularmente Mahmud II.

A unidade de centralização foi motivada pelas sempre crescentes necessidades financeiras do Estado e o fato de que, pelo início do século XIX grandes partes das propriedades de terra no Império Otomano eram controladas pelo sistema waqf. Assim, o Estado foi privado de enorme potencial de receita. Além disso, esta situação provocadora tinha uma justificação legal instável. Afinal, uma grande parte deste imobiliário era arazi-i-i emiriye mevkufe, isto é, terrenos que, essencialmente, pertenciam ao Estado, mas o waqf foi feito e, eventualmente, reivindicado por particulares através do sistema icareteyn explicado acima. Como a rakabe, propriedade, permanecia com o Estado, o sultão poderia justificadamente afirmar que estas doações eram evkaf-i gayri sahiha, canonicamente infundadas; e como elas eram de status quase legal e, finalmente, mantidas provisoriamente, estes awqaf poderiam ser revogados. Após a destruição dos janízaros e o crescimento sem contestação resultante do absolutismo de Mahmud, praticamente todas as doações do império foram colocadas sob a jurisdição de Evkaf-i Humayun Nezareti, Ministro das doações. As terras waqf nesse período produziram 44.000 kese de receita anual acumuladas ao Tesouro. Este montante foi inicialmente pago às doações para suprirem suas necessidades. Durante o governo de Fuad Pasa estes pagamentos foram chamados iane, ajuda. Isto foi seguido de uma redução sistemática até os iane constituírem meros ¼ do nível original de pagamento ao sistema waqf. Assim, em suma, o Estado expropriou pela primeira vez as receitas que pertenciam originalmente ao sistema waqf e depois, descaradamente chamou os pagamentos magros que fez de “ajuda”.

Voltando aos awqaf monetários, notamos que eles também não puderam escapar do punho de ferro de Mahmud. Uma diretiva promulgada em 1863 tornou claro que os awqaf eram de competência de Evkaf-i Humayun Nezareti, do Ministério das doações imperiais. O artigo 14 da diretiva instruía os administradores que o murabaha anual, o retorno de dinheiro doado não atribuído a um serviço social específico deveriam ser enviados diretamente para o Tesouro e inscritas nos registos em vez de serem mantidos pelos curadores. Este artigo é de interesse não só porque indica claramente que as doações em dinheiro não escaparam da unidade de centralização de Mahmud II, mas também porque confirma os argumentos apresentados anteriormente pertencentes à tendência dos curadores de explorar os recursos dos awqaf monetários para sua própria vantagem. É evidente que os administradores não apenas mantinham o dinheiro em sua posse, mas que os emprestavam a uma taxa superior aos sarrafs ou para o público.

Na virada do século, os awqaf monetários foram colocados sob o controle de um departamento em separado, a Direção de Dinheiro Doado, Nukud-i Mevkufe Mudurlugu, que deveria funcionar como um agente do Ministério. Alguns anos mais tarde a maior parte do dinheiro doado controlado pela direção foi utilizada para a compra de ações de um banco recém-fundado, o Banco das Fundações Pias (waqfs), Evkaf Bankasi. Uma vez que o Ministério comprara a maioria das ações, era de fato o controlador do novo banco. Este controle foi assegurado pela composição do conselho de administração cuja maioria fora nomeada pelo Ministério. Os regulamentos de empréstimo do banco foram bastantes conservadores e foram explicadas em pormenor (Seyhun, 1992)..

5. Conclusão

Ao organizar, bem como ao financiar as despesas com educação, saúde, bem-estar e uma série de outros serviços, as doações monetárias supriam os serviços que hoje são financiados pelo Estado ou por autoridades locais. Assim, elas desempenharam importante papel na malha social Otomana e o fizeram sem ônus nenhum para o Estado. 
O objetivo deste artigo é descobrir como essas doações funcionaram e contribuíram para a sociedade em longo prazo. Para este fim, os Registros do Censo do monetário (Waff) da cidade de Bursa, abrangendo o período 1555-1823 foram analisados. Assim, ainda que limitada a uma única cidade Otomana, pela primeira vez uma tentativa de uma análise, a longo prazo, abrangendo quase trezentos anos foi tentada.

O waqf monetário estava sujeito a uma série de controvérsias ao longo da sua história. O primeiro debate dizia respeito à sobrevivência em longo prazo destas instituições. Este artigo parcialmente resolveu este debate em retrospectiva: os registros revelaram que cerca de 20% das doações em dinheiro de Bursa tinham sobrevivido por mais de um século. A resposta completa para o debate implica a descoberta da percentagem de sobrevivência das doações de imóveis (propriedades).

A questão seguinte abordou as razões por trás do relativo sucesso dessas doações “perpétuas”. Foi colocada a hipótese de que o aumento de capital na forma de reinvestimento dos lucros, recebendo doações de outras doações, ou ambos, desempenhou um papel decisivo na sobrevivência das doações. Esta hipótese foi vindicada e os dados revelaram que 81% das doações ‘perpétuas’ haviam passado por um processo de valorização de capital.

Outro debate surgiu recentemente entre os historiadores econômicos e os juristas islâmicos. Enquanto o primeiro argumentou que o retorno do capital investido de um waqf monetário era juros puro e simples, o último rejeitou esta visão e argumentou que o retorno de percentagem declarado nos documentos pertencia ao ilzam-i ribh, a exigência que um certo percentual do lucro ganho deveria ser pago de volta à doação. Este debate foi resolvido pela análise do murabaha/coeficientes de capital de 1563 doações. Não há dúvida de que o waqf monetário injetou quantidades substanciais de capital para a economia de Bursa. Neste contexto, os conceitos de redistribuição de capital e o acúmulo de capital devem ser abordados separadamente: a pesquisa com base nos registos judiciais de Bursa indicou que os awqaf monetários eram, principalmente, instituições de redistribuição de capital. O capital acumulado, de uma forma ou de outra, pelos fundadores originais do waqf, foi distribuído voluntariamente a uma miríade de mutuários. Assim, a redistribuição parecia ser a principal função desta instituição. É possível que os awqaf monetários foram tolerados, não obstante a natureza controversa dos retornos que eles geraram, justamente por isso.

Mas parecia originalmente que, enquanto estivessem assim distribuindo o capital acumulado, os awqaf monetários podem ter também aberto o caminho para um ciclo secundário de acumulação de capital, favorecendo aos empresários mais que aos consumidores (Çizakça, 1996: 131-132). Ou seja, ao fornecerem capital de negócios para os empresários (mutuários), eles podem ter também aumentado o espírito empreendedor e gerado o acúmulo de capital. Se isso fosse verdade, então os awqaf monetários teriam que ser considerados tanto como distribuidores de capital como instituições de capital acumulado. A evidência disponível a partir dos registros do Tribunal Otomano de Bursa apresentados acima, no entanto, não sustenta essa visão. A mais recente pesquisa de Tahsin Özcan sobre o waqf monetário (Üsküdar) de Istanbul também não indicou qualquer indicação sobre o papel do capital acumulado dos awqaf monetários (2003). A busca por evidências veio de uma fonte improvável, os arquivos de Veneza, onde Suraiya Faroqhi descobriu documentos informando-nos que os awqaf monetários bósnios, de fato, forneciam crédito empresarial para os comerciantes envolvidos no comércio entre a Bósnia e Veneza (Pedani Fabris, 1994). Baseados na descoberta do Professor Faroqhi podemos agora argumentar que de fato os awqaf monetários funcionaram tanto como redistribuidores de capital, bem como instituições de acúmulo. No entanto, a verdadeira dimensão da função do acúmulo de capital do waqf monetário só pode ser estabelecida por novas pesquisas. Finalmente, foi concluído que a política de estado, mais do que qualquer outra coisa, foi a responsável pelo desaparecimento final do waqf monetário. A destruição começou por Abdulhamid I, ganhou impulso sob Mahmud II e foi concluída pela República no ano de 1954, quando a totalidade do capital dos awqaf monetários otomanos existentes foram agrupados para criar um banco moderno, o Banco da Awqaf (Vakiflar Bankasi). No entanto, pouco tempo depois, com a lei, de 1967, waqf monetários republicanos nasceram. Mas isso é uma história diferente (Çizakça, 2000: 90-110).

Leia também sobre a História do Islam, antes do império Otomano: Os Abássidas

6. Bibliografia

6.1. Fontes Primárias

Registro da Corte Otomana de Bursa:

A 68/75
A 136/163
A 23/25 -61b
A 21/27 -33a
B 103/316-90b
B 227/455-1/1b
B 135/350
B 227/455-2/2b
B 169/385
B 170/386
B 199/423
B 197/802
B 253/736
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6.2. Fontes secundárias

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[1] Para tabela “Aprimoramento e Perpetuidade de Capital”, ver see Murat Cizakca, A History of Philanthropic Foundations in the Islamic world from the Seventh century to the Present, Istanbul: Bogazici University Press, 2000.
* Prof. Dr. Murat Çizakça era um professor da Universidade Bogaziçi, Universidade de Fatih e Universidade Bahcesehir. Atualmente é Professor de História Econômica Comparativa, Membro- PDP, INCEIF, na Universidade Gobal em Finanças Islâmicas, Kuala Lumpur, Malásia

Fonte: Muslim Heritage


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