Passar sem os Prazeres deste Mundo

Passar sem os Prazeres deste Mundo
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Abu’l-Abbas as-Sa’idi disse: “Um homem veio até ao Profeta ﷺ e disse: ‘Ó Mensageiro de Allah! Guie-me para uma acção que, quando eu a fizer, Allah me amará e as pessoas também me amarão’.


 Ele disse: ‘Sê desapegado a este mundo e então Allah amar-te-á, e não sejas apegado ao que as pessoas têm e as pessoas amar-te-ão’”.[1]

         Este hadith mostra que Allah ama aqueles que vivem de maneira simples nesta vida. Foi dito que ter amor a Allah é o melhor estado para se estar, e viver de maneira simples éa melhor condição para se estar.

         Viver de maneira simples significa abster-se do desejo por coisas mundanas na esperança de receber algo melhor no seu lugar. Para alcançar isto mais facilmente, devemos primeiro perceber que as coisas pelas quais as pessoas anseiam neste mundo são, de facto, inúteis quando comparadas com o que esperamos no próximo mundo.

         Se soubermos que o que Allah tem permanecerá e que a próxima vida é melhor e eterna, então percebemos que a vida deste mundo é realmente um pedaço de gelo deixado ao sol – ele logo se derreterá e desaparecerá. A akhira, no entanto, nunca desaparecerá essencialmente. O desejo que temos de trocar esta vida pela que está para vir é reforçado pela certeza de que não há comparação alguma entre esta vida e a próxima.

         No Qur’an encontramos que este mundo e o próximo descritos nos seguintes termos:

“Mas vós dais preferência àvida terrena, enquanto a Derradeira Vida émelhor e mais permanente”. [88:16-17]

E também:

“Desejais os efêmeros bens da vida terrena, enquanto Allah vos deseja a Derradeira Vida”. [8:67]

E também:

“E eles jubilam com a vida terrena. E a vida terrena, ao lado da Derradeira Vida, não é senão gozo efêmero”. [13:26]

         Os ahadith que desprezam os bens mundanos e descrevem o quão inúteis estes são aos Olhos de Allah são muitos:

         Jabir Ibn Abdullah relatou que o Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) andava pelo mercado. Algumas pessoas reuniram-se de ambos os lados dele. Então ele deparou-se com um cabrito morto com orelhas muito curtas, ele pegou-o e disse: “Quem entre vós quer isto por um dirham?”. Eles disseram “Nós não gostaríamos de o ter nem que fosse de graça, porque não nos é útil”. Ele disse “Gostariam de o ter de graça?”. Eles disseram “Por Allah, mesmo se estivesse vivo, porque as suas orelhas são demasiado curtas; e agora também está morto”. Então o Mensageiro de Allah (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: “Por Allah, este mundo é mais insignificante aos Olhos de Allah do que isto aos vossos olhos”.[2]

         Foi relatado por Ibn Shaddad Al-Fahri que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele disse: “Este mundo, em comparação com o próximo, é o mesmo que se um de vocês pusesse um dedo no oceano. Considerem o quanto teriam ao tirarem-no de lá.”[3]

         Foi relatado por Ibn Sahl Ibn Sa’ad que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele disse: “Se o mundo valesse uma asa de um mosquito sequer a Allah, Ele não daria nem sequer um gole de água deste a um kafir”.[4]

         Viver de forma simples significa afastar-se das coisas deste mundo por estas não terem valor algum. A pessoa não se importa com elas e permanece desapegada delas.

         Yunus Ibn Maisarah disse: “Ser desapegado deste mundo não significa que se deva proibir o que Allah permitiu, nem que se deva desperdiçar dinheiro. Pelo contrário, é um estado no qual se está mais certo do que está na Mão de Allah do que se está certo quanto ao que se tem nas próprias mãos: o seu estado de infortúnio é o mesmo que o seu estado geral; a sua atitude para com aqueles que o criticam com razão e aqueles que o elogiam com razão é a mesma”.

         Ele explicou isto em três fases, ou níveis, que dizem respeito ao coração e não à acção física. Esta é a razão pela qual Abu Sulaiman costumava dizer que não se deve chamar ninguém de zahid.[5]

         O primeiro nível é o de um servo que está mais certo do que están a Mão de Allah do que o que está nas suas próprias mãos. Este nível surge de uma convicção forte e saudável.

         Abu Hazim az-Zahid foi questionado: “Qual é a tua riqueza?”. Ele disse: “Dois tipos de riqueza dissipam todo o medo de pobreza: confiança em Allah e não ser apegado ao que as pessoas têm”. Foi-lhe perguntado: “Não temes ser pobre?”. Ele disse: “Como posso temer a pobreza quando o meu Senhor é Dono de tudo o que está nos céus e na terra e o que está entre eles e o que estápor baixo do solo?”.

         Al-Fudayl disse: “A essência de viver de forma simples é estar contente com Allah, Exaltado e Todo-Poderoso”.

         Ele também disse: “Aquele que está contente é aquele que vive simples, e é ele que érico. Aquele que alcançou a fé verdadeira, que confia em Allah sobre todos os seus assuntos, e está contente com o que Ele lhe dá, e permanece desapegado à criação, com medo e esperança – e, fazendo-o, encontra que perseguir ganhos mundanos não vale a pena – alcançou os benefícios da simplicidade. Ele é o mais rico das pessoas, mesmo que ele não possua uma única coisa no mundo”.

         Como Ammar disse: “A morte é professora suficiente, a verdadeira fé é riqueza suficiente, e adoração é acção suficiente”.

         Ibn Mas’ud disse: “A verdadeira crença é não tentar agradar as pessoas, fazendo coisas que trarão o desagrado de Allah para ti; não invejar ninguém pelo que Allah lhe deu; e não culpar ninguém pelo que Allah não te deu. Pois a provisão de Allah não é atraída simplesmente pelo acto cuidadoso de um homem, nem é desviada pela malícia de outro homem. Allah, na Sua Justiça, Omnisciência e Sabedoria, fez do deleite e felicidade companheiros da fé e contentamento, e do desespero e tristeza companheiros da desconfiança e insatisfação”.

         O segundo nível é o de um servo que, quando é afligido por algum infortúnio – como a morte de um filho, ou a perda de riqueza ou bens – deseja a recompensa pela sua aceitação da perda mais do que recuperar o que foi perdido. Isto é também uma consequência de ter completa confiança [em Allah].

         ‘Ali, que Allah esteja satisfeito com ele, disse: “Quem vive de forma simples neste mundo, sabe que os infortúnios são fáceis de ultrapassar”.

         Alguns dos nossos antepassados costumavam dizer: “Se não fosse pelos infortúnios deste mundo, nós chegaríamos ao próximo mundo sem nada”.

         O terceiro nível é o de um servo que toma o elogio e a crítica igualmente. Se o mundo ocupasse um lugar de importância no seu coração, então ele preferiria o elogio à culpa, o que em troca poderia fazê-lo abandonar muito benefício por medo de ser censurado, e faria muito mal na sua procura por elogio. Isto significa que no seu coração as opiniões das outras pessoas quanto a ele não lhe são importantes – de facto, o que é importante para ele é o seu amor pela Verdade e a sua ânsia pelo agrado de Allah.

         Ibn Mas’ud disse: “A verdadeira fé não é tentar agradar outras pessoas fazendo coisas que desagradam a Allah”.

         Allah elogiou aqueles que lutam na Sua causa, sem se preocuparem sobre as opiniões dos outros. Al-Hasan disse: “A pessoa que vive de forma simples é a pessoa que tem [coragem] no seu coração para dizer que outra pessoa fez melhor”. O Imam Ahmad, creio, foi questionado uma vez sobre se um homem rico poderia viver de forma simples. Ele disse: “Sim, se não se alegrar quando a sua riqueza aumenta, nem entristecer quando ela diminui, assim ele pode.”

         Ibrahim Ibn Adham disse: “Há três tipos de zuhud, ou ‘passar sem’: o primeiro é o resultado de ter de o fazer, o segundo é o de fazer uma acção notável e o terceiro é o de ter cuidado. Evitar as coisas haram é obrigatório, evitar coisas que são halal pode ser notável, e evitar coisas que são duvidosas é prudente”.

         Uma pessoa que troca as coisas deste mundo pelo próximo está a passar sem alguma coisa nesta vida e então podemos chamá-lo de zahid, mas ‘passar sem’pode também envolver desfrutar de algo neste mundo em detrimento do próximo mundo; neste caso, a pessoa está a passar sem algo da akhira.

         Foi dito a um homem virtuoso uma vez: “Você vive sem muito mais do que eu”. O homem respondeu “É você que é mais extremo nisso, pois eu abstenho-me de coisas numa vida que não permanecerá e cujas recompensas são incertas, enquanto você abstém-se da akhira. Ninguém poderia ser mais extremo em ‘passar sem’do que isto”.

         Normalmente, no entanto, quando falamos de zuhud, queremos dizer que negamos a nós próprios alguns dos prazeres deste mundo em vez dos prazeres do próximo. No entanto, só é possível abster-nos de coisas às quais temos acesso. Isto é a razão pela qual Ibn Al-Mubarak disse, quando uma pessoa lhe chamou “Ó Zahid!”: “O verdadeiro zahidé‘Umar Ibn Abdal-Aziz, pois ele rejeitou os prazeres e riquezas tremendos deste mundo que foram postos aos seus pés, enquanto que eu não tenho muito para deixar”.

         Al-Hasan Al-Basri disse: “Eu conheci pessoas e mantive companhia com grupos que não regozijaram quando coisas deste mundo lhes foram entregues, nem lamentaram quando perderam qualquer coisa neste mundo. A vida neste mundo era mais insignificante para eles do que poeira. Um deles podia viver por um ano ou por sessenta anos sem ter uma vestimenta que o cubra inteiramente, e sem ter qualquer coisa que o separe do chão, e sem ter qualquer comida que ele peça para lhe ser preparada na sua própria casa.

         Quando a noite chegava, eles estariam acordados, com as suas testas lisas contra a terra, lágrimas a correr pelas suas faces, invocando a Allah secretamente para os salvar no Dia do Juízo. Se eles fizessem algo bom, nunca parariam de ser gratos por isso, e sempre pediam a Allah para aceitá-lo. Se eles fizessem algo mau, ficavam tristes por isso, e continuavam a pedir a Allah para os perdoar por isso. Por Allah, eles não estavam salvos de más acções, e foram salvos só pelo seu arrependimento constante. Que Allah esteja satisfeito com eles e lhes conceda da Sua misericórdia.”

         Há três estações de zuhud:

         A primeira etapa é retirar-se da vida deste mundo, mesmo se tiver ainda um grande desejo por ela e o coração for ainda atraído por ela. O ego ainda está preocupado com o mundo, mesmo ao esforçar-se com ele e ao restringi-lo.

         A segunda etapa é adquirir desapego deste mundo e ‘passar sem’nele, para obter a recompensa por evitá-lo. Aqui é o ‘passar sem’que preocupa a pessoa. Este é o estado da pessoa que oferece um dirham para obter dois.

         A terceira etapa é a de deixar o mundo de lado voluntariamente sem pensar duas vezes pelo que abandonou. É aquele que trocou um fragmento de um vaso partido por uma jóia.

         Ou é como alguém que, procurando entrar para ver o Rei, pode ser impedido por um cão no portão. Atirando uma migalha ao cão, distraio, e isso possibilita a sua entrada para a câmara de audiência do Rei. O Shaytan é como esse cão, esperando nos portões de Allah. Ele tenta impedir as pessoas de entrar, mesmo que os portões estejam bem abertos e o mundo seja só uma migalha que pode ser atirada de lado sem pensar duas vezes.


 [1] Hasan, Ibn Majah, Kitab az-Zuhud, 2/1373.

 [2]Muslim, Kitab az-Zuhud, 18/93.

 [3]Muslim, Kitab az-Zuhud, 17/191.

 [4]Sahih gharib, at-Tirmidhi, Kitab az-Zuhud, 6/611.

 [5]Uma pessoa desapegada da vida mundana.

Fonte: Trecho do Livro “A Purificação da Alma” – Capítulo 11- por Ahmad Farid


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