Crimes de Honra versus Violência Doméstica

Crimes de Honra versus Violência Doméstica
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Equacionar homicídio com honra é algo que vemos perpetuado pela mídia convencional – e é preciso que isso acabe.

A mídia internacional manipula a percepção pública sobre violência doméstica e abuso que ocorre em certas culturas. Usam-se nomes errados como “assassinato por honra” para insinuar que essas culturas consideram o homicídio doméstico uma questão de honra e respeito.

Sabemos que este, certamente, não é o caso.


Essas manchetes mitológicas e relatórios tendenciosos perpetuados são uma tentativa deliberada de moldar algumas culturas. Deve-se convencer os leitores de que o homicídio doméstico é um emblema de honra em algumas culturas ou religiões. É apresentada uma ação justificada pelo “outro” mais do que nas sociedades “civilizadas”.

Mas, quantas mulheres são realmente mortas todos os anos por seus parceiros domésticos em diferentes culturas? Quantos sofrem nas mãos de familiares ou parceiros íntimos abusivos?

Os números podem surpreendê-los.

O estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres”, mostra que 50,3% das mortes violentas de mulheres no Brasil são cometidas por familiares. Desse total, 33,2% são parceiros ou ex-parceiros. Em 2013 foram assassinadas 4.762 mulheres. O país tem uma taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que avaliaram um grupo de 83 países. A média é entre 10 e 15 mulheres assassinadas por dia, no Brasil.*

Mais do que qualquer outro tipo de homicídio, os assassinatos pelas mãos de um parceiro íntimo são relativamente semelhantes uns aos outros: eles seguem certos padrões previsíveis.

Sabendo, assim como nós, que as mulheres são seis vezes mais propensas a serem mortas enquanto tentam deixar um parceiro abusivo, ou que a tentativa de estrangulamento é um sinal revelador de tendências assassinas, esse conhecimento deve facilitar às agências tomar passos necessários para acabar com a epidemia de homicídio doméstico.

No entanto, o fracasso cumulativo de nosso sistema judiciário criminal, serviços sociais, departamentos de polícia e partidários sem fins lucrativos garantem que os sinais de alerta de um agressor violento continuem sem controle. As vítimas permanecem desprotegidas.

Entendendo como esses termos são escolhidos

Um artigo investigativo de 2016, intitulado ‘Sombras do mal desconhecido: “homicídios em nome da honra” e “assassinatos familiares” na imprensa canadense’, escrito por Allie Shier e Eran Shor, examinou rigorosamente como esses termos são usados ​​e aplicados pela mídia. Os autores compararam os casos de assassinatos que foram rotulados de “homicídios em nome da honra” nas mídias de notícias canadenses com os casos denominados “assassinatos familiares/conjugais”, explorando os limites entre os diferentes termos.

Os pesquisadores realizaram uma análise sistemática de conteúdo qualitativo de 486 artigos indicados por três grandes jornais canadenses entre 2000 e 2012. Shier e Shor escreveram: “Nossa análise mostra que os ‘homicídios em nome da honra’ são enquadrados em termos culturais e étnicos, apresentando uma dicotomia entre valores sul-asiáticos/muçulmanos e ocidentais. 
Por outro lado, os artigos que apresentam casos como ‘assassinatos familiares/conjugais’ tendem a se concentrar nas personalidades ou características psicológicas dos perpetradores, muitas vezes ignorando fatores como a cultura, o patriarcado, honra e vergonha.”

Este estudo observou que a mídia desempenha um papel significativo na mudança do foco para questões como os sinais e ciclos de abuso doméstico, instabilidade psicológica e saúde mental. Dependendo de como os mitos precisam ser fabricados, a mídia reorienta a lente nas características secundárias ou terciárias dos assassinos – por exemplo, sua cultura ou etnia.

Perpetuando o mito da honra

O maior problema com o termo “homicídio em nome da honra” é como ele perpetua o conceito de que o abuso doméstico ou violência doméstica poderia carregar algo positivo. Honrar significa ter integridade, honestidade, estima e respeito – nenhum dos quais deve ser oferecido a um maníaco homicida em uma manchete nacional.

Abusar e assassinar alguém de sua família, por qualquer motivo, é uma violação gravíssima de justiça social, não importa o que essa pessoa possa ter feito para merecer tais retaliações. Em alguns casos, as mulheres são assassinadas por algum crime que até mesmo foi cometido contra elas – como estupro, incesto ou agressão sexual. Isso leva muitas mulheres a esconder sua posição de vítima, em um esforço para evitar a punição por algo que nunca foi sua culpa ter acontecido.

abuso doméstico nunca é sobre honra. O abuso doméstico é sobre o controle coercivo das vítimas. Os abusadores usam estratégias tão variadas como ameaças ou atos de violência física, ou uma longa lista de táticas de abuso verbal, emocional, espiritual e sexual para coagir e controlar suas vítimas. Essas ações coercivas são utilizadas para garantir que a vítima tenha poucos recursos para fugir do agressor – seja marido, sócio ou outro membro da família encarregado de seus cuidados.

Assassinato – o controle final

As vítimas de violência doméstica são mais propensas a morrer tentando deixar seus abusadores. Não importa se é para deixá-los por outra pessoa, ou apenas porque elas querem finalmente se livrar do abuso, esses controladores coercivos exercem o controle final e definitivo sobre suas vidas. Eles garantem que as vítimas deem seu último suspiro, às vezes, literalmente, sufocando-os com as mãos, mas, com mais frequência usam algum tipo de arma de fogo ou arma branca.

Admito que esses assassinatos podem realmente ter algo a ver com o sentimento de propriedade e direito do assassino. Ele pode realmente sentir as tentativas da vítima de deixá-lo como um ataque pessoal à sua masculinidade. Sua fuga bem-sucedida pode ser um grande golpe para seu ego. Ele pode até acreditar que sua autoestima ou importância depende da sua capacidade de controlar essa outra pessoa, e que ela, literalmente, merece morrer por conseguir resistir aos seus desejos pessoais.

Porém, nada disso tem nada a ver com honra e respeito.

Mudando a narrativa para desgraça e vergonha.

Tirar a vida de um parceiro íntimo, filha ou outro membro da família, não deve trazer nada além de desgraça e vergonha para o assassino. É por isso que ele precisa ser chamado do que ele é, e que esse rótulo o acompanhe para sempre.

A mente de um abusador controlador coercivo não é muito diferente se ele mora nos Estados Unidos, Brasil, Líbano ou Paquistão. Se ele usa medo e táticas de controle coercivo para manter sua vítima alinhada com suas necessidades e desejos, não importa quais outras nuances culturais existam dentro do abuso, as principais técnicas ainda são iguais.

Quando você vir o viés da mídia, procure os autores daquilo. Exija que os editores e jornalistas escrevam e compartilhem o que se conhece como táticas comuns entre todos os abusadores. Insista para que esses meios de comunicação deixem de perpetuar o mito da “honra” e do respeito pelos psicopatas de sangue frio.

Para esses homens, uma vítima expressando o desejo de ser tratada com respeito é considerada insubordinada. Uma vítima que escolhe uma vida que não inclui o agressor é percebida como insolente. Não é honra, mas o egoísmo inesgotável de um abusador que entra em erupção e, em última instância, leva a vida de uma vítima.

É hora de chamarmos todos esses monstros patriarcais, egoístas e coercivos por seus títulos reais – assassinos.

Por: Janet Kozak
* Parágrafo adicionado pela tradutora.
Fonte: AboutIslam

Leia também: Agressão a Mulheres é Permitida no Islam?


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