Livre-arbítrio e Compulsão à luz do Qur’an e Sunnah
Pergunta: Esta questão aborda o assunto de o homem ter livre escolha ou ser coagido. Por gentileza, explique este tópico à luz do Qur’an e Sunnah.
Resposta: Em primeiro lugar, é bem estabelecido que a misericórdia e conhecimento de Allah abrangem todas as coisas. Tudo o que se irá suceder até ao Dia do Julgamento está escrito no al-Lawh-ul-Mahfuz (a Tábua Preservada). Ele possui toda a vontade abrangente e poder autoritativo. Todos os assuntos encontram-se nas Suas Mãos, e ninguém pode prevenir aquilo que Ele outorgou; ninguém pode conceder aquilo que Ele preveniu e ninguém pode prevenir aquilo que Ele decretou, pois Ele é o Onipotente. O Qur’an e a Sunnah afirmam estas coisas em numerosos textos e ayat [versículos do Qur’an] conhecidos pelo povo do conhecimento. De entre esses ayat encontram-se os seguintes, nos quais Allah diz:
“Por certo, Allah, de todas as cousas, é Onisciente” (Surah Al-Anfal, 8: 75).
“’Allah é O Criador de todas as cousas’” (Surah Al-Ra’d, 13: 16).
“Por certo, Nós criamos cada cousa, na justa medida” (Surah Al-Qamar, 54: 49).
“E não o querereis, a não ser que Allah o queira. Por certo, Allah é Onisciente, Sábio” (Surah Al-Insan 76: 30).
“Allah cancela e confirma o que quer. E, junto d’Ele, está a Mãe do Livro” (Surah Al-Ra’d, 13: 39).
“Nenhuma desgraça ocorre, na terra, nem em vós mesmos, sem que esteja em um Livro, antes mesmo de Nós a criarmos. Por certo, isso, para Allah é fácil” (Surah Al-Hadid, 57: 22).
“E, se teu Senhor quisesse, todos os que estão na terra, juntos, creriam. Então, compelirás tu os homens, até que sejam crentes?” (Surah Yunus, 10: 99).
“E, se quiséssemos, haveríamos concedido a cada alma sua orientação.” (Surah As-Sajdah, 32: 13).
Além disso, existem várias narrações autênticas na Sunnah que confirmam este assunto, dentre as quais está o hadith em que o Profeta (sallAllahu ‘alayhi wa sallam) exortou os sahabah (companheiros) a fazer dhikr (recordação de Allah) após terminarem salah (oração); ele disse:
“La ilaha illa Allah, wahdahu la sharika lah, lahul-mulku wa-lahul-hamdu, wa huwa ‘ala kulli shay’in qadir, Allahumma la mani’a lima a’tayt wa-la mu’tiya lima mana’t, wa-la yanfa’u dhal-jaddi minkal-jadd (Não há ninguém digno de adoração exceto Allah (Sozinho), Que não possui nenhum parceiro, a Ele pertencem toda a soberania e louvor, e Ele é Onipotente sobre todas as coisas. Ó Allah! Ninguém pode prevenir aquilo que Tu outorgaste e ninguém pode outorgar aquilo que Tu desejaste prevenir, e as riquezas não podem valer ao rico Contigo).” [1]
Ademais, também existe o hadith narrado por ‘Umar (radhiAllahu ‘anhu), no qual Jibril (Gabriel) inquiriu ao Mensageiro de Allah (sallAllahu ‘alayhi wa sallam) sobre iman. O Profeta (sallAllahu ‘alayhi wa sallam) respondeu dizendo: “Iman (fé) implica que afirmes a tua fé em Allah, nos Seus Anjos, nos Seus Livros, nos Seus Profetas, no Dia do Julgamento, e de que afirmes a tua fé no Decreto Divino sobre o bom e o mau.” [2]
Portanto, estes textos e outros semelhantes denotam que Allah (Exaltado seja) possui perfeito conhecimento sobre o que sucedeu e o que se irá suceder; que Ele decreta todos os assuntos da Sua criação e de que possui Vontade absoluta; o que Ele deseja acontece e o que não deseja não acontece.
Em segundo lugar, foi autenticamente definido que Allah é o Todo Sábio na Sua criação, no Seu comando e na Sua legislação. Allah é o Misericordioso para com os Seus servos, de modo que envia mensageiros para informarem às suas respetivas Ummahs (nações) sobre os Livros revelados e as leis ordenadas por Ele.
Da Sua misericórdia e graça, nenhuma pessoa é encarregada com mais do que a sua capacidade. Exemplos dessa misericórdia incluem a isenção de pessoas insanas da prestação de contas até que recuperem a sua sanidade; dos menores até que atinjam a puberdade; daqueles que estiverem num estado de sono até que despertem; daqueles que estiverem num estado de esquecimento até que se lembrem, daqueles que careçam de capacidade para fazer algo até que sejam capazes de o fazer; daqueles a quem a mensagem do Islam não alcançou até que os alcance.
Com base na shari’ah e na lógica racional, há uma grande diferença entre o movimento de duas pessoas: como exemplo, um está a subir as escadas enquanto que o outro está a cair de um telhado. O primeiro pode ter sido aconselhado a ir para um bom destino e a evitar um que é mau; entretanto, o outro pode não ter sido aconselhado dessa forma. Um outro exemplo é a diferença entre o movimento resultante da tremura de uma pessoa doente e o movimento habitual de uma pessoa saudável. Dado que a tremura é involuntária, tal pessoa não devia ser ordenada a fazer ou a deixar de fazer algo em relação à sua tremura. Ao contrário, as pessoas deveriam sentir pena dela e ajudá-la a obter tratamento. Por outro lado, o movimento de uma pessoa saudável pode ser estimado se efetuado no decurso dos atos de adoração lícitos, mas proibidos se efetuados de forma ilícita durante adoração, ou no decurso de cometer injustiça e transgressão. Assim, o fato de que ninguém é carregado com o que é além da sua capacidade e a diferenciação na legislação e recompensa entre os dois casos mencionados, e os seus semelhantes, é a prova de que existe livre vontade e escolha no caso dos Mukallafs (indivíduos que preenchem as condições de serem considerados legalmente responsáveis pelas suas ações), porém não no caso daqueles que não o são.
Além disso, Allah (Exaltado seja) é o Juíz, Justo, Altíssimo, Sábio, Bondoso, Dador do Bem. Não oprime ninguém, nem mesmo na medida do peso de um átomo. Ele multiplica as boas ações e perdoa os pecados. Existem textos e ações, explicitamente transmitidos, que afirmam todos estes atributos de Allah. Devido à Sua perfeita Sabedoria e Misericórdia, e ao seu vasto perdão, é impossível para Allah fazer os Seus servos responsáveis sem lhes ter concedido a capacidade e a livre vontade e arbítrio do que eles tomam e deixam. Da mesma forma, também Lhe é impossível – devido ao seu justo Julgamento e vasta Sabedoria – punir os Seus servos por uma ação a que tenham sido compelidos ou forçados a fazer.
Por conseguinte, a crença no firme e justo Decreto Divino e a predestinação de Allah se encontram entre os pilares instituídos de iman, aos quais devemos aderir e aceitar. Conjuntamente, é uma evidência de que um Mukallaf tem livre escolha e a capacidade de fazer o que é exigido pela Shari’ah e pela lógica racional. Não há nenhuma outra forma, exceto acatar-se a isso. Se o homem é capaz de perceber o segredo deste assunto através do seu intelecto, deveria agradecer a Allah por lhe conceder sucesso. No entanto, se falhar devido à sua mente e compreensão limitadas, ele deveria depender de Allah. Visto que Ele é o Altíssimo, Onipotente, O Ciente e Sábio, Allah não pode ser culpado pela Sua predestinação, legislação, e recompensa.
Exaltado sejas ó Senhor, o Dono do Poder, sobre o que descrevem. Que a paz esteja sobre os Mensageiros. Louvor ao Senhor dos mundos.
O homem não deveria se envolver em pensar sobre este assunto, a fim de que não fique confuso e cometa pecados. Ele deveria convencer-se voluntariamente da resposta do Profeta dada aos sahabah (radhiAllahu ‘anhum) quando levantaram tais questões. Eles disseram ao Profeta: “Deveríamos depender (neste fato e deixar de praticar boas ações)? Ele (sallAllahu ‘alayhi wa sallam) respondeu, “Realizem boas ações, pois é facilitado a cada um aquilo para que foi criado.” [3]
Al-Bukhari relatou através de várias cadeias de narradores de Abu ‘Abdul-Rahman Al-Sulamy, de ‘Aly ibn Abu Talib (radhiAllahu ‘anhu) que disse: “Estavámos na companhia do Profeta (sallAllahu ‘alayhi wa sallam) numa procissão fúnebre em Baqi’-ul-Gharqad. Ele disse, ‘Não existe nenhum de vós exceto que o seu lugar tenha sido escrito no Jannah ou no Fogo do Inferno.’ Eles responderam, ‘Ó Mensageiro de Allah! Deveríamos depender (deste fato e deixar de nos esforçar)?’ Ele disse, ‘Continuem em fazer (boas ações), pois cada corpo (indivíduo) achará fácil fazer (o que lhe levará ao seu lugar destinado).’” Em seguida recitou:
“Então, quanto a quem dá e teme a Allah. E confirma a mais bela Verdade. A esse, facilitar-lhe-emos o acesso ao caminho fácil.” (Surah Al-Layl, 92: 5-7)
Até às Suas palavras: “A esse, facilitar-lhe-emos o acesso ao caminho difícil…” (Surah Al-Layl, 92: 10) [4]
Também foi narrado por Muslim e os Compiladores de Sunan (Abu Dawud, Ibn Majah, Al-Tirmidhy e Al-Nasa’y).
Que Allah nos conceda sucesso. Que a paz e as bençãos estejam sobre o nosso Profeta Muhammad, sua família, e companheiros.
Comité Permanente para Pesquisa Acadêmica e Ifta’
Notas:
1 – Al-Bukhari, Sahih, Livro sobre Adhan, nº 844; Muslim, Sahih, Livro sobre Masjid e lugares para Salah, nº 593; Al-Nasa’y, Sunan, Livro sobre Sujud-ul-Sahw, nº 1341; Abu Dawud, Sunan, Livro sobre Salah, nº 1341; Abu Dawud, Sunan, Livro sobre Salah, nº 1505; Ahmad, Musnad, vol. 4; p. 250; e Al-Darimy, Sunan, Livro sobre Salah, nº 1349.
2 – Muslim, Sahih, Livro sobre a Fé, nº 8; Al-Tirmidhy, Sunan, Livro sobre a Fé, nº 2610; Al-Nasa’y, Sunan, Livro sobre a Fé e as suas leis, nº 4990; Abu Dawud, Sunan, Livro sobre Al-Sunnah, nº 4695; Ibn Majah, Sunan, Introdução, nº 63; e Ahmad, Musnad, p. 1, p. 53.
3 – Al-Bukhari, Sahih, Livro sobre Tafsir, nº 4949; Muslim, Sahih, Livro sobre destino, nº 2136; Abu Dawud, Sunan, Livro sobre Al-Sunnah, nº 4694; Ibn Majah, Sunan, Introdução, nº 78; e Ahmad, Musnad, vol. 1, p. 157.
4 – Al-Bukhari, Sahih, Livro sobre Tafsir, nº 4945; Muslim, Sahih, Livro sobre Destino, nº 2647; Al-Tirmidhy, Sunan, Livro sobre Tafsir, nº 3344; Abu Dawud, Sunan, Livro sobre Al-Sunnah, nº 4694; Ibn Majah, Sunan, Introdução, nº 78; e Ahmad, Musnad, vol. 1, p. 129.
Fonte: Alifta