A Tarbiya do Casamento

A Tarbiya do Casamento
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[Nota: “Tarbiya” é uma palavra em árabe que, muito resumidamente, significa treinamento ou disciplina do ego.]

“O casamento é metade do seu dín”, é uma declaração comum entre muitas pessoas que querem se casar. Talvez este hadith nem sempre seja entendido da melhor maneira.

Existe uma falácia em que as pessoas sentem que depois de se casarem, seu īmān subirá rapidamente, elas adorarão Allāh juntas e, para resumir, viverão felizes para sempre… Mas com que frequência é esse o caso?

“Quando um servo (de Allah) se casa, ele certamente completou metade de sua religião, e assim tudo o que resta é que ele tenha taqwa de (temor a) Allah em relação à metade restante.” [1]

O Imām Ghazāli (rahimahullāh) explicou este hadith, afirmando o seguinte:

“As palavras ‘metade de sua religião’ são ditas para encorajar a pessoa a se casar. Ora, o que geralmente corrompe a religiosidade de uma pessoa é tentações sexuais ou seu apetite por comida. O casamento pode ajudar a lidar com um desses desejos, pois ajuda a proteger a castidade da pessoa dos sussurros de Shaytan, quebra a paixão ilícita, ajuda a proteger o olhar dela e a impede de cair em Zina.” [2]

“Tudo o que resta é que ele tenha taqwa…” – Eu sinto que é aqui que o modelo profético mostra que um cônjuge é fundamental no desenvolvimento do aumento deste nível de taqwa.

Há muitos exemplos do Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) auxiliando suas esposas em sua jornada para se aproximarem de Allah. Eu incluí exemplos de três áreas que eu pessoalmente acredito que são de suma importância para um relacionamento de sucesso no qual existe esforço para desenvolver taqwa de Allah.

ʿIbādah

O Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) apoiava suas esposas em sua adoração a Allāh, ajudava-as a obedecer a Allāh e ajudava-as a se aproximarem d’Ele (jalla wa ʿāla). Existem muitos ahadīth que demonstram como o Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) guiou lindamente suas esposas, e entre eles está uma das minhas narrações favoritas:

Juwayriyah (raḍiy Allāhu ʿanha) narrou: “O Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) veio até mim quando eu estava a fazer as minhas súplicas matinais, após as quais ele partiu para seus próprios assuntos. Ele retornou ao meio-dia, e ao me encontrar no mesmo estado, ele me perguntou: ‘Tu ainda estás sentada aqui (a suplicar)?’ Eu disse ‘Sim’. Então ele disse: ‘Não devo eu ensinar-te algumas palavras que, se as recitasses, compensaria e seria mais valioso do que tudo o que recitaste desde a manhã? Elas são:

“Glória a Allah e todos louvores são para Ele de acordo com o número de Suas criações, de acordo com o prazer de d’Ele Mesmo, de acordo com o peso de Seu Trono e de acordo com a tinta (usada nos registros das) palavras (do Seu louvor). [3]

Du’ā

Du’ā é uma forma espiritual e nobre de adoração, que permite àquele que foi criado apreciar a majestade e eminência do Criador. É uma maneira de se humilhar mostrando gratidão quanto ao que Allah lhe concedeu de bênçãos. Se um relacionamento é construído sobre a fundação de du’ā, não só mostra que o servo de Allah está em constante necessidade e ajuda de seu Criador, mas também mostra seu amor, apreço e que ele quer o melhor para o seu cônjuge.

A’isha (raḍiy Allāhu ʿanha) narrou: “Certa vez, quando vi o Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) de bom humor, eu disse-lhe: “Ó Mensageiro de Allah! Faz du’a a Allah para mim!” Então ele disse: “Ó Allah! Perdoe os seus pecados passados e futuros, o que ela escondeu, bem como o que ela fez aparente.”

Eu comecei a sorrir, ao ponto que minha cabeça caiu no colo do Mensageiro de Allah por alegria.

O Mensageiro de Allah disse-me: “O meu du’a faz-te feliz?” Eu respondi: “E como não pode o teu du’a fazer-me feliz?”

Ele então disse: “Por Allah, é o du’a que eu faço para a minha Ummah em cada oração”. [4]

Respeito

O Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam), sendo um modelo para todos os muçulmanos, não encontrou nada de errado em procurar conselhos de sua esposa. De fato, no exemplo abaixo, é mostrado como ele considerou o conselho de sua esposa em um momento muito crucial.

“Em Hudaybiyah, o Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) disse aos seus Companheiros: ‘Levantem-se, tirem o vosso ihrām [5] e raspem as vossas cabeças.’ Por Allah! Nenhum homem se levantou, mesmo depois de o Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) se repetir três vezes.

Depois disso, ele foi até sua esposa Umm Salamah e contou-lhe como as pessoas estavam a agir. Ela disse-lhe: ‘Queres realmente isso? Se sim, sai e, sem dizer uma palavra a nenhum deles, tira o teu próprio ihrām e pede ao teu barbeiro para raspar a tua cabeça.’

Então, ele saiu e, sem dizer uma palavra a nenhum deles, tirou o ihram e raspou a cabeça. Quando as pessoas viram isto, levantaram-se, tiraram os ihrāms e começaram a raspar as cabeças uns dos outros com tal vigor que parecia que quase se matavam uns aos outros enquanto o faziam.” [6]

Ter respeito pelas opiniões um do outro e confiar um no outro é um componente vital no desenvolvimento de um casamento. É preciso ter humildade para entender que nem sempre se tem a resposta para todas as situações e é aí que o cônjuge pode ajudar. Além disso, este hadith realça a importância de se ser uma pessoa de substância. O Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) não só pediu e ouviu o conselho de sua esposa, mas ele também agiu de acordo com ele.

Ibn Hajr (rahimahullāh) explicou este hadīth dizendo: “Isto mostra que é bom procurar conselho e que é permitido procurar o conselho de uma mulher capaz.” [7]

Muitas pessoas pensam erroneamente que a vida após o casamento é como um pequeno paraíso para os dois cônjuges, onde nem mesmo uma sombra de problemas e conflitos aparece. Na realidade, o oposto é verdadeiro.

Abū Bakr (raḍiy Allāhu ʿanhu), ao entrar na casa do Profeta, ouviu A’isha levantar a voz sobre a do Profeta. Depois de lhe ser permitido, ele entrou na sala e repreendeu-a. O Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) interveio e impediu-o de bater na sua filha, consolou-a e disse: “Viste como te salvei dele?”

Abū Bakr (raḍiy Allāhu ʿanhu) voltou mais tarde, pediu permissão para entrar, e desta vez ele viu o Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam) a brincar e a rir com Ā’isha. Abū Bakr então disse: “Ó Mensageiro de Allah, permite-me ser parte da tua paz, assim como permitiste que eu fosse parte do teu conflito.” [8]

A realidade de um relacionamento no casamento é que os conflitos surgirão, como foi o caso do melhor da humanidade, mas a pessoa deve lidar com cada situação com cuidado e respeito para manter um relacionamento harmonioso. E, ao fazê-lo, o casal aprenderá muito com cada tentativa e fortalecerá ainda mais seu vínculo, bi’idhnillāh.

Em conclusão, a tarbiya do casamento, para mim, é construída sobre essas três áreas principais:

Adoração: Nosso propósito na vida é adorar Allah, antes do casamento e depois do casamento. Bem-aventurada é a relação em que os cônjuges ajudam um ao outro em ‘ibādah.

Du’ā: Esta é a base que traz barakah (bênçãos) e aceitação no casamento, pois o du’ā feito para outrem é certamente aceito.

Respeito: Esta é uma sunnah que é fundamental para um relacionamento duradouro.

Que Allah (subhānahu wa taālā) envie paz e bênçãos ao nosso Profeta (sallAllāhu ʿalayhi wasallam), fique satisfeito com as Mães dos Crentes e nos permita imitar a bela sunnah nos nossos relacionamentos conjugais.

por Mohammed Hannan

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Fonte: Islam 21

Notas:

[1] Al-Bayhaqi narrou em Shu’ab al-Īmān de al-Raqāshi. Albaani disse sobre esse hadith em Sahīh al-Targhīb wa’l-Tarhīb [1916]: “É hasan li ghayrihi”.

[2] Ihyā Ulūm al-Dīn: Livro sobre a etiqueta do casamento

[3] Sahīh Muslim, Hadith Número 2726

[4] Sahih ibn Hibbān, Hadith Número 7266

[5] Ihrām: a roupa especial usada pelos peregrinos no Hajj ou ‘Umrah, significando o estado de consagração

[6] Sahīh Bukhāri, Hadith Número 2731

[7] Fath al-Bāri

[8] Relatado por Ahmad, classificado como hasan (bom)


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