O Mundo Árabe tem de Admitir que é Racista

O Mundo Árabe tem de Admitir que é Racista
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Por Mat Nashed

O racismo é um problema no mundo árabe, mas muitas pessoas na região o negam. Na semana passada, uma trabalhadora doméstica etíope caiu da varanda da casa da empregadora no Kuwait. O incidente foi pego em câmera, e embora a mulher tenha sobrevivido, ela revelou mais tarde que sua empregadora estava tentando matá-la.

“A senhora colocou-me no banheiro e estava prestes a me matar no banheiro sem que ninguém soubesse”, disse a funcionária.

“Ela teria jogado meu corpo como um lixo, então, em vez de ficar lá, eu fui me salvar e então eu caí”.

Este não é um caso isolado. Muitos países árabes mantêm o método de “kafala” – sistema de patrocínio – que vincula o status legal dos trabalhadores migrantes com baixos salários diretamente ao empregador, dando ao último o poder de retirar os passaportes dos trabalhadores, reter seus salários e sujeitá-los a abusos angustiantes.

E mesmo nos países árabes onde a kafala não é aplicada, refugiados e imigrantes não-ocidentais são rotineiramente abusados pelo Estado, pela sua comunidade de acolhimento e até pelas organizações de ajuda que foram criadas para ajudá-los.

A ironia é perturbadora. Num mundo onde os muçulmanos e os árabes têm sido submetidos a racismo e à conquista imperial, muitas sociedades árabes não consideram a forma como tratam os imigrantes mais vulneráveis que vivem nelas.

E aqui reside o paradoxo mais óbvio: como uma sociedade pode derrotar o racismo quando ela o perpetua?

Funcionário, não escravo

No ano passado, o relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre Tráfico de Pessoas mencionou seis estados árabes em sua lista de vigilância. Cada país na lista, além do Líbano, é membro do Gulf Cooporation Council (GCC). O sistema kafala, no entanto, é algo que todos têm em comum.

Em alguns lugares, como o Qatar e o Kuwait, mais de 90% da força de trabalho é importada do sul e sudeste da Ásia e da África. A maioria dos trabalhadores opta por migrar para esses países, uma vez que continua sendo uma das poucas opções viáveis para apoiar suas famílias nos seus países de origem.

Os recrutadores fazem sua parte em atrair trabalhadores propagando falsas promessas de um salário justo e um dia de folga por semana. Não é até que chegam que muitos trabalhadores percebem que foram traficados para praticar trabalho escravo ao qual nunca teriam consentido.

A Confederação dos Sindicatos Internacionais estima que mais de 4.000 trabalhadores de baixos salários morreriam enquanto criam infra-estrutura para a Copa do Mundo da FIFA 2022 do Qatar.

Há quatro meses, o Qatar modificou suas leis trabalhistas, alegando que protegeriam melhor os direitos dos trabalhadores migrantes. No entanto, os grupos de direitos humanos disseram que as reformas apenas são apenas a “ponta do icebergue” em termos de salvaguarda contra abusos e exploração.

Oficiais do Qatar recusaram-se a cumprir e, em vez disso, acusaram os grupos de direitos de propagação de “publicidade negativa” sobre seu país. Essa refutação é tão ridícula quanto é egocêntrica. Se os Qataris estão preocupados com sua imagem na arena global, então eles devem abolir um sistema que funciona para escravizar as pessoas.

Morrendo para escapar

Trabalhadores domésticos imigrantes – geralmente mulheres – são ainda mais vulneráveis. No Líbano, elas são excluídas das proteções básicas sob a lei do trabalho. E, como em outros lugares da região, muitas estão trancadas dentro de casa e rotineiramente sujeitas a fome, estupro e morte. A chefe feminina da família é às vezes a agressora ou, pelo menos, cúmplice no abuso.

Em 2008, o Human Rights Watch descobriu que pelo menos uma trabalhadora imigrante doméstica no Líbano estava morrendo a cada semana como resultado de “causas não naturais”, como suposto suicídio ou depois de cair suspeitosamente de edifícios altos. Os ativistas suspeitam que a taxa de óbitos permaneça alta até hoje.

Os políticos nunca parecem levar o maltrato dos trabalhadores imigrantes suficientemente a sério. O ex-Ministro do Trabalho do Líbano, Sejaan Azzi, chegou a dizer que o abuso contra as trabalhadoras domésticas era “exagerado”, apesar da evidência crescente do contrário.

Os grupos de direitos locais, no entanto, pressionaram incansavelmente em apoio aos trabalhadores imigrantes, mas grandes segmentos da sociedade libanesa continuam a normalizar o racismo.

Não é segredo, por exemplo, que as trabalhadoras domésticas da África e da Ásia do Sul são geralmente as mais baratas para recrutar. As trabalhadoras filipinas estão no topo da hierarquia racial por causa de sua pele mais clara. Enquanto seus salários também são abismais, elas geralmente recebem mais dinheiro.

Dois anos atrás, um grupo de mães libanesas também formaram uma ONG para “defender o tratamento” dado às trabalhadoras imigrantes. Um membro do grupo, Helen Atala Geara, argumentou que, se as trabalhadoras domésticas se juntassem a sindicatos e lutassem por seus direitos não estariam disponíveis para atender às necessidades das suas famílias.

Essa lógica é aterrorizante. O argumento de Geara foi reutilizado por gerações de homens misóginos para subjugar as mulheres. E agora as mulheres árabes como ela, que foram excluídas do feminismo branco geral, estão falhando em defender aqueles presos no sistema kafala.

Cinquenta tons de racismo

Em outros lugares da região, o racismo se expõe de maneiras mais sutis. Os membros da comunidade nubiana do Egito, por exemplo, são frequentemente retratados como servos da mídia e são bode expiatório pela violência na rua.

No entanto, os ativistas nubianos dizem que ainda são tratados melhor do que os imigrantes e refugiados sub-saarianos. No Egito, quanto mais escuro você for, mais dura é a discriminação.

Isso foi óbvio depois que um alto funcionário egípcio supostamente chamou de “cães e escravos” a africanos sub-saarianos durante uma visita diplomática ao Quênia no ano passado.

Como esperado, o regime egípcio negou as alegações e afirmou ter ficado insultado que seu orgulho africano tivesse sido posto em causa. Mas este caso não é uma exceção, é a norma.

A palavra árabe para “escravo” é frequentemente usada de forma coloquial para se referir aos negros africanos no Oriente Médio. Pense no tumulto – e na raiva justificada – quando os racistas se referem aos árabes de uma maneira igualmente degradante.

A Jordânia decreta o mesmo duplo padrão. No ano passado, a rainha Rania da Jordânia falou contra o aumento da islamofobia em apoio aos sírios na Europa. Ela até disse que “os refugiados não são números, mas seres humanos como você e eu”.

Suas palavras ainda poderiam ressoar se a Jordânia não tivesse deportado 800 refugiados sudaneses por se manifestarem contra a agência de refugiados da ONU no final desse ano.

É claro que o racismo não é exclusivo do mundo árabe, mas este também não é imune. Não há pessoas suficientes que falam quando vêem uma pessoa de cor ser assediada, e parece que ainda menos se importam depois de uma ser morta.

É hora de mais árabes defenderem os direitos dos outros tanto quanto eles defendem os seus próprios direitos. O racismo é desenfreado na região, e apenas a solidariedade, não a negação, pode vencê-lo.


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