Psicologia da Riqueza

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Psicologia da riqueza: uma perspectiva islâmica sobre finanças pessoais

Dr. Osman Umarji (Diretor de Pesquisa e Avaliação de Pesquisa, Editor Associado)

Introdução

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: “Verdadeiramente, para cada nação há uma provação, e a provação para a minha nação é a riqueza” [At-Tirmidhi, 2336].


Muito antes do empreendimento científico da psicologia, economia e seu casamento conhecido como “economia comportamental”, o Alcorão e a Sunnah introduziram princípios econômicos destinados a melhorar a sociedade e explicar os mecanismos psicológicos que influenciam o comportamento econômico. As fontes islâmicas entendiam que os seres humanos não eram Homo economicus, o que significa que eles não tomam decisões econômicas puramente racionais, usando a máxima racionalidade para aumentar sua satisfação. Ao contrário, o ser humano é propenso a vieses que levam a fazer escolhas não ideais. Nas últimas décadas, a economia comportamental e a psicologia cognitiva tentaram identificar esses vieses e os processos cognitivos e afetivos que influenciam as escolhas econômicas, especialmente as decisões que envolvem risco e incerteza. Este artigo visa esclarecer os princípios islâmicos relacionados à psicologia da riqueza, com ênfase na inculcação de uma mentalidade filantrópica e na tomada de decisão ideal. Em vez de discutir o Homo economicus, nos concentramos em como o Islam procura inculcar o Homo islamicus, ou o agente econômico muçulmano que pensa e se comporta de acordo com os princípios morais do Islam. (Murat Çokgezen, “Islamic Economics in Real Life: Do Muslims Give More Than the Others?” 2016)

O Islam aborda holisticamente as necessidades espirituais e econômicas de indivíduos e sociedades. Entre os principais objetivos da lei islâmica está a preservação e o desenvolvimento da riqueza da sociedade. Além disso, a obrigação do zakah como um pilar econômico de adoração destaca como a riqueza e a adoração não podem ser separadas. Além disso, numerosos ahaadith e versículos do Alcorão abordam como a riqueza deve ser adquirida, gasta e investida. Com relação à aquisição de riqueza, o profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) teria dito:

“Buscar [riqueza] legal é uma obrigação para todo muçulmano” (Tabarani, al-Mu’jam al-Kabir, 9993)

Ele também profetizou que “chegará um tempo em que não se importará como se ganha o dinheiro, legalmente ou ilegalmente” (Bukhari, 2059). Sobre investimentos, ʿUmar ibn Khaṭṭab aconselhou:

“Invista a riqueza dos órfãos para que esta não seja devorada pelo zakah.” (Malik, Muwatta’, 592)

Sobre gastar a própria riqueza, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse:

“Allah não gosta do desperdício da riqueza, nem do excesso de perguntas desnecessárias, nem das fofocas” (Musnad al-Bazzar, 8463)

Assim, uma olhada superficial na Sunnah demonstra claramente que as questões financeiras receberam atenção substancial do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele). No entanto, o escopo da orientação financeira não se limitou às diretrizes legais sobre transações permitidas e não permitidas. Ao contrário, o Alcorão e a Sunnah se concentraram fortemente na psicologia da riqueza, que é um pré-requisito para fazer escolhas econômicas apropriadas. Além disso, concentrando-se na psicologia da riqueza e reformulando os principais conceitos econômicos, a orientação islâmica procura corrigir os vieses cognitivos e espirituais relativos à riqueza que levam a escolhas econômicas abaixo do ideal e, muitas vezes, prejudiciais. No entanto, antes de entrar na perspectiva islâmica da riqueza, precisamos entender a cultura econômica que domina nossa sociedade hoje.

A incompatibilidade da economia neoclássica e a psico-economia islâmica

A economia neoclássica tem sido a visão de mundo econômica dominante desde o final do século XIX e é a espinha dorsal do capitalismo moderno. Pode ser definida como uma filosofia econômica que se concentra amplamente na oferta e na demanda como as principais forças por trás da produção, preços e mais importante, a economia neoclássica é metodologicamente individualista, assumindo que o interesse próprio impulsiona o comportamento econômico e geralmente exclui os interesses dos outros. O individualismo econômico repousa na primazia do indivíduo e no princípio corolário da santidade da propriedade privada. Esses valores econômicos centrais foram derivados de John Locke, Adam Smith e outros filósofos econômicos. Locke argumentou que a posse da propriedade está fundamentada na propriedade de si mesmo e, como cada indivíduo possui a si mesmo, cada indivíduo tem um direito natural ao seu próprio trabalho e, consequentemente, tem direito à propriedade recebida ou produzida em troca desse trabalho. Smith postulou que a melhor maneira de maximizar a felicidade de uma pessoa era permitir que ela agisse livremente em seu próprio interesse. A economia neoclássica deve ser vista não apenas como uma teoria econômica, mas como um sistema de valores e uma visão de mundo. A crença central subjacente à economia neoclássica é a psicologia hedônica, como um dos pensadores neoclássicos mais influentes, William Stanley Jevons, afirmou que…

“Prazer e dor são, sem dúvida, os objetos finais do Cálculo da Economia. Satisfazer nossos desejos ao máximo com o mínimo esforço… em outras palavras, maximizar o prazer, é o problema da Economia” (Williams Stanley Jevons, The Theory of Political Economy, London: Macmillan, 1879)

Além disso, ele conceituava que “a utilidade [decorrente de qualquer mercadoria] deve ser considerada como medida pela, ou mesmo idêntica à, adição feita à felicidade de uma pessoa”. Existe um problema com a filosofia neoclássica da riqueza? É um reflexo da realidade e compatível com os valores islâmicos?

A economia neoclássica baseia-se em três pressupostos fora da realidade que os seres humanos possuem:

  1. racionalidade ilimitada;
  2. força de vontade ilimitada;
  3. egoísmo ilimitado.

Muitos dos principais líderes seculares nas ciências da tomada de decisão, incluindo Herbert Simon e economistas comportamentais, têm sido bastante críticos em relação a essas suposições, argumentando que os humanos tomam decisões com “racionalidade limitada”, muitas vezes tomam decisões ruins devido à falta de autocontrole, e muitas vezes tomam decisões altruístas. Coletivamente, os fundamentos e pressupostos subjacentes à economia neoclássica são substancialmente diferentes e antitéticos se comparados à psicoeconomia islâmica. Eu uso o termo psicoeconomia para enfatizar a orientação psicoespiritual subjacente à mentalidade econômica de um muçulmano.

Em primeiro lugar, da perspectiva da psicoeconomia islâmica, a satisfação de necessidades e desejos, ou a maximização do prazer carnal, não podem ser o objetivo final da atividade econômica. Mesmo se aceitarmos que maximizar o prazer é o objetivo final que impulsiona a atividade econômica, devemos redefinir o prazer como sendo aquilo que agrada a Allah.
Em segundo lugar, a noção islâmica de propriedade de si mesmo é completamente diferente, pois Allah é dono de nossas almas e, por extensão, de nossas riquezas. Allah diz na Surat al-Tawbah:

“Por certo, Allah comprou aos crentes suas pessoas e suas riquezas, pelo preço por que terão o Paraíso…” (9:111)

Em terceiro lugar, o individualismo econômico está longe das noções islâmicas de bem-estar público e direitos comunitários. O fato de o zakah dar aos outros o direito sobre uma parte de nossa riqueza é considerado censurável e uma causa de nossa destruição, isso nega completamente a compatibilidade entre o Islam e o individualismo econômico. Allah diz na Surat al-Baqarah:

“E despendei no caminho de Allah, e não lanceis vossas mãos à ruína. E bem-fazei. Por certo, Allah ama os benfeitores.” (2:195)

Assim, através de uma análise detalhada do Alcorão e da Sunnah, podemos extrair e apreciar os fundamentos psico-espirituais que otimizam a mentalidade e o comportamento financeiro. O restante deste artigo destaca princípios microeconômicos islâmicos selecionados que inculcam uma mentalidade psico-economicamente saudável. Esses princípios visam promover o auto-satisfação, motivação do comportamento filantrópico e tomada de consciência de Allah, louvado seja. A natureza holística da orientação psico-econômica islâmica ajuda a governar o relacionamento de cada um consigo mesmo, com a criação e com o Criador. Como o capitalismo, intelectualmente apoiado pela economia neoclássica, é a visão de mundo econômica que domina o discurso público, a necessidade de reorientar os muçulmanos para uma visão de mundo islâmica de riqueza é essencial para o bem-estar pessoal e social.

Obs:

“A economia neoclássica exalta as virtudes do capitalismo e sugere políticas que ajudam os capitalistas a aumentarem seu domínio sobre os bens e serviços produzidos. Para ser mais preciso, mostra que uma sociedade capitalista, se deixada por si só, trará automaticamente o pleno emprego de todos os trabalhadores e a plena utilização das capacidades produtivas de todas as unidades de produção (ou seja, as organizações que produzem bens e serviços; organizações são chamadas de firmas em economia). Também mostra que uma economia capitalista por si só produzirá todos os diferentes bens e serviços em quantidades ótimas e distribuirá os bens e serviços produzidos entre as pessoas de maneira excelente. Por isso, recomenda a política de livre mercado ou laissez-faire. Sob esta política, o governo não deve interferir nas atividades econômicas de indivíduos e empresas e permitir que uma economia capitalista opere por conta própria”. (Veja Ghosh and Ghosh, Introduction to Economics (Introdução à Economia)).

Psicologia da Riqueza no Islam

Allah nos informa em vários versículos no Alcorão que os seres humanos têm um amor intenso pela riqueza. Por exemplo:

“E amais as riquezas, com excessivo amor” (89:20); “E, por certo, ele é veemente no amor à riqueza” (100:8)

A sede insaciável de riqueza é exemplificada no hadith do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele):

“Se o filho de Adão tivesse um vale cheio de ouro, ele gostaria de ter dois vales” (Bukhari, 6439)

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) ainda advertiu sobre os perigos potenciais de perseguir obsessivamente a riqueza, dizendo:

“Por Allah, não é a pobreza que eu temo por vós; em vez disso, temo que recebereis a riqueza do mundo, exatamente como foi dado aos que vieram antes de vós. Então, vós competireis por isto assim como eles competiram e isso vos arruinará assim como os arruinou.” (Bukhari, 6425; Muslim, 2961).

Uma das mais vívidas narrações desta advertência vem no seguinte hadith, onde o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse:

“Dois lobos famintos vagando livremente entre um rebanho de ovelhas são menos destrutivos para este (o rebanho) do que a paixão de um homem por riqueza e fama é para sua religião” (Sunan at-Tirmidhi, 2378)

Esses ahadith tentam nutrir uma mentalidade vigilante em relação à busca de riqueza, alertando que tal busca pode destruir uma pessoa. No entanto, em vez de apenas alertar os crentes sobre as armadilhas potenciais de perseguir o dinheiro, a orientação islâmica procura reformular nosso relacionamento com a riqueza para que a gastemos adequadamente a serviço de Allah, louvado e exaltado seja.

Reformulando a propriedade da riqueza

Como afirmado anteriormente, a economia neoclássica e o capitalismo postulam que o indivíduo é o verdadeiro dono de suas riquezas e posses. No entanto, no Islam, Allah é o verdadeiro Dono de todas as riquezas, e o indivíduo é meramente um administrador ou executor cujo papel é usar a riqueza e os bens de uma maneira agradável a Allah. O Alcorão diz:

“Crede em Allah e em Seu Mensageiro; e despendei, daquilo de que vos fez sucessores. Então, os que creem, dentre vós, e despendem, terão grande prêmio.” (57:7)

A noção islâmica de que a riqueza, em última análise, pertence a Allah, e que somos apenas depositários, possui ramificações substanciais sobre como a riqueza é gasta e investida. Uma vez que o crente internaliza seu papel como fiduciário, ele se torna responsável por encarregar-se, entendendo os termos da confiança para determinar quem tem direitos sobre os ativos e, em seguida, distribuindo os ativos para as partes merecedoras. Os termos da confiança foram claramente articulados no Alcorão e na Sunnah, que incluem regras de herança, regras de zakah, desencorajar a avareza e acúmulo de riquezas, encorajar a generosidade e circulação da riqueza na sociedade, encorajar a moderação nos gastos e princípios de investimentos.

O paradoxo de buscar a riqueza

Compreendendo a atração gravitacional da riqueza no coração das pessoas, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) repetidamente deu conselhos sobre como nos desapegar do estresse sobre a obtenção da riqueza e da busca por ela como uma preocupação central de nossas vidas. Em uma narração poderosa, ele disse:

“Quem estiver focado apenas neste mundo, Allah confundirá seus negócios e o fará temer a pobreza constantemente, e esta pessoa não obterá nada deste mundo, exceto o que foi decretado para ela. [No entanto], quem quer que esteja focado na outra vida, Allah resolverá seus assuntos e fará com que se sinta satisfeito com sua porção, e sua provisão e ganhos mundanos indubitavelmente virão para ele.” (Sunan Ibn Majah, 4105)

Esse hadith estabelece um princípio psicológico essencial de riqueza no Islam: perseguir a suposta recompensa desta vida (duniah) leva à ansiedade financeira, enquanto perseguir a recompensa real da vida após a morte (akhirah) leva ao contentamento financeiro. Reiterou-se este ponto em outra narração, dizendo:

“Allah diz: ‘Ó filho de Adão, concentra-te em Me adorar e Eu encherei teu coração de contentamento e cuidarei de tua pobreza; mas se tu não fizeres isso, então eu encherei teu coração com preocupações mundanas e não cuidarei de tua pobreza’” (Sunan at-Tirmidhi, 2466)

Essas narrações destinam-se a calibrar o crente, distanciando-o do viés inerente da obsessão de perseguir a riqueza e libertá-lo para que persiga atividades mais nobres. De fato, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) repetiu essa mensagem várias vezes de várias maneiras. Em outro exemplo, Abu Dharr relatou que o Profeta disse a ele:

“Ó Abu Dharr, tu dizes que abundância de bens é riqueza?” Eu respondi que sim. O Profeta disse: “Tu dizes que a falta de posses é pobreza?” Eu disse que sim. O Profeta repetiu isso três vezes, depois disse: “A riqueza está no coração e a pobreza está no coração. Quem é rico em seu coração não será prejudicado, não importa o que aconteça no mundo. Quem está empobrecido em seu coração não ficará satisfeito, não importa o quanto tenha neste mundo. Na verdade, ele só será prejudicado pela ganância de sua própria alma.” (Tabarani, al-Um’jam al-Kabir, 1618)

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) concentrou-se em libertar os corações da cobiça pela riqueza para que sua ummah ficasse intrinsecamente motivada a gastá-la e investi-la em causas nobres.

Reestruturando gastos e investimentos

O Islam visa evitar extrema mesquinharia ou gastos excessivos consigo mesmo. Ao descrever os crentes justos, Allah diz no Alcorão:

“E os que, quando despendem seus bens, não os esbanjam nem restringem, mas seu dispêndio está entre isso, ajustado.” (25:67)

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) também disse:

“Come, bebe, faz caridade e usa roupas bonitas, mas sem orgulho e extravagância. Em verdade, Allah ama que Suas bênçãos sejam vistas sobre Seus servos.” (Musnad Ahmad, 6656)

Esses textos demonstram que a moderação em todas as formas de gastos é ótima. No entanto, como muitos dos gastos da vida pertencem à família, o Islam reformula os gastos com esta como um tipo de caridade, quando feitos com a intenção de agradar a Allah. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse:

“Se um muçulmano gasta com sua família buscando recompensa de Allah, é caridade para ele.” (Bukhari, 5351; Muslim, 1002)

Além de entender como gastar dinheiro moderadamente, a orientação psicoeconômica islâmica reformula o significado de investir.

Investimento se refere a um método de alocação de riqueza em ativos dos quais se espera lucrar. O objetivo de investir é colher os frutos de seus investimentos no futuro. O investimento ético – por investimento ético, refiro-me a investimentos que estão de acordo com a lei islâmica. Por exemplo, investimentos baseados em juros ou que envolvam o desenvolvimento e venda de produtos proibidos devem ser evitados – é incentivado no Islam, pois o indivíduo se beneficia com o crescimento de sua riqueza e a sociedade se beneficia à medida que a economia cresce, por meio de investimentos bem-sucedidos. ʿUmar ibn Khaṭṭab (que Allah esteja satisfeito com ele) aconselhou:

“Invista a riqueza dos órfãos para que não seja devorada pelo zakah.” (Malik, Muwatta, 592)

Esta declaração estabelece que o dinheiro que sobrar diminuirá devido à obrigação do zakah. Se uma pessoa tinha R$10.000,00, isso se tornaria R$9.750,00 depois de pagar 2,5% em zakah no final do ano. Após 10 anos, os 10.000 originais valeriam pouco menos de 8.000. Assim, pagar zakah deve ser um incentivo ao investimento, pois o dinheiro não investido está efetivamente sujeito a juros negativos a uma taxa de -2,5% (isso se refere apenas a juros de uma perspectiva da definição puramente financeira, não de uma perspectiva legal ou espiritual islâmica).

Embora haja grande recompensa e barakah no zakah, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) nos encorajou a investir nossa riqueza. Ao colocar nossa riqueza em investimentos halal, aumentamos a probabilidade de aumenta-la e, posteriormente, dar mais. Embora o Islam encoraje o investimento mundano para salvaguardar e aumentar a riqueza, ele reformula fundamentalmente em quais tipos de investimentos vale a pena focar. Os ahaadith a seguir demonstram como o Profeta reformulou o investimento. Ele disse:

“…O filho de Adão se gaba: ‘Minha riqueza! Minha riqueza!’ Ó filho de Adão, tu realmente ganhaste alguma riqueza que não tenhas comido ou consumido, ou vestido e gasto, ou gasto em caridade e que, mesmo assim, ela perdurasse?” (Muslim, 2958).

Nesta narração, de uma perspectiva religiosa, a única a riqueza que se retém é aquela que é investida na caridade. Em outra narração, ele disse:

“Quem dentre vós considera a riqueza de seus herdeiros mais cara do que sua própria riqueza?” Eles responderam: “Ó Mensageiro de Allah! Não há ninguém entre nós que não ame mais a sua própria riqueza.” O Profeta, então, disse: “Assim, vossa riqueza é tudo o que dais [em caridade] durante vossa vida, enquanto a riqueza de vossos herdeiros é tudo o que deixais após vossa morte” (Bukhari, 6442)

Mais uma vez, o Profeta está reformulando o que constitui a verdadeira riqueza ao encorajar o investimento na caridade como uma forma de construir um patrimônio espiritual e um ninho para a vida após a morte. Ainda em outra narração, foi relatado que Aisha tinha uma ovelha abatida. Quando o Profeta descobriu, ele perguntou sobre aquilo. Ele disse a ela:

“O que resta disso?” Ela respondeu: “Nada resta disso, exceto seu ombro”. Ele disse: “Tudo permanece, exceto seu ombro.” (Sunan at-Tirmidhi, 2470)

Assim, o Profeta explicitamente reformulou a visão mundana de riqueza de Aisha. Em vez de interpretar o que foi doado como deixando de estar em sua posse, o que foi doado deve ser visto como um investimento que se retém. Todas essas narrações reforçam o mesmo princípio em diferentes contextos, destacando a consistência desse princípio profético de investimento. Portanto, se voltarmos à definição de investimento como um método de alocação de riqueza em ativos dos quais se espera lucrar no futuro, não pode haver maior investimento no futuro, nesta vida e na vida após a morte (akhirah), do que a filantropia e doações em caridade. Da mesma forma, assim como investir em nosso portfólio pessoal da duniah é importante investir em nosso portfólio pessoal do akhirah. Aqui estão algumas sugestões das melhores práticas a serem observadas:

  1. Invista em seu portfólio do akhirah o mais cedo possível e de forma consistente. A caridade cresce a uma taxa exponencial. “O exemplo dos que despendem suas riquezas no caminho de Allah é como o de um grão que germina sete espigas; em cada espiga, há cem grãos. E Allah multiplica a recompensa a quem quer. E Allah é Munificente, Onisciente” (2:261). Investir em seu akhirah desde a tenra idade disciplina a alma, constrói a confiança em Allah e os retornos na vida após a morte serão maiores do que se a pessoa começasse mais tarde na vida. Além disso, contribuir regularmente garante que o investimento no akhirah cresça constantemente ao longo do tempo. Separe uma porcentagem de sua renda ou um valor fixo para investimentos semanais ou mensais.
  2. Assuma riscos calculados e invista quando os outros hesitarem. Assim como a tolerância ao risco é uma consideração em investimentos mundanos, é recomendável investir em projetos que tenham um tremendo potencial. O Alcorão alude a isso ao elogiar aqueles que doaram ao Islam durante seus momentos mais vulneráveis, ​​antes da conquista de Makkah, como sendo superiores àqueles que doaram depois que o estado islâmico era poderoso e estava solidificado. “E por que razão não despendeis na senda de Allah, enquanto de Allah é a herança dos céus e da terra? Não se iguala, dentre vós, quem despendeu e combateu antes da conquista a quem despendeu e combateu após. Esses têm escalão mais elevado que os que despenderam e combateram após. E, a ambos, Allah promete a mais bela recompensa. E Allah, do que fazeis, é Conhecedor” (57:10). A recompensa é maior nas fases iniciais de um bom projeto.
  3. Diversifique seu portfólio do akhirah. Com base na última recomendação, é importante investir em várias causas. Embora as pessoas tenham preferências por determinados projetos, elas ainda devem investir em uma variedade de bons projetos, incluindo mesquitas, escolas, alívio aos pobres, educação, questões sociais e muito mais. Isso garante que a pessoa colha um retorno específico sobre cada investimento.

Apesar da tremenda recompensa em investir em seu akhirah, pode haver barreiras psicológicas que podem comprometer o investimento filantrópico. Discutimos alguns deles à luz do Alcorão, da Sunnah e da ciência moderna na próxima parte, insha’Allah.

Preconceitos espirituais relacionados à riqueza e doação

A escassez e a pobreza podem ser debilitantes para a perspectiva de riqueza. A escassez não é apenas falta de recursos, mas também uma mentalidade. Uma mentalidade de escassez é a percepção subjetiva de que não há o suficiente para todos, leva à ansiedade por não ter o suficiente e prejudica a tomada de decisões. Uma mentalidade de escassez é o oposto de uma mentalidade de abundância, onde se percebe que há o suficiente para si e para os outros.

Uma das consequências de se ter uma mentalidade de escassez é sentir uma sensação de privação relativa pessoal e percepção diminuída de bem-estar financeiro, o que leva a tomar decisões financeiras ruins, como economizar menos, fazer empréstimos com juros altos e aumentar a aposta em loterias.

A privação relativa pessoal refere-se a sentimentos de ressentimento e falta de contentamento financeiro por acreditar que está privado do que deseja e merece. Acreditar que se está privado está relacionado a níveis mais baixos de bem-estar, maior estresse, pior saúde física, níveis mais elevados de materialismo, e menos doações. Além destes resultados prejudiciais, a privação relativa pessoal também está ligada a atitudes e comportamentos de má adaptação, incluindo tendências de desconto atrasado e envolvimento em comportamentos de risco. O desconto atrasado refere-se à preferência por recompensas menores e imediatas sobre recompensas maiores e adiadas para o futuro. Assim, as pessoas que se sentem privadas em comparação com outras são as mais propensas a tomar decisões irracionalmente arriscadas naquele momento, às custas de melhores decisões de longo prazo. Por exemplo, experimentos mostraram que a indução de sentimentos de privação relativa leva a tendências tardias de desconto, o que leva a uma maior probabilidade de jogar. Assim, a pessoa que se sente privada busca uma recompensa imediata que ela acredita irracionalmente que pode vir do jogo.

A privação relativa pessoal é, portanto, um viés espiritual que influencia o comportamento econômico, incluindo o quanto alguém está disposto a dar sua riqueza em caridade, jogar e obter empréstimos com juros. Acreditar que alguém está em privação é visto negativamente no Islam. Embora o crente não seja responsável por pensamentos fugazes, o profundo ressentimento de sua situação financeira é uma porta pela qual Satanás entra. Allah se refere a Si mesmo como Generoso (al-Karim) e Vasto (al-Wasi’) em Sua generosidade no Alcorão. É através da compreensão desses nomes que o preconceito espiritual deve ser removido do coração do crente. O Alcorão aborda esse preconceito diretamente na Surat al-Baqarah,

“Satanás promete-vos a pobreza e ordena-vos a obscenidade, e Allah promete-vos perdão d’Ele e favor. E Allah é Munificente,Onisciente” (Surah al Baqara, 2:268)

O Alcorão enquadra as percepções de escassez e abundância como opostos polares decorrentes de fontes opostas. Satanás explora o medo da privação das pessoas como um motivador para se envolver em comportamento financeiro imoral, enquanto Allah promete perdão e dá de Sua abundância como motivador para se envolver em comportamento financeiro moral. Em outras palavras, Allah está nos informando que Satanás será diligente em encontrar maneiras de fazer uma pessoa se sentir privada, o que inclui sentir-se privada de uma renda mais alta, uma casa maior, um carro melhor e até coisas não materiais que uma pessoa deseja. Uma vez que o sentimento de privação esteja enraizado no coração, Satanás aproveitará o preconceito espiritual e encorajará o indivíduo a se envolver em comportamento econômico prejudicial. Ele vai empurrar e estimular a pessoa a buscar o que ela deseja por todos os meios possíveis. Pode ser incentivando empréstimos com juros para comprar o que desejam ou jogando para obter acesso rápido à riqueza. Em um nível ainda mais sutil, ele ordenará que a pessoa não doe sua riqueza para causas de caridade, sugerindo que é prejudicial ser caridoso neste momento específico da vida. As descobertas acima mencionadas de que sentimentos de privação levam a comportamentos religiosamente imorais de jogos de azar e busca de empréstimos com juros altos são mais interessantes e perspicazes agora à luz deste versículo. A ciência social moderna forneceu exemplos específicos da relação entre sentimentos de privação e imoralidade que o Alcorão destacou 1400 anos atrás.

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) também deu um tratamento específico ao viés espiritual de se sentir privado, dizendo:

“Compara-te com aqueles que são inferiores a ti [em riqueza] e não olhes para aqueles que estão acima de ti [em riqueza], pois é mais adequado que tu não desconsideres as bênçãos de Allah.” (Bukhari, 6490, Muslim 2963)

O Profeta está nos informando que a exposição constante e a comparação com os ricos levará uma pessoa a menosprezar as bênçãos que Allah concedeu a ela, o que novamente leva a sentimentos de privação. Assim, a intervenção psicológica que o Islam recomenda é que o crente faça comparações sociais descendentes (ou seja, comparar-se com alguém menos rico) para se sentir abençoado e grato pelas recompensas que recebeu. Usar os ricos como ponto de referência pode levar a uma mentalidade de escassez que leva à avareza, enquanto usar os pobres como ponto de referência deve levar a uma mentalidade de abundância que leva à generosidade.

Embora seja preferível fazer comparações para baixo, é provável que as pessoas sejam expostas aos ricos e desejem o que eles têm. O Alcorão recomenda o que fazer nesta situação na Surah Taha,

“E não estendas teus olhos para aquilo que fizemos gozar alguns grupos entre eles: são floreios da vida terrena, para, com eles, os provarmos. E o sustento de teu Senhor é melhor e mais permanente.” (Surah Ta-ha, 20:131)

Além de reiterar não olhar para os ricos como um ponto de referência, o versículo acrescenta que suas riquezas e posses são, na realidade, nada mais do que um teste de Allah que não se deve desejar a si mesmo. O teste de possuir riqueza inclui ser grato por ela, ser humilde e gastá-la adequadamente; portanto, muitos estudiosos consideram o teste da riqueza mais difícil do que o teste da pobreza. O Alcorão está cheio de histórias daqueles que lutaram e falharam no teste da riqueza. Essas histórias têm o objetivo de nos alertar sobre ter a mentalidade errada em relação à riqueza e para corrigir um mal-entendido teológico que muitos mantêm sobre a riqueza.

Mito teológico: Allah recompensa os crentes com riqueza

“Então, quanto ao ser humano, quando seu Senhor o põe à prova, e o honra, e o agracia, diz: ‘Meu Senhor honra-me.’ E, quando o põe à prova e lhe restringe o sustento, diz: ‘Meu Senhor avilta-me.'” (Surah al Fajr, 89:15-16)

Nestes versículos da Surat al Fajr, Allah está corrigindo um mito teológico que as pessoas mantêm sobre a riqueza, que é a crença de que Allah as honra ao lhes dar riquezas substanciais e que Allah as humilha retendo riquezas. A realidade é que tanto a riqueza quanto a falta dela são provações que não têm relação com o valor de uma pessoa aos olhos de Allah. O Alcorão destaca a história de Qarun como um exemplo para nós. Allah deu uma tremenda riqueza a Qarun, que era um israelita na terra do Faraó. Seu povo o advertiu a não ser arrogante e a buscar a satisfação de Allah e o Paraíso usando sua riqueza para fazer o bem. Ele respondeu arrogantemente dizendo: “Isso me foi concedido, apenas, graças a uma ciência que tenho” (Quran, 28:79) e ostentava sua riqueza diante do povo. Alguns dos israelitas se apaixonaram por sua riqueza e caíram no viés teológico desejando: “Quem dera houvesse, para nós, algo igual ao que foi concedido a Qarun! Por certo, ele é de magnífica sorte!” (Quran, 28:80) Então, Allah causou um enorme sumidouro para destruir Qarun e seu palácio, abrindo os olhos do povo para a realidade da riqueza e os favores de Allah. Eles disseram:

“Seguramente, Allah prodigaliza o sustento a quem quer, de Seus servos, e restringe-o. Se Allah não nos houvesse feito mercê, haveria feito a terra engolir-nos. Seguramente, os renegadores da Fé não são bem-aventurados.” (Quran, 28:82).

Assim, podemos tomar um lembrete da história de Qarun para não invejar os ricos entre nós nem considerá-los mais honrados aos olhos de Allah. Allah afirma claramente:

“Por certo, o mais honrado de vós, perante Allah é o mais piedoso.” (Quran, 49:13)

A história é um lembrete do erro da mentalidade capitalista de que “meu dinheiro é meu porque eu o ganhei” e o mito de que Allah honra as pessoas dando-lhes riqueza.

A sabedoria de Allah na distribuição de riqueza

“E, se Allah prodigalizasse o sustento a Seus servos, haveriam cometido transgressão, na terra; mas Ele faz descer, na justa medida, o que quer. Por certo, Ele, de Seus servos, é Conhecedor, Onividente.” (Surah ash-Shura, 42:27)

Este versículo é outro princípio importante de riqueza no Islam. O crente deve internalizar que não apenas Allah distribui riqueza ou a retém como um teste, mas que Ele a distribui em Sua infinita sabedoria com os melhores intenções em relação às pessoas. Allah pode reter uma abundância de riqueza de alguém por razão de Seu conhecimento infinito que a pessoa seria corrompida com esta, pois Ele conhece melhor Seu servo. Este conceito pode ser encontrado em numerosos ahadith, que apesar da fraqueza em sua transmissão, apoiam o significado do versículo e as declarações de numerosos estudiosos. Foi relatado que o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse que Allah falou:

“Talvez Meu crente justo Me peça riqueza, mas Eu o transponho da riqueza para a pobreza. Se Eu o tivesse deixado na riqueza, teria sido pior para ele. Talvez Meu crente justo Me peça pobreza, mas eu o transponho da pobreza à riqueza. Se Eu o tivesse deixado na pobreza, teria sido pior para ele.” (Tabarani, al-Majmu’ al-Kabir, n° 12719 – hadith classificado como fraco, mas o significado é aceitável)

Ibn Taymiyah e Ibn Kathir explicaram que a pobreza pode ser mais benéfica para algumas pessoas do que a riqueza, enquanto a riqueza pode ser mais benéfica para outras pessoas (Ibn Taymiyah, Majmu’ Fatawa, vol. 11; Tafsir Ibn Kathir). No entanto, este conhecimento só é retido por Allah, e a responsabilidade do crente é distribuir a riqueza da maneira mais apropriada. Allah provê as pessoas por vários meios, inclusive por meio de empregos, investimentos, herança, zakah e pela generosidade das outras pessoas. Portanto, o crente deve sempre procurar oportunidades para ser o meio pelo qual Allah fornece sustento aos outros.

O segredo da barakah

Barakah implica aumento e crescimento, e pode se aplicar ao que é tangível (por exemplo, riqueza) ou imaterial (por exemplo, tempo). Barakah indica que algo recebeu a bênção divina e, portanto, é mais produtivo, eficiente, nutritivo ou valioso. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) invocava Allah por barakah muitas vezes. Quando o Profeta recebia o primeiro fruto da estação, ele o pegava e dizia:

“Ó Allah, nos dê barakah em nossos frutos, nos dê barakah em nossa cidade [Medina], e nos dê barakah em nosso nosso mudd [uma medida igual a dois punhados] e em nosso ṣaʿ [uma medida igual a quatro mudd]…” (Muslim, 1373)

O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) entendeu que algo tangível seria mais nutritivo e valioso se Allah o abençoasse. É por isso que ele ensinou aos companheiros que…

“A comida suficiente para uma pessoa é suficiente também para duas, a comida de duas é suficiente para quatro, e a comida de quatro é suficiente para oito” (Muslim, 2059)

E ainda mais:

“Reuni-vos para comer e mencionai o nome de Allah sobre vossa comida e Allah colocará barakah nela.” (Musnad Ahmad, 16078; Sunan Abi Dawud, 3764; Sunan Ibn Majah, 3286)

Assim, entendemos que o valor de uma mercadoria não é fixo e intrínseco à mercadoria. Ao contrário, a extensão em que a mercadoria se beneficia é proporcional à barakah que foi dada. O Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) explicou isso claramente quando disse:

“Ambas as partes em uma transação comercial têm o direito de aceitar ou rejeitar o acordo, desde que não tenham se separado. Se eles disserem a verdade e deixarem tudo claro um para o outro [por exemplo, descrever os defeitos e qualidades das mercadorias], sua transação será abençoada. Se eles ocultarem alguma coisa e mentirem um para o outro, a bênção de sua transação será eliminada.” (Bukhari, 2079; Muslim, 1532)

Essa noção de barakah é o segredo para o contentamento do crente. Se o crente tem convicção de que Allah pode abençoar sua riqueza halal e retirar a barakah da riqueza do ḥaram, o motivo de buscar riqueza usando meios não permitidos deve ser eliminado. Além disso, através da consciência de que as coisas podem ter mais valor do que é aparente, o crente é confortado em gastar sua riqueza de uma maneira agradável a Allah, pois somente Ele possui a capacidade de aumentá-la em valor.

Consequências da cosmovisão islâmica da riqueza

“E não viram eles que Allah prodigaliza o sustento a quem quer, e restringe-o? Por certo, há nisso sinais para um povo que crê. Então, concede ao parente o que lhe é de direito, e ao necessitado, e ao filho do caminho. Isso é melhor para os que querem a face de Allah. E esses são os bem-aventurados. E o que concedeis, de usura, para acrescentá-lo com as riquezas dos homens, não se acrescentará, junto de Allah. E o que concedeis, de az-zakah, querendo a face de Allah, ser-vos-á multiplicado. Então, esses serão os recompensados em dobro.” (Surah ar-Rum, 30: 37-39)

Desenvolver a mentalidade e a atitude adequadas em relação à riqueza é ideal tanto para o bem-estar de um indivíduo quanto para o da sociedade. Uma vez que o crente internalize que a riqueza pertence a Allah, que os seres humanos são meros depositários do que lhes foi dado, e que o que eles fazem com suas riquezas é um teste de Allah, eles estão agora em posição de gastá-las e investi-las adequadamente. Os versículos acima de Surat ar-Rum fornecem uma fórmula de como as crenças sobre a riqueza se transformam em comportamento econômico apropriado. Razi menciona que o primeiro versículo orienta o crente sobre quem dá e não sobre o que é dado. Se a atenção está no doador, então o estado psicológico da pessoa não deve flutuar se receber muito ou pouco, pois o crente deve ter absoluta confiança em Allah e se contentar com seu sustento. Razi afirma ainda que quando Allah declara que somente Ele estende e restringe [a riqueza], isso implica que nunca se deve deixar de dar livremente, pois se Allah dá, a caridade não diminuirá a riqueza de alguém, e se Ele restringir, então manter a riqueza de alguém não irá aumentar (ar-Razi, tafsir al-kabir). Esta é a essência da narração onde o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) mencionou a natureza paradoxal de muitas ações inspiradas pela fé.

“A caridade não diminui a riqueza, ninguém perdoa outra pessoa, sem que Allah aumente sua honra, e ninguém se humilha por causa de Allah, sem que Allah eleve seu status.” (Muslim, n° 2588)

Uma vez que essas crenças estão firmes no coração de um crente, nós somos ordenados a dar generosamente a nossos parentes, aos pobres e viajantes. Há uma conexão importante entre dar aos que estão mais próximos de nós e nossos estados psicológicos. Pesquisas recentes em neurociência descobriram que as pessoas que acreditam na obrigação de ajudar a família e os parentes acham que dar dinheiro a eles é tão pessoalmente gratificante e prazeroso quanto receber dinheiro. Pessoas dessas origens interdependentes, que valorizam ajudar os outros, aumentaram a ativação do sistema de recompensa mesolímbico no cérebro ao contribuir em sua família, comparadas àquelas que são mais individualistas. Isso parece ser uma manifestação neural de amar para os outros o que se ama para si mesmo.

Finalmente, a noção de crescimento é reformulada no terceiro versículo. De uma perspectiva mundana, títulos de renda fixa (por exemplo, títulos, contas do mercado monetário, certificados de depósito) são investimentos seguros de baixo risco que normalmente dependem de juros para crescimento. Muitos investidores sentem uma sensação de segurança ao lidar com esses ativos baseados em juros. No entanto, Allah nos informa que o dinheiro investido nesses ativos que rendem juros não cresce em Sua perspectiva, que é a única perspectiva que realmente importa. De fato, tais investimentos são vistos como repulsivos, pois o Alcorão afirma que

“Allah extermina a usura e faz crescer as esmolas…” (surah al-Baqara, 2:276)

Allah reformula a noção de crescimento composto dizendo que são investimentos de caridade (por exemplo, zakah) que estão sujeitos a crescimento composto. Essa justaposição de investimentos baseados em juros versus investimentos de caridade como itens de crescimento está intrinsecamente ligada à noção de barakah.

Pensamentos finais

O ponto central da mensagem do Profeta era separar nossos corações do desejo de riqueza e motivar investimentos de caridade para purificar os corações e melhorar a sociedade. Através da reformulação de crenças e práticas econômicas convencionais, o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) inculcou uma nova era de pensamento econômico para nutrir o Homo islamicus. Os frutos da imaculada visão de mundo islâmica da riqueza revolucionaram as gerações subsequentes. Como o Dr. Khalil Abdul Rashid tão eloquentemente afirmou,

“A institucionalização da caridade no Islam tornou-se um fator determinante que exerceria influência dominante no planejamento urbano e no desenvolvimento das cidades e vilas, bem-estar social, hábitos e práticas religiosas, a produção de arte e o desenvolvimento da estética, a estrutura e a estabilidade dos mercados e das forças econômicas, a estabilidade política, bem como a produção da cultura muçulmana em todas as suas diversas representações”.

Precisamos desesperadamente de uma revolução econômica no mundo, já que a economia neoliberal e o capitalismo empobreceu grande parte do mundo e devastou o meio ambiente. Os princípios psicológicos, espirituais e econômicos islâmicos são essenciais para criar a mentalidade financeira tão urgentemente necessária neste mundo auto indulgente. A ummah deve reconhecer que foi infectada com a doença do capitalismo e começar a se reabilitar desenvolvendo uma relação profética com a riqueza. Através de um vigor renovado em focar em investir em nossa vida após a morte, esperamos tornar a vida desta duniah melhor para nós mesmos e para todos ao nosso redor. Vamos encontrar motivação nas palavras do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele), que disse:

“O generoso está perto de Allah, perto do Paraíso, perto das pessoas e longe do Inferno. O avarento está longe de Allah, longe do Paraíso, longe das pessoas e perto do Inferno. Uma pessoa ignorante e generosa é mais amada por Allah Todo-Poderoso do que um erudito mesquinho.” (Sunan at-Tirmidhi, 1961).

Fonte: yaqeeninstitute.org


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