O Alcorão Não Foi Alterado – 4 Razões
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O despertar da Europa da Idade das Trevas e a subsequente iluminação intelectual dos séculos 1600 a 1800 foram movimentos poderosos da história moderna. Esse período trouxe à Europa uma dedicação à ciência empírica, ao pensamento crítico e ao discurso intelectual, muito do qual foi importado da rica história intelectual do mundo muçulmano, através de pontos de entrada como a Espanha, Sicília e o Sudeste da Europa.
Esse aumento no trabalho intelectual coincidiu com um período de imperialismo e colonialismo europeu sobre o mundo muçulmano. Países como Inglaterra, França e Rússia conquistaram partes do mundo muçulmano, dividindo-o entre si. Assim, o esclarecimento intelectual, juntamente com o imperialismo, resultou em um estudo crítico do Islam, sua história, crenças e ensinamentos, movimento conhecido como Orientalismo.
Contudo, uma das maiores deficiências do orientalismo é a análise da história islâmica sob uma perspectiva europeia, desconsiderando séculos de trabalho acadêmico de grandes mentes muçulmanas desde a época do Profeta Muhammad ﷺ.
Um dos aspectos mais perigosos do orientalismo foi o estudo europeu sobre as origens do Alcorão. Enquanto é amplamente aceito que tanto a Torá quanto o Novo Testamento passaram por alterações ao longo dos séculos, os acadêmicos europeus presumiram erroneamente que o mesmo ocorreria com o Alcorão. Seus esforços para provar a crença de que este Livro foi modificado e que não é autêntico levaram a estudos de intenções duvidosas e de baixo mérito acadêmico.
Este artigo analisará criticamente as origens do Alcorão, sua transmissão e sua compilação, para entender por que os muçulmanos aceitam as cópias desta Escritura que possuem como as mesmas palavras transmitidas pelo Profeta Muhammad ﷺ.
A Promessa da Proteção – Nunca Alterado
Os muçulmanos acreditam que Allah prometeu proteger o Alcorão de mudanças e erros que ocorreram com textos sagrados anteriores. Allah afirma na Surat al-Hijr, versículo 9:
“Por certo, Nós fizemos descer o Alcorão e, por certo, Nós o preservaremos.”
Para os muçulmanos, este versículo é suficiente para confiar na proteção da Escritura ao longo do tempo. Contudo, para aqueles que não aceitam a sua autenticidade, este versículo não pode servir como prova de sua veracidade, pois está contido no próprio texto. A partir daqui, a discussão acadêmica começa.
Narração aos Companheiros
A revelação do Alcorão não foi um evento isolado, mas sim um fluxo contínuo de versículos que desceram para Muhammad ﷺ ao longo de seus 23 anos de missão em Meca e Medina. O Profeta designou vários companheiros como escribas para registrar os versículos assim que eram revelados. Mu’awiya ibn Abu Sufyan e Zaid bin Thabit estavam entre eles. A maioria dos versículos era registrada em pedaços de osso ou pergaminhos, já que o papel ainda não havia sido introduzido na região.
Muhammad ﷺ fez com que os escribas lessem os versículos de volta para ele após a escrita, para garantir que não houvesse erros. Para assegurar ainda mais a precisão, ele ordenou que nada mais fosse registrado nas folhas que continham a Escritura, nem mesmo suas palavras – hadith. Ele afirmou: “E quem quer que tenha escrito alguma coisa de mim que não seja o Alcorão deve apagá-la.” Esta medida visava evitar que outras palavras fossem acidentalmente adicionadas ao texto sagrado.
É fundamental entender que a forma principal de transmissão do Alcorão era oral. Na Arábia dos anos 600, a sociedade era predominantemente oral, e a capacidade de memorizar longos poemas e mensagens era altamente valorizada. Meca era um centro de poesia árabe, onde festivais anuais reuniam os melhores poetas da Península Arábica.
Nesse ambiente, a maioria dos companheiros memorizou o Alcorão. Sua natureza rítmica facilitou a memorização. O Alcorão não foi narrado apenas para alguns companheiros selecionados; ele foi ouvido e memorizado por centenas e milhares de pessoas, incluindo viajantes que chegavam a Medina.
Assim, capítulos e versículos se espalharam rapidamente durante a vida do Profeta ﷺ por toda a Península Arábica. Aqueles que ouviram os versículos do Profeta ﷺ os disseminaram entre tribos distantes, que também os memorizaram. O Alcorão alcançou um status literário conhecido entre os árabes como mutawatir, o que significa que foi tão amplamente difundido entre diferentes grupos que todos tinham a mesma formulação, tornando improvável que alguém o falsificasse.
Coleção Após a Morte do Profeta
Até agora, vimos que a forma como o Alcorão foi ensinado aos companheiros do Profeta ﷺ impediu que sua proteção ficasse nas mãos de apenas algumas pessoas. À medida que os versículos se espalharam pelo mundo islâmico, tornou-se impossível que fossem mudados sem que muçulmanos em outras partes do mundo notassem e corrigissem.
Durante a vida do Profeta Muhammad ﷺ, o anjo Jibril (Gabriel) recitava o Alcorão inteiro com ele uma vez por ano durante o Ramadan. Quando a revelação do Alcorão foi concluída perto do fim da vida do Profeta, ele garantiu que vários companheiros soubessem todo o texto de cor.
Durante os reinados dos primeiros califas, surgiu a necessidade de compilar todos os versículos em um único livro. Assim, o primeiro califa, Abu Bakr, que governou de 632 a 634, ordenou a criação de uma comissão sob a liderança de Zaid bin Thabit para reunir todas as partes escritas do Alcorão que estavam espalhadas pela comunidade muçulmana. O objetivo era coletar tudo em um livro central para preservá-lo, caso o número de pessoas que memorizavam o Alcorão diminuísse.
Zaid era muito meticuloso em relação aos versículos. Devido à responsabilidade de não alterar as palavras do Alcorão, ele aceitou apenas fragmentos que foram escritos na presença do Profeta ﷺ e exigiu a confirmação de duas testemunhas. O Alcorão foi recolhido e comparado com a versão memorizada, garantindo que não houvesse diferenças entre as versões escritas e orais.
Quando a tarefa foi concluída, um livro contendo todos os versículos foi compilado e apresentado a Abu Bakr, que o guardou nos arquivos do jovem estado muçulmano de Medina. É seguro supor que essa cópia correspondia exatamente às palavras que Muhammad ﷺ havia pronunciado, devido à ampla memorização do Alcorão em Medina, juntamente com as peças de pergaminho que foram escritas. Se houvesse discrepâncias, o povo de Medina teria levantado a questão, mas não há registros de oposição ao projeto de Abu Bakr ou seu resultado.
O Mus’haf de Uthman
Durante o califado de Uthman, entre 644 e 656, surgiu uma nova questão sobre o Alcorão: a pronúncia. Durante a vida do Profeta ﷺ, o Alcorão foi revelado em sete dialetos diferentes – qira’as. Esses dialetos diferem ligeiramente na pronúncia de algumas letras e palavras, mas o sentido geral não era mudado. A diversidade dos dialetos foi uma inovação para facilitar o aprendizado entre diferentes tribos da Península Arábica.
Com o crescimento da comunidade muçulmana e a chegada de pessoas de regiões como a Pérsia, Azerbaijão, Armênia e o Norte da África, surgiram confusões sobre a pronúncia. Uthman, ciente da situação, formou um grupo para organizar o Alcorão de acordo com o dialeto da tribo dos coraixitas (a tribo do Profeta) e disseminar o dialeto Qurayshi por todo o império.
A equipe de Uthman, incluindo Zaid bin Thabit, compilou o Alcorão em um livro, conhecido como mus’haf, utilizando manuscritos inéditos e as memórias dos melhores recitadores do Alcorão de Medina. Esse mus’haf foi comparado com a cópia que Abu Bakr organizou para assegurar que não houvesse discrepâncias.
Uthman, então, ordenou que várias cópias do mus’haf fossem feitas e enviadas para as províncias distantes do império, juntamente com recitadores que ensinavam o Alcorão. Com a compilação regular do Alcorão, não havia necessidade de fragmentos que as pessoas possuíam, e aqueles que ainda os tinham foram instruídos a destruí-los para evitar confusões futuras.
Embora orientalistas usem este incidente para tentar provar que havia discrepâncias que Uthman queria eliminar, essa é uma visão simplista do evento. A comunidade em Medina, incluindo muitos companheiros eminentes como Ali ibn Abi Talib, apoiou esse plano sem objeções. Se isso tivesse envolvido a eliminação de diferenças legítimas, certamente o povo de Medina teria se oposto ou até se revoltado contra Uthman, o que não ocorreu. Em vez disso, o mus’haf de Uthman foi aceito por toda a comunidade como autêntico e correto.
Conclusão
A proteção do Alcorão contra alterações é fundamentada em sua transmissão cuidadosa e na rigorosa abordagem dos companheiros do Profeta Muhammad ﷺ. A promessa de Allah, a memorização ampla e a cuidadosa compilação do texto sagrado durante e após a vida do Profeta garantiram que o Alcorão permaneça inalterado. As evidências apresentadas demonstram a autenticidade do Alcorão e a importância de sua preservação ao longo dos séculos.
Referências
- https://www.understanding-islam.com/
- Alcorão: Surat al-Hijr, versículo 9.
- Hadith: Coletado em Sahih al-Bukhari e Sahih Muslim.
- A History of the Quranic Text by Muhammad Mustafa Al-A’zami.
- The Transmission of the Quran by Abu Ammaar Yasir Qadhi.
- The Origins of the Quran: Classic Essays on Islam’s Holy Book edited by Ibn Warraq.
- https://www.islamicawareness.org/Quran/