Breve História do Islam – akh-Khulafá ar-Rashidun

Breve História do Islam – Por Dr. Khalid Alhamdy
akh–Khulafá Ar-Rashidun – Os Califas Bem Guiados (632-661 D.C.)
Prefácio
Com a morte de Muhammad (que a paz esteja com ele), a comunidade muçulmana foi confrontada com o problema da sucessão. Quem seria seu líder?
Califa – anglicizado como legatário – é uma palavra que significa “sucessor”, mas também sugere que seu papel histórico seria: governar de acordo com o Alcorão e a prática do Profeta.
Esses califas que verdadeiramente seguiram os passos do Profeta são chamados de “Os Califas Bem Guiados” (Al-Khulafa-ur Rashidun, em árabe). Eles são os primeiros quatro califas: Abu Bakr, ‘Umar, Uthman e Ali. Todos os quatro estavam entre os companheiros mais antigos e mais próximos do Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele). Eles viveram vidas simples e justas e lutaram muito pela religião de Deus. Sua justiça era imparcial, e seu tratamento para com os outros era bondoso e misericordioso.
Deve ser claramente entendido que a missão do Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele), e, portanto, a dos Califas bem guiados, não era política, social ou de reforma econômica, embora tais reformas foram consequência lógica do sucesso desta missão; nem era a unidade de uma nação e o estabelecimento de um império, embora a nação tenha se unido e vastas áreas ficaram sob uma administração; nem era a propagação de uma civilização ou cultura, embora muitas civilizações e culturas tenham se propagado; mas apenas de transmitir a mensagem de Deus a todos os povos do mundo e convidá-los a submeter a Ele, sendo o primeiro dentre aqueles que se submeteram.
Estes quatro Califas guiados governaram por 40 anos:
§ O primeiro Califa, Abu Bakr (632-634 DC)
§ O segundo Califa, ‘Umar (634-644 DC)
§ O terceiro Califa, Uthman (644-656 DC)
§ O quarto Califa, Ali (656-661 DC)
Eleição para o Califado
O companheiro mais próximo do Profeta, Abu Bakr, não estava presente quando o Profeta (que a paz esteja com ele) deu seu último suspiro no apartamento de sua amada esposa, Aisha, filha de Abu Bakr. Quando ele veio a saber do falecimento do Profeta, Abu Bakr, de tristeza, correu para a casa.
“Quão abençoada era sua vida e quão beatífica é a sua morte”
Ele sussurrou enquanto beijava a bochecha de seu amigo e amado mestre que se foi.
Quando Abu Bakr saiu do apartamento do Profeta e deu a notícia, a descrença e consternação tomou a comunidade de muçulmanos em Medina. Muhammad (saaws) tinha sido o líder, o guia e o portador da revelação divina através das quais tinham sido trazidos da idolatria e barbárie ao caminho de Deus. Como ele poderia morrer? Mesmo Umar, um dos mais fortes valentes dos Companheiros do Profeta, perdeu a compostura e desembainhou a espada e ameaçou matar qualquer um que dissesse que o Profeta estava morto. Abu Bakr gentilmente o empurrou para o lado, subiu os degraus do púlpito na mesquita e se dirigiu ao povo, dizendo:
“Ó povo, em verdade quem adorava Muhammad, eis que Muhammad está realmente morto. Mas quem adora a Deus, eis que Deus está vivo e nunca vai morrer.”
E então ele concluiu com um versículo do Alcorão:
“Mohammad não é senão um Mensageiro, a quem outros mensageiros precederam. Porventura, se morresse ou fosse morto, voltaríeis à incredulidade?” [Alcorão 3:144]
Ao ouvir estas palavras, o povo foi consolado. O desânimo cedeu lugar à confiança e tranquilidade. Este momento crítico havia passado. Mas a comunidade muçulmana foi agora confrontada com um problema extremamente grave: o de escolher um líder. Depois de alguma discussão entre os Companheiros do Profeta que se reuniram a fim de selecionar um líder, tornou-se evidente que ninguém era mais adequado para esta responsabilidade que Abu Bakr.
O Primeiro Califa, Abu Bakr (632-634 DC)
Abu Bakr era um comerciante bastante rico, e antes de abraçar o Islam, era um cidadão respeitado de Meca. Ele era três anos mais jovem do que Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) e alguma afinidade natural os unia desde a primeira infância. Ele se manteve o companheiro mais próximo do Profeta durante toda a vida do Profeta. Quando Muhammad fez o primeiro convite aos seus amigos e parentes mais próximos ao Islam, Abu Bakr estava entre os primeiros a aceitá-lo. Ele também convenceu Uthman e Bilal a aceitarem o Islam. Nos primeiros dias de missão do Profeta, quando um grupo de muçulmanos foi submetido à implacável perseguição e tortura, Abu Bakr suportou sua quota de dificuldades. Finalmente, quando veio a permissão de Deus para emigrar de Meca, ele foi o escolhido pelo Profeta para acompanhá-lo na perigosa viagem para Medina. Nas numerosas batalhas que tiveram lugar durante a vida do Profeta, Abu Bakr estava sempre ao seu lado. Uma vez, ele trouxe todos os seus pertences para o Profeta, que estava levantando dinheiro para a defesa de Medina. O Profeta perguntou “Abu Bakr, o que você deixou para sua família?” Veio a resposta: “Deus e Seu Profeta.”
Mesmo antes do Islam, Abu Bakr era conhecido por ser um homem de caráter reto, de natureza amável e compassiva. Durante toda sua vida ele foi sensível ao sofrimento humano e gentil com os pobres e desamparados. Mesmo sendo ele rico, viveu de maneira muito simples e gastou seu dinheiro para a caridade, para a libertação dos escravos e pela causa do Islam. Muitas vezes ele passava parte da noite em súplica e oração. Ele compartilhou com sua família uma vida familiar alegre e carinhosa.
O califado de Abu Bakr foi curto, mas importante. Um líder exemplar, viveu com simplicidade, cumpriu assiduamente as suas obrigações religiosas, e foi acessível e simpático com o seu povo. Mas ele também se manteve firme quando necessário.
Todo o discurso de abertura de Abu Bakr As-Siddiq (que Allah esteja satisfeito com ele) se encaixa em um parágrafo. Mas foi um discurso clássico e comovente. Ele tocou vários elementos críticos, incluindo administração, Justiça, relações entre o governante e os cidadãos, assuntos externos e domésticos.
Ele levantou-se no meio do povo e disse:
“Ó povo, eu fui nomeado por vós, embora eu não seja o melhor dentre vós. Se eu fizer o bem, então me ajudem; e se eu agir de forma errada, então me corrijam. Honestidade é sinônimo de corresponder a confiança, e a mentira é equivalente à traição. Os fracos entre vós são considerado fortes por mim, até que eu devolva-lhes o que é deles por direito, se Deus quiser. E os fortes entre vós são considerados fracos por mim, até que eu lhes tire o que é legitimamente (de outra pessoa), se Deus quiser. Nenhum grupo de pessoas abandona a batalha/armas no caminho de Deus, sem que Deus o faça sofrer humilhação. E a maldade/malícia não se torna generalizada entre um povo, sem que Deus os inflija com a calamidade generalizada. Obedeçam-me enquanto eu obedecer a Deus e Seu Mensageiro. E se eu desobedecer a Deus e Seu Mensageiro, então eu não tenho direito de vossa obediência. Levantem-se agora para orar, que Allah tenha misericórdia de vós.”
Como a propagação da notícia da morte do Profeta, uma série de tribos se rebelou e se recusou a pagar o Zakat, dizendo que ele era devido somente ao Profeta (saaws). Ao mesmo tempo, diversos impostores afirmaram que a missão profética tinha passado para eles depois de Muhammad e eles levantaram a bandeira da revolta. Adicionado a tudo isto, dois poderosos impérios, o Romano Oriental e o Persa, também ameaçaram o recém-nascido Estado islâmico em Medina.
Nestas circunstâncias, muitos companheiros do Profeta, inclusive Umar, aconselhou Abu Bakr a fazer concessões aos sonegadores do Zakat, pelo menos por um tempo. O novo Califa discordou. Ele insistiu que a Lei Divina não pode ser dividida, que não há distinção entre as obrigações do Zakat e Salat (oração), e que qualquer comprometimento das injunções de Deus acabaria por corroer os fundamentos do Islam. Umar e outros foram rápidos em perceber seu erro de julgamento. As tribos revoltosas atacaram Medina, mas os muçulmanos estavam preparados. O próprio Abu Bakr liderou o ataque, forçando-os a recuar. Ele então fez uma guerra implacável contra os falsos pretendentes à missão profética, a maioria dos quais se submeteram e novamente professavam o islam.
A ameaça do Império Romano na realidade tinha surgido mais cedo, durante a vida do Profeta. O Profeta havia organizado um exército sob o comando de Usama, filho de um escravo liberto. O exército não tinha ido longe quando o Profeta adoeceu de modo que pararam. Após a morte do Profeta foi levantada a questão se o exército deveria ser enviado novamente ou se deveria permanecer para a defesa de Medina. Novamente Abu Bakr mostrou uma firme determinação. Ele disse: “Vou mandar o exército de Usama em vias como requisitado pelo Profeta, mesmo que eu esteja sozinho.”
As instruções finais que deu a Usama estabeleciam um código de conduta na guerra que permanece insuperável até hoje. Parte de suas instruções ao exército muçulmano foi:
“Não sejam desertores, nem sejam culpados de desobediência. Não matem idosos, mulheres ou crianças. Não lesionem tamareiras e não cortem árvores de fruto. Não abatam quaisquer ovelhas ou vacas ou camelos exceto para se alimentar. Vocês encontrarão pessoas que passam a vida em mosteiros. Deixem-nos em paz e não os moleste.”
Abu Bakr foi também o bom líder que sempre se preocupava com seu povo e os ajudava em tudo o que fosse necessário, uma vez em um dos subúrbios de Medina vivia uma velha senhora cega que não tinha ninguém para ajudá-la. Umar (o segundo Califa) costumava ir disfarçado à casa da velha senhora, mas era sempre surpreendido ao descobrir que alguém o havia antecipado, e suprira as carências da velha senhora. Umar se sentiu muito angustiado por, nesta nobre tarefa de ajudar uma senhora em dificuldades, seus esforços serem sempre frustrados por outra pessoa. Umar se sentiu curioso para saber quem poderia ser essa pessoa que o superou no campo do serviço social.
Um dia, Umar foi até a casa da mulher idosa mais cedo do que o habitual e escondeu-se para observar quem era a pessoa que supria as necessidades da velha senhora.
Umar não teve que esperar muito tempo, logo chegou um homem que assistia as necessidades da mulher idosa, e este homem era ninguém menos que o Califa Abu Bakr. Umar sentiu-se aliviado que, se em matéria de serviço social ele fora derrotado por alguém, essa pessoa foi o Califa Abu Bakr, que era decididamente superior a ele.
Outra importante contribuição de Abu Bakr à causa do Islam foi a coleta e compilação dos versículos do Alcorão, Zaid bin Thabit definiu a execução da tarefa. Ele recolheu todas as partes escritas do Alcorão das páginas encontradas, pergaminhos e pedaços de couro e também ouviu muitas das pessoas que recitavam versos de suas memórias. Depois de ter cuidadosamente comparado e checado cada aia, ele compilou o Alcorão escrito em um único volume.
Abu Bakr morreu no dia 21 de Jamadi-al Akhir, ano 13 após a Hégira (23 Agosto, 634 d.C.), com a idade de sessenta e três anos, e foi enterrado ao lado do Profeta (saaws). Seu califado teve a duração de meros vinte e sete meses. No entanto, neste breve período, Abu Bakr conseguiu fortalecer e consolidar sua comunidade e o Estado, e proteger os muçulmanos contra os perigos que ameaçavam a sua existência.
O Segundo Califa, ‘Umar (634-644 DC)
Umar tinha vinte e sete anos quando o Profeta (saaws) proclamou sua missão. As ideias que Muhammad estava pregando o enfureciam tanto quanto aos outros notáveis de Meca. Ele era tão cruel contra qualquer pessoa que aceitasse o Islam quanto outros entre os coraixitas. Quando sua escrava aceitou o Islam, ele a espancou até que ele mesmo exausto lhe disse: “Eu parei, porque estou cansado, não por piedade de você.” A história de sua aceitação ao Islam é interessante. Um dia, cheio de raiva contra o Profeta, ele sacou a espada e partiu para matá-lo. Um amigo o encontrou no caminho. Quando ‘Umar disse a ele o que ele planejava fazer, seu amigo lhe informou que “a própria irmã de Umar, Fátima, e seu marido também haviam aceitado o Islam.” ‘Umar foi direto para a casa de sua irmã, onde a encontrou lendo das páginas do Alcorão. Ele caiu sobre ela e a espancou sem piedade. Machucada e sangrando, ela disse ao irmão, “Umar, você pode fazer o que quiser, mas não pode voltar nossos corações para longe do Islam”. Essas palavras produziram um efeito estranho sobre ‘Umar. O que era essa fé que fazia até mesmo das mulheres fracas tão fortes de coração? Ele pediu a sua irmã para lhe mostrar o que ela estava lendo; ele foi imediatamente tocado no âmago pelas palavras do Alcorão e imediatamente compreendeu a verdade. Ele foi direto até a casa onde o Profeta estava hospedado e jurou fidelidade a ele.
Durante sua última enfermidade Abu Bakr conferenciou com o seu povo, sobretudo os mais eminentes dentre eles. Após esta reunião eles escolheram ‘Umar como seu sucessor. ‘Umar nasceu em uma família coraixita respeitada, esta família era conhecida por seu extenso conhecimento de genealogia. Quando cresceu, ‘Umar foi proficiente neste ramo do conhecimento, bem como na esgrima, luta livre e na arte de falar. Ele também aprendeu a ler e escrever ainda criança, uma coisa muito rara em Meca naquele tempo. ‘Umar ganhava a vida como comerciante. Seu comércio o levou a muitas terras estrangeiras e se encontrou com todos os tipos de pessoas. Esta experiência deu-lhe uma visão sobre os assuntos e problemas dos homens. A personalidade de ‘Umar era , autoafirmativa, franca e direta. Ele sempre falou tudo o que estava em sua mente, mesmo se isso desagradasse aos outros.
Depois de assumir o comando de sua função, ‘Umar falou aos muçulmanos de Medina:
“…Ó povo, vós tens direitos sobre mim que sempre podem reivindicar. Um dos vossos direitos é que se alguém dentre vós vem a mim com uma reclamação, deve sair satisfeito. Outro dos vossos direitos é que podeis exigir que eu não tome nada injustamente das receitas do Estado. Também podeis exigir que… Eu fortaleça vossas fronteiras e não vos ponha em risco. Também é um direito vosso que se ides para a batalha eu devo cuidar de vossas famílias como um pai quando estiverdes ausente. “Ó povo, permanecei conscientes de Deus, me perdoem meus erros e me auxiliem na minha tarefa. Ajudem-me em fazer cumprir o que é bom e proibir o que é mau. Aconselhem-me em relação às obrigações que a mim foram impostas por Deus…”
A característica mais notável do califado de ‘Umar foi a grande expansão do Islam. Além da Arábia Saudita, Egito, Iraque, Palestina e Irã também vieram sob a proteção do governo islâmico. Mas a grandeza de ‘Umar por si mesmo estava na qualidade de seu governo. Ele deu um sentido prático à injunção do Alcorão:
“Ó fiéis, sede firmes em observardes a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los.” [Alcorão 4:135].
Uma vez uma mulher apresentou uma queixa contra o Califa ‘Umar. Quando ‘Umar apareceu no julgamento perante o juiz, o juiz levantou-se como um sinal de respeito para com ele. ‘Umar o repreendeu, dizendo: “Este é o primeiro ato de injustiça que cometes contra essa mulher!”
Ele insistia que seus governadores nomeados vivessem uma vida simples, não mantivessem nenhum guarda em suas portas e fossem acessíveis às pessoas em todos os momentos, e ele mesmo deu o exemplo para eles. Muitas vezes os estrangeiros e mensageiros enviados a ele por seus generais o encontraram descansando embaixo de uma palmeira ou rezando na mesquita no meio do povo, e era difícil para eles distinguir qual homem era o Califa. Ele passou muitas noites vigilante indo pelas ruas de Medina observando se alguém precisava de ajuda ou assistência. O tom social e moral geral da sociedade muçulmana naquele tempo é bem ilustrado pelas palavras de um egípcio que foi enviado para espionar os muçulmanos durante a sua campanha egípcia. Ele relatou:
“Eu vi um povo, dos quais todos amam a morte mais do que amam a vida. Eles cultivam a humildade ao invés do orgulho. Ninguém é dado às ambições materiais. Seu modo de vida é simples… Seu comandante é igual a eles. Eles não fazem nenhuma distinção entre superior e inferior, entre mestre e escravo. Quando a hora da oração se aproxima, ninguém fica para trás…”
‘Umar deu ao seu governo uma estrutura administrativa. Departamentos de tesouraria, exército e receitas públicas foram estabelecidos. Salários regulares foram criados para os soldados. Um censo da população foi realizado. Foram elaborados levantamentos de terra para avaliar os impostos equitativos. Novas cidades foram fundadas. As áreas que passaram a estar sob o seu governo foram divididas em províncias e governadores foram nomeados. Novas estradas foram construídas, canais foram removidos e hotéis de beira de estrada foram construídos. Foi prevista provisão para dar suporte aos pobres e necessitados com fundos públicos. Ele definiu, por preceito e modelo, os direitos e privilégios dos não muçulmanos, um exemplo disso é o seguinte contrato com os cristãos de Jerusalém:
“Esta é a proteção que o servo de Deus, ‘Umar, o governante dos crentes concedeu ao povo de Eiliya [Jerusalém]. A proteção é para suas vidas e propriedades, suas igrejas e cruzes, seus doentes e saudáveis e para todos os seus correligionários. Suas igrejas não devem ser utilizadas para habitação, nem devem ser demolidas, nem qualquer prejuízo deve ser feito para elas ou seus compostos, ou seus cruzamentos, nem suas propriedades devem ser feridas de qualquer maneira. Não haverá nenhuma compulsão para essas pessoas em matéria de religião, nem qualquer um deles deve sofrer qualquer prejuízo por conta da religião… Tudo o que for escrito aqui é sob a aliança de Deus e da responsabilidade do Seu Mensageiro, dos Califas e dos crentes e são válidas, desde que paguem o Jizya [o imposto para sua defesa] que lhes foi imposto.”
Os não muçulmanos que participaram da defesa juntamente com os muçulmanos estavam isentos do pagamento do Jizya, e quando os muçulmanos se retiravam de uma cidade cujos cidadãos não muçulmanos tinha pago este imposto para a sua defesa, o imposto era devolvido aos não muçulmanos. Os idosos, os pobres e as pessoas com deficiência, muçulmanos ou não muçulmanos, recebiam provisão a partir do erário público e dos fundos do Zakat. Ainda mais surpreendentemente, o estado muçulmano administrou os territórios conquistados com uma tolerância praticamente desconhecida naquela época. Em Damasco, por exemplo, o líder muçulmano Khalid ibn al-Walid assinou um tratado que diz o seguinte:
Isto é o que Khalid ibn al-Walid concede aos habitantes de Damasco, se entrar em seu território: ele promete dar-lhes segurança para as suas vidas, propriedades e igrejas. O muro de sua cidade não será demolido, nem qualquer muçulmano se instalará em suas casas. Damos a eles o pacto de Allah e a proteção de Seu Profeta, dos Califas e dos crentes. Enquanto pagarem o tributo, nada, além do bem recairá sobre eles.
Esta política se provou bem sucedida em todos os lugares. Na Síria, por exemplo, muitos cristãos que tinham sido envolvidos em disputas teológicas amargas com as autoridades bizantinas e perseguidos por eles receberam com prazer a chegada do Islam como um fim à tirania. E no Egito, que ‘Amr ibn al-‘As tomou dos bizantinos depois de uma marcha ousada em toda a Península do Sinai, os cristãos cópticos não só acolheram os árabes, mas entusiasticamente os ajudaram.
Império do Califa ‘Umar em seu auge em 644 DC
‘Umar, que serviu como Califa por dez anos, terminou seu governo com uma vitória significativa sobre o Império Persa. A luta com o reino Sassânida começou em 687 em al-Qadisiyah, perto de Ctesifonte no Iraque, onde a cavalaria muçulmana tinha lidado com sucesso com os elefantes usados pelos persas como uma espécie de tanque primitivo. Agora, com a Batalha de Nihawand, a chamada “Conquista das Conquistas”, ‘Umar selou o destino da Pérsia; doravante, seria uma das províncias mais importantes do Império muçulmano.
Seu califado foi um ponto alto no início da história islâmica. Ele era conhecido por sua justiça, ideais sociais, administração e sentido de Estado. Suas inovações deixaram marcas permanentes sobre o bem-estar social, a tributação e a estrutura financeira e administrativa do crescente império.
O terceiro Califa, Uthman (644-656 DC)
Uthman bin Affan nasceu sete anos depois do Profeta (saaws). Ele pertencia aos Umayyad da tribo Quraish. Ele aprendeu a ler e escrever em uma idade adiantada, e ainda jovem tornou-se um comerciante bem sucedido. Mesmo antes do Islam, Uthman era notado por sua veracidade e integridade. Ele e Abu Bakr eram amigos íntimos, e foi Abu Bakr, que o levou ao Islam quando tinha trinta e quatro anos de idade. Alguns anos mais tarde ele se casou com a segunda filha do Profeta, Ruqayya. Apesar de sua riqueza e posição, seus parentes torturaram-no porque ele tinha abraçado o Islam, e ele foi forçado a emigrar para Abissínia.
Algum tempo depois ele voltou para Meca, mas logo migrou para Medina com os outros muçulmanos. Em Medina o negócio outra vez começou a florescer e ele recuperou a sua antiga prosperidade. A generosidade de Uthman não tinha limites. Em várias ocasiões, ele gastou grande parte de sua riqueza com o bem-estar dos muçulmanos, com a caridade e para equipar os exércitos muçulmanos. É por isso que ele veio a ser conhecido como “Ghani” que significa “generoso”.
Após a morte de ‘Umar um conselho consultivo composto por Companheiros do Profeta escolheu como o terceiro Califa ‘Uthman ibn ‘Affan, amigo do Profeta, e o terceiro dos quatro Sucessores Bem Guiados do Profeta.
Durante o governo de Uthman, as características dos califados de Abu Bakr e de Umar – justiça imparcial para todos, políticas moderadas e humanas, esforço no caminho de Deus, e a expansão do Islam – continuaram. O reino de Uthman se estendida no oeste até Marrocos, no leste até o Afeganistão, e no norte, até Armênia e Azerbaijão. Durante seu califado, a marinha foi organizada, as divisões administrativas do estado foram revisadas e muitos projetos públicos foram expandidos e concluídos. Uthman enviou Companheiros proeminentes do Profeta (saaws) como seus adjuntos pessoais para várias províncias para fiscalizar a conduta dos funcionários e a condição das pessoas.
Uthman conseguiu muito durante o seu reinado. Ele avançou com a pacificação da Pérsia, continuou a defender o estado muçulmano contra os bizantinos, acrescentou ao império o que é hoje a Líbia, e dominou a maior parte da Armênia. ‘Uthman também, por meio de seu primo Mu’awiyah ibn Abi Sufyan, o governador da Síria, fundou a marinha árabe que combateu uma série de compromissos importantes com os bizantinos.
Nos anos 650, Uthman acabou com o Império Sassânida e continuou sua expansão bem sucedida em territórios do Império Romano Oriental. Em 645, Abdullah ibn Saad foi feito governador do Egito por seu irmão adotivo Rashidun Califa Uthman, substituindo o semi-independente Amr ibn al-Aas. Uthman permitiu que Mu’awiyah invadisse a ilha de Chipre em 649 e para o sucesso dessa campanha preparou o palco para a realização de atividades navais pelo Governo do Egito. Abdullah ibn Saad construiu uma marinha forte e provou ser um comandante naval qualificado. Sob seu comando a marinha muçulmana teve uma série de vitórias navais, incluindo repelir um contra-ataque bizantino em Alexandria em 646.
Em 655, Mu’awiyah empreendeu uma expedição na Capadócia, enquanto sua frota, sob o comando de Abdullah ibn Saad, avançou ao longo da costa sul da Anatólia. Parece que o Imperador Constans considerou a parte naval da invasão o mais perigoso, pois ele embarcou contra este com uma grande frota.
A batalha dos Mastros ou Batalha de Fênix foi uma batalha naval fundamental travada em 655 entre os muçulmanos, liderada por Abdullah bin Sa’ad bin Abi’l Sarh e a frota bizantina sob o comando pessoal do Imperador Constans II. Neste tipo de guerra os muçulmanos impuseram superioridade. A batalha de Fênix foi uma batalha naval crucial e um marco na história do Islam. Os muçulmanos se alegraram com a sua primeira vitória naval, e se tornaram uma potência naval.
A contribuição mais notável de Uthman à religião de Deus foi a elaboração de um texto completo e oficial do Alcorão. Um grande número de cópias deste texto foi feito e distribuído em todo o mundo muçulmano.
Uthman governou por doze anos. Os primeiros seis anos foram marcados pela paz interior e tranquilidade, mas durante a segunda metade de seu califado houve uma rebelião.
O retrato que temos de Uthman é de um homem despretensioso, honesto, moderado, generoso e muito gentil, conhecido especialmente por sua modéstia e sua piedade. Muitas vezes ele passou parte da noite em oração, jejuava cada dois ou três dias, realizada Hajj todos os anos, e cuidava dos necessitados de toda a comunidade. Apesar de sua riqueza, ele vivia de maneira muito simples e dormia na areia nua no pátio da mesquita do Profeta. Uthman sabia o Alcorão na memória e tinha um conhecimento íntimo do contexto e circunstâncias relacionadas com cada verso.
O Quarto Califa, Ali (656-661 DC)
Ali bin Abi Talib era primo primeiro do Profeta (que a paz esteja com ele). Mais do que isso, ele tinha crescido na própria casa do Profeta, mais tarde, se casou com sua filha mais nova, Fátima, e permaneceu na mais estreita associação com ele por quase trinta anos.
Depois do martírio de Uthman, o posto do califado ficou vago por dois ou três dias. Muitas pessoas insistiram em que Ali deveria assumir o cargo, mas ele estava retraído pelo fato de que as pessoas que mais o pressionavam eram os rebeldes, e ele, portanto, recusou inicialmente. No entanto, quando os notáveis companheiros do Profeta (saaws) lhe pediram, finalmente concordou.
O assassinato de Uthman e os eventos que o cercaram foram um sinal, e também se tornaram uma causa de discussão civil em grande escala. Ali sentiu que a trágica situação deveu-se principalmente aos governadores inaptos. Então, ele demitiu todos os governadores que tinham sido nomeados por Uthman e nomeou novos. Todos os governadores com exceção de Muawiya, o governador da Síria, se submeteram às suas ordens. Muawiya se recusou a obedecer até que o sangue de Uthman fosse vingado.
A situação no Hijaz (a parte da Arábia em que Meca e Medina estão localizadas) tornou-se tão perturbada que Ali mudou a capital para o Iraque. Muawiya agora abertamente se rebelou contra Ali e uma feroz batalha foi travada entre os seus exércitos. Esta batalha foi inconsequente, e Ali teve que aceitar o governo de facto de Muawiya na Síria. No entanto, embora a era do califado de Ali tenha sido marcada por conflitos civis, ele conseguiu introduzir uma série de reformas, particularmente na cobrança e arrecadação de receitas.
Era o quadragésimo ano depois da Hégira. Um grupo de fanáticos chamado Kharijites, composta por pessoas que tinham rompido com Ali devido ao seu compromisso com Muawiya, afirmou que nem Ali, o Califa, nem Muawiya, o governador da Síria, nem Amr bin al-Aas, o governador do Egito, eram dignos de governar. Na verdade, eles foram tão longe a ponto de dizer que o verdadeiro califado tinha chegado ao fim com ‘Umar e que os muçulmanos deveriam viver sem qualquer governante acima deles, exceto Deus. Eles juraram matar os três governantes, e os assassinos foram enviados em três direções. Os assassinos que foram incumbidos de matar Muawiya e Amr não tiveram êxito e foram capturados e executados, mas Ibn-e-Muljim, o assassino que foi contratado para matar Ali, cumpriu sua tarefa. Certa manhã, quando Ali estava absorto em oração em uma mesquita, Ibn-e-Muljim o apunhalou com uma espada envenenada.
Com a morte de Ali, a primeira e mais notável fase da história dos povos muçulmanos chegou ao fim. Durante todo este período, foi o Livro de Deus e as práticas de Seu Mensageiro – ou seja, o Alcorão e a Sunnah – que guiaram os líderes e liderados, que estabeleceram as normas da sua conduta moral e inspiraram suas ações. Foi o momento em que o governante e os governados, os ricos e os pobres, os poderosos e os fracos, foram uniformemente sujeitos à Lei Divina. Era uma época de liberdade e igualdade, da consciência de Deus e da humildade, da justiça social que não admitia nenhum privilégio, e de uma lei imparcial que não aceitava nenhuma pressão de grupos ou interesses escusos.
Por Dr. Khalid al Hamady
Leia a primeira parte deste artigo: História do Islam – a época do Profeta (período histórico anterior) e Os Omíadas (período posterior)