Shaykh-ul-Islam Ibn Taymiyyah (rahimahullah) foi perguntado, em relação à declaração do Profeta (sallalahu ‘alayhi wa salaam): “Quem quer que possua um átomo sequer de orgulho (kibr) em seu coração não entrará no Paraíso” – Este hadith é válido somente para os crentes ou (é específico apenas) para os incrédulos? Digamos que ele seja específico para os crentes, então, a nossa declaração não seria trivial considerando o fato de que os crentes entrarão no Paraíso devido ao seu Imaan? Se, por outro lado, dissessemos que este hadith é específico para os incrédulos, então qual é a relevância da declaração (já que é notório que os incrédulos não entrarão no Paraíso)?
Ele (rahimahullah) respondeu:
(Outro) relato autêntico (desta versão particular do) hadith é: “Qualquer um que possua metade de um grão de mostarda de orgulho (kibr) em seu coração não será concedida a admissão no Paraíso. E qualquer um que possua metade de um grão de mostarda de Imaan não entrará no Fogo (eterno).”[1]
Kibr que inteiramente se opõe e nega o Imaan, resulta em banimento (impedimento) daquele que o detém de entrrar em al-Jannah, como se encontra na afirmação de Allah:
“E vosso Senhor disse: “Suplicai-Me, Eu vos atenderei. Por certo, os que se ensoberbecem diante de Minha adoração entrarão na Geena, humilhados.” [Surah Ghaafir: 60]
Este é o kibr de Iblees, (o diabo), Faraó e todos os outros que o possuíram, e que invalidou o Imaan. Este é também o kibr dos judeus e daqueles a quem Allah nos descreve ao dizer:
“E, será que cada vez que um Mensageiro vos chegava, com aquilo pelo que vossas almas não se apaixonavam, vós vos ensoberbecíeis? Então, a um grupo desmentíeis, e a um gmpo matáveis.” [Surah Al-Baqarah: 87]
Al-kibr, em sua totalidade, opõe-se abertamente aos fundamentos do al-Imaan. Da mesma maneria, aquele que possuir o peso de um átomo de kibr em seu coração não agirá de acordo com o que Allah prescreveu, nem abster-se-à do que Allah proibiu. Antes, o seu kibr resultará na recusa e na rejeição da verdade, incutindo-lhe o desprezo pelos outros. Essa é precisamente a definição explicativa de al-kibr, dada pelo Profeta (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam), como se encontra na versão completa do hadith em tela (“Quem quer que possua o peso de um átomo de kibr em seu coração não será admitido no Paraíso”).
Ele, (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) foi perguntado:
“(Mas), Oh Mensageiro de Allah! Um homem gosta de ter roupas e calçados bonitos. Isto está incluído em kibr? Ele (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) respondeu: “Não, Allah é Belo e ama a Beleza. Kibr é a rejeição da verdade (Batrul-Haqq) e condescendência de outros (waa ghaamtun-nass) ” [2]
A afirmação “Batarul-Haqq” denota desprezo e rejeição da Verdade, enquanto que “ghaamtun-naas” indica desprezo e condescendência de outros dentre a humanidade.
Portanto, aquele que possui metade de uma semente de mostarda disso (kibr), rejeita a Verdade a qual foi ordenado a aceitar e agir de acordo. Ao mesmo tempo, o kibr incute nele um senso de condescendência que inculca no indivíduo comportamento opressivo produzindo transgressão sobre o direito dos outros.
Aquele que negligencia suas obrigações (devido a sua rejeição a elas) e é opressivo com as outras criaturas, não é dos moradores do Jannah (enquanto estiver neste estado) ou merecedor dele. Ao contrário, tal indivíduo é para ser contado dentre os que estão ameaçados de punição!
Sua (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) afirmação: “Quem quer que possua um átomo de kibr em seu coração não lhe será garantida a admissão no Paraíso”, implica que o indivíduo não é do povo do Jannah e não é merecedor dele. Mas, se ele se arrepender ou se possuir hasaanaat (boas ações) que expiem seus pecados, ou Allah tenha lhe dado ibtillah (testes e provas) na forma de calamidades, expurgando-os (os pecados) ou coisas parecidas; então para este indivíduo a recompensa do kibr – a qual originalmente era uma barreira para que entrasse no Jannah – é eliminada e ele ganha a admissão (nele). Similarmente, Allah, devido à Graça Divina, pode perdoar o indivíduo (do pecado do) kibr. [3]
Ninguém entrará no Paraíso enquanto possuir o peso de um átomo de kibr. Como resultado, aqueles (eruditos) discutindo este e outros ahadeeth de tema similar, afirmaram:
“Admissão incondicional (no Paraíso) – que não está em conjunto com a punição (pelo pecado de kibr) – é o que se nega neste hadeeth, e não a admissão ao Jannah que é garantida àqueles que entraram no Fogo (para serem limpos e purificados) e então foram permitidos entrar no Paraíso. (Por outro lado) se um hadith explicitamente declara que uma pessoa em particular está no Jannah ou que uma pessoa em particular é do povo do Jannah, fica subentendido que ele entrará no Jannah e não no Fogo (de antemão) ”
Após este esclarecimento compreendemos o verdadeiro sentido dessas narrações, que aquele que possuir o peso de um átomo de kibr em seu coração não é do povo do Paraíso (até aquele momento) e que não ganhará admissão a ele sem ser punido (pelos seu pecado). Certamente ele merece punição – devido à enormidade do pecado – similar àqueles que cometem os pecados maiores (kabaa’ir). Allah o punirá com o Fogo enquanto assim quiser, mas ninguém dentre o povo de tawheed permanecerá no Fogo eternamente.
Esta deve ser a nossa forma de entender todos os ahadith de significados parecidos. Este entendimento deve ser aplicado quando procuramos o sentido de sua (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) afirmação:
“Aquele que corta os laços de parentesco não entrará no Jannah” [4] ou “Não entrareis no Jannah até que creias. E jamais sereis verdadeiros crentes até que amem uns aos outros. Devo informar-vos sobre aquilo que se fizerdes estareis (verdadeiramente) amando uns aos outros? Espalhem a saudação de Salaam entre vós.”
Este é o entendimento que devemos ter ao ponderarmos sobre os ahadith que contenham ameaça de punição. Desta maneira entendemos que o hadith é genérico [não se refere a um grupo em particular] e pode ser atribuído a ambos, incrédulos e muçulmanos.
Se alguém dissesse: “Todos os muçulmanos entrarão no Jannah devido ao seu Islam”, a resposta seria que nem todos os muçulmanos entrarão no Jannah sem antes serem punidos. Certamente as pessoas que foram prenunciadas (com a punição na Outra Vida devido a seus pecados) entrarão no Fogo e permanecerão ali pelo período que Allah assim desejar, ainda que não sejam incrédulos. O indivíduo que tenha Imaan coincidindo com pecados maiores poderá entrar no Fogo e sair dele como resultado da shafaa’ah (intercessão) do Profeta (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) ou por outros meios relatados, conforme articulado pelo Profeta (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) quando disse: “Minha shafaa’ah é por aqueles dentre a minha Ummah que cometeram pecados maiores”[5]
E ele (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam) disse como foi reportado no Saheeh: “ Eu tirarei do Fogo aquele que possuir [o equivalente] a metade de uma semente de mostarda de Imaan” [6]
Assim, entendemos que o que está reservado para aqueles a quem Allah tem ameaçado de punição – o assassino, fornicador/adúltero, aquele que consome intoxicantes, aquele que se apropria indevidamente das posses dos órfãos, o que testemunha falsidade e outros que cometerem pecados maiores. Eles – ainda que não sejam incrédulos – não são merecedores do Jannah, que lhes fora prometido (como muçulmanos), sem primeiro serem (limpos e purgados através da) punição.
A madh-hab (caminho e crença) dos Ahlus-Sunnah wal-Jamma’ah é que os Foosaaq (pecadores desviantes) dentre os muçulmanos não serão punidos eternamente no fogo, como dito pelos Khawaarij[7] e Mu‘tazilah[8]. Eles não são completos na sua religião (deen) , Imaan e obediência a Allah[9]. Eles têm boas e más ações que necessitam de uma medida de punição e recompensa. Esta é uma dissertação concisa sobre o assunto.
Notas de rodapé:
[1] Nota do Tradutor: Relatado por Imam Muslim, Abu Dawood e At-Tirmidhi na autoridade de Ibn Mas’ood. Veja Islaah al-Masaajid, verificado por Shaykh Al-Albaani rahimahullaah.
[2] Nota do Tradutor: Relatado por Imam Muslim (54), Ibn Khuzaymah, Abu Dawood, At-Tirmidhi e Ibn Sa’d na autoridade de Ibn Mas’ood. At-Tabaraanee relata sob a autoridade de ‘Abdullah bin Salaam
[3] Nota do Tradutor: Allah o Altíssimo diz na Surah an-Nisaa 4:48:
“Deus jamais perdoará a quem Lhe atribuir parceiros; porém, fora disso, perdoa a quem Lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Deus cometerá um pecado ignominioso”. Por certo, Allah não perdoa que Lhe associem outra divindade, e perdoa tudo o que for, afora isso, a quem quer. E quem a associa a Allah, com efeito, forjará formidável pecado.”
[4] Nota do Tradutor: Relatado por Imam Muslim (1765 – abreviado) al-Hakim, al-Bayhaqee, Abu Dawood e at-Tirmidhi na autoridade de Jubayr bin Mut’aam.
[5] Nota do Tradutor: Vide o Capítulo “Shafaa’ah para o Povo dos Pecados Maiores” (Pg 61-108.), no livro altamente benéfico do Muhaddith de renome mundial, Shaykh Muqbil bin Haadi al-Waadi’ee (rahimahullaah) intitulado “Ash-Shafaa’ah”. No capítulo o Shaykh relata setenta e seis (76) ahaadith mostrando que aqueles que cometem os pecados maiores não são excluídos do shafaa’ah do Mensageiro de Allah (sallAllaahu ‘alayhi wa sallam). Este hadith em particular pode ser encontrado no livro, na página 85, hadith número 56. Shaikh Abu ‘Abdir-Rahmaan Muqbil bin Haadi relata que o hadith é recolhido por at-Tirmidhi (v. 4, pg. 45) sob a autoridade de Anas e Jaabir. Em seguida, ele afirma: “E este hadith é hasan saheeh ghareeb (bom e autêntico, porém escasso nesta modalidade). O hadith é relatado por Ibn Khuzaymah (pg. 270, Ibn Hibbaan como é afirmado no Mawrid, e al-Hakim (vol 1, pg 69..) Disse (pg 270). (Pg 640).: “Este hadith é Hasan Saheeh Ghareeb (bom e autêntico e cumpre com o requisitos estabelecidos por Al-Bukhari e Muslim, embora eles não o tenham narrado”. Mais tarde Shaykh Muqbil escreveu: “Al-Haafidh Ibn Katheer disse em seu tafseer (vol. 1, p. 487) que a sua cadeia de narração é saheeh e cumpre os requisitos estabelecidos por Al-Bukhari e Muslim.” O Shaykh, em seguida, leva-nos passo a passo através da cadeia de narração e prova convincentemente que o hadith não cumpre os requisitos de Al-Bukhari e Muslim, devido à presença de Mu’aamar reportando de Thaabit. [nesta cadeia de transmissão]. Para análises detalhadas, vide pp. 85-88. No livro “Sahee al-Jaami” do Shaykh al-Albaani, ele declara o hadeeth saheeh, na autoridade de Jaabir, Ibn ‘Abbas, Ibn ‘Umar, Ka’b bin ‘Airah e Anas.
[6] Nota do tradutor: Este é um segmento do famoso hadith de shafaa’ah coletado por Al-Bukhari (Vol 13, p. 472)
[7] Nota do Tradutor: Khawaarij é o plural de Kharijee – Eles são aqueles que declaram que um muçulmano se torna descrente por apenas cometer um pecado maior .
[8] Nota do tradutor: Os Mu’tazilah consideram mushrik aquele que não concorda com a sua compreensão de tawheed (7 princípios falsos). Eles acreditam que os pecadores que são muçulmanos estarão em um lugar entre Jannah e o Fogo. Suas crenças são construídas sobre falsas deduções lógicas que os levaram a negar muitos dos Nomes e Atributos de Allah. Eles foram o grupo desviante que se opuseram ao Imaam dos Ahlus-Sunnah, Ahmad Ibn Hanbal, por falsa alegação de que o Alcorão é criado e não a Palavra de Allah.
[9] Nota do tradutor: Os Murji’ah acreditam que os pecados, maiores ou menores, não afetam a fé e que o Imaan não aumenta nem diminui. Eles afirmam que as ações não fazem parte da fé e que as pessoas não variam em fé.
Fonte: Abdurrahman.Org