Vamos Resgatar a Dignidade do “Inshaa Allah” Aprendendo a Dizer ‘Não’

A famosa frase “in shaa Allah”, Se Deus quiser, tornou-se manchete há alguns anos quando um rapaz foi retirado de um avião por dizê-la em voz alta, enquanto falava com seu tio ao telefone, e ela foi entendida como ‘uma ameaça em potencial’.
O que se seguiu foi um grande interesse na frase “in shaa Allah”, que levou a um artigo do New York Times chamado “In shaa is Good for Everyone” (em livre adaptação “In shaa Allah é Bom para Todos”), onde o escritor, Wajahat Ali, mostra a triste realidade que esta palavra veio a significar estes dias:
“Mais comumente, o In shaa Allah é usado em comunidades de maioria muçulmana para escapar da introspecção, esforço e planejamento estratégico e terceirizar essas responsabilidades para um ser onipotente, que de alguma forma, em algum momento, intervirá e consertará nossos problemas coletivos.”
Se você perguntar a qualquer não-muçulmano que viveu em um país de maioria muçulmana, eles diriam o quanto temem ouvir a frase “In shaa Allah” de autoridades do governo ou colegas, porque acreditam que isso não acontecerá. Eu até me lembro de um colega não muçulmano gritando com alguém, dizendo “Não, eu não quero ouvir In shaa Allah! Diga-me, você vai fazer isso ou não?” Em que, a resposta foi “In sha Allah”!
Então, como o In shaa Allah se transformou nesse status e tornou-se tão abusado e mal-usado? Qual é o verdadeiro significado da palavra in shaa Allah e a história por trás dela? Como podemos restaurar seu status ao devido e respeitoso lugar? É nisso que nos aprofundaremos neste artigo, in shaa Allah.
A história por trás do in shaa Allah
Em seus primeiros anos de pregação, o Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) enfrentou muita hostilidade e acusações das tribos locais em Meca, que estavam cansadas da sua nova mensagem da Unicidade de Deus. Ele foi chamado de mentiroso, louco, mágico, e os habitantes de Meca continuaram tramando maneiras de parar sua mensagem.
Um desses complôs incluiu uma visita às tribos judaicas que se estabeleceram na Arábia e pediram que verificassem as credenciais desse novo profeta. Os habitantes de Meca – embora fossem pagãos – acreditavam que os judeus eram o povo do Livro e tinham escrituras de Deus. Então, os líderes judeus deram aos Mecanos um teste decisivo: 3 perguntas que eles deveriam fazer ao novo Profeta. Se ele as respondesse, então ele era um verdadeiro Profeta. Caso contrário, ele era um mentiroso.
Os habitantes de Meca estavam em êxtase! Finalmente, eles pensaram que poderiam encurralar o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele) e fazer perguntas para as quais ele não saberia as respostas, já que ele não era do povo do Livro e era analfabeto. As perguntas foram:
1. Conte-nos sobre os jovens que entraram na caverna
2. Conte-nos sobre um homem que viajou de Leste a Oeste
3. Conte-nos sobre a alma.
Quando o Profeta foi perguntado sobre essas 3 perguntas. Ele respondeu: “Vou informá-lo amanhã”. E ele não adicionou a frase “in shaa Allah”.
Durante 15 dias, nenhuma revelação chegou ao Profeta Muhammad e a hostilidade contra ele se intensificou. “Veja! Nós te dissemos! Ele é um mentiroso! Ele não sabe as respostas para as perguntas – ele disse que nos contaria amanhã! E já faz 15 dias!” Os habitantes de Meca se regozijaram.
No 15º dia, um belo capítulo do Alcorão, que os muçulmanos são encorajados a ler toda sexta-feira (surat al-kahf), foi revelado ao Profeta e ele respondeu as perguntas, e passando no teste. (Tafsir Ibn Kathir, part 4, págs 9-10)
Aqui está o interessante. Perto do começo deste capítulo, uma mensagem muito clara foi dada ao Profeta Muhammad, sobre dizer que ele fará algo amanhã sem antes dizer In shaa Allah. Allah disse-lhe no Alcorão:
“E não digas a respeito de uma cousa: “Por certo, fá-la-ei, amanhã”, (23) Exceto se acrescentares: “Se Allah quiser!” E lembra-te de teu Senhor, quando O esqueceres. E dize: “Quiçá, meu Senhor me guie ao que é mais próximo que isso, em retidão.” [Alcorão 18: 23-24]
E, consequentemente, a frase “in shaa Allah” tornou-se parte e uma parcela da linguagem dos muçulmanos.
A sabedoria por trás do “in shaa Allah”
Especialistas comportamentais refletiram sobre esta história e escreveram três pérolas de sabedoria a este respeito:
1. Dizemos in shaa Allah para evitarmos mentir
Quando dizemos que “amanhã vou fazer alguma coisa”, e por alguma razão não podemos faze-lo, tecnicamente mentimos e quebramos uma promessa, ainda que as circunstâncias não estivessem a nosso favor. Para nos mantermos fies à nossa palavra, dizemos “in shaa Allah”, pois se algo acontecer, aquilo estava fora do nosso controle.
2. Dizemos in shaa Allah para pararmos de nos arrepender
Digamos que planejamos um grande dia amanhã com muitas tarefas e, por algum motivo, quando o amanhã chegou, as coisas não aconteceram como planejado. No final do dia, nós normalmente sentimos arrependimento e remorso por não termos alcançado o que pretendíamos alcançar. Mas, se “In shaa Allah” for dito enquanto planejamos as tarefas, teremos essa percepção calma de que Allah não quis, e isso não era para acontecer. Assim, não há necessidade de arrependimentos, e podemos seguir em frente e planejar para o dia seguinte.
3. Ele está pedindo permissão a Allah
Quando dizemos in shaa Allah, estamos essencialmente pedindo permissão a Allah para que isso aconteça como planejamos (sempre que eu termino de planejar meu calendário para a semana seguinte – tenho certeza de acrescentar um sincero “in shaa Allah”). porque eu acredito profundamente sem Sua ajuda e apoio, não há muito que eu possa fazer.) Esta forma de súplica embutida dentro do in shaa Allah conecta nossos planos à nossa espiritualidade, a Allah.
Quando olhamos para as razões acima, perceberemos quão longe chegamos no abuso do in shaa Allah. É hora de nos perguntar por quê? Por que estamos abusando tanto do in shaa Allah?
O medo de dizer “não” é nosso maior combustível para abusar do “in shaa Allah”
Ninguém gosta de dizer não. É desrespeitoso, faz com que os outros se sintam mal consigo mesmos e não parecemos bons.
Então, como muçulmanos, achamos uma maneira “genial” de dizer não sem dizer não: basta dizer “In shaa Allah!”
Isso nos ajuda a argumentar – de forma bastante inteligente – que tínhamos a intenção de fazer alguma coisa, mas “Ah, bem, Deus não quis, portanto não preciso me sentir mal com isso”.
Vamos olhar de uma forma diferente, mais profunda. Quando dizemos in shaa Allah e não temos a intenção sincera ou a decisão de fazer o que dizemos que vamos fazer, estamos essencialmente desrespeitando Allah. Por quê? Porque se dissermos in shaa Allah e fizermos zero ou o mínimo de esforço para cumprirmos o que dissemos que faríamos, então, por definição, culpamos Allah por nossa preguiça!
Como muçulmanos, acreditamos que Allah nos deu livre arbítrio e escolha. Nosso Criador também nos deu uma mente/corpo para usarmos para fazer as coisas. Se algo estava fora de nosso controle e isso nos impedia de fazer o que dissemos que faríamos, então sim, Allah não queria. Mas se não tivéssemos, em primeiro lugar, nos esforçado, então como podemos sugerir que Allah não o quis?1
Aprendendo a dizer “não” ao invés de abusar do “in shaa Allah”
Precisamos de uma marca positiva e séria como muçulmanos para a palavra in shaa Allah. Nós devemos chegar a um ponto em que quando alguém ouça o in shaa Allah, soe menos como uma piada, e mais como “Sim! Definitivamente! A menos que eu seja atingido por um raio, eu vou fazer isso “. E para que isso aconteça, precisamos aprender a arte de dizer “NÃO”.
Existem três técnicas principais para dizer “Não” ao invés de “In shaa Allah” e ainda soar bem-educado:
1. Retarde
Quando topamos no elevador com um colega que nos convida para sairmos naquela tarde, nossa reação normal pode ser dizer “In shaa Allah” (enquanto no fundo, sabemos que não iremos). Então, em vez de dizer in shaa Allah, podemos dizer-lhe: “Deixa-me checar minha agenda e te respondo mais tarde”.
2. Redirecione
Quando nosso chefe nos marca para trabalharmos em um novo projeto que não estamos interessados ou não temos experiência, preferimos evitar trabalhar nele. Em vez de dizer “in shaa Allah” nesses casos, podemos dizer a ele que “não sou a melhor pessoa para esse projeto por causa das razões XYZ” e posso sugerir outra pessoa que possa contribuir melhor para o projeto.
3. Reduza
É uma reunião importante com um cliente que durou 3 horas; eles nos pedem para participar. Nossa porção é de apenas 30 minutos. Em vez de dizer-lhes “In shaa Allah, eu vou”, podemos simplesmente sugerir-lhes que compareçamos pela primeira meia hora porque essa é a parte mais relevante para nós e temos compromissos a cumprir.
Não é difícil dizer “NÃO”, uma vez que tenhamos praticado algumas vezes. Na verdade, as pessoas nos apreciarão mais do que quando usamos mal o In shaa Allah e quebramos promessas.
Como os gerentes/empregadores podem incentivar o uso positivo do “in shaa Allah”?
Indivíduos que tentam melhorar a forma como eles usam o in shaa Allah só farão uma pequena diferença na renovação do seu uso, embora este seja um bom começo!
O que seria mais eficaz é se uma transformação cultural acontecesse no trabalho, especialmente em instituições/países de maioria muçulmana, que são lideradas por gerentes/empregadores que educam seus funcionários sobre melhores maneiras de dizer “in shaa Allah” e “NÃO”. Algumas dicas práticas abaixo:
1. Educar sobre o significado da palavra in shaa Allah
Compartilhe este artigo com seus colegas, empregados, subordinados e comece uma discussão sobre o mal-uso desta palavra e como melhorar a respeito disto. Faça-os entender o custo do abuso desta palavra, não apenas do ponto de vista espiritual, mas também em termos de perda da produtividade, devido à falta de comunicação clara.
Dê feedback quando ela for mal-usada: Como gerente, ao ouvir esta palavra sendo abusada, dê o retorno (publicamente e em particular), fazendo com que entendam que não deveriam tomar o in shaa Allah de forma amena e que você os responsabilizará por suas promessas.
2. Facilite o dizer “não”
Na cultura de algumas empresas, dizer “não” para o chefe tornou-se suicídio de carreira. Tire a pressão dos seus empregados, fazendo-os entender que dizer um “não” legítimo é melhor do que mentir e abusar do “in shaa Allah”.
Em suma: se in shaa Allah for usada corretamente, pode realmente nos ajudar a entender a ligação entre o nosso trabalho/vidas e o mundo invisível da vontade de Allah. Rogo a Ele para que este artigo lance alguma luz sobre como devemos usar esta palavra e, portanto, começarmos a poupar a frase “se Deus quiser” de se tornar uma piada prática entre muçulmanos e não-muçulmanos, e em vez disso restauramos sua dignidade e inviolabilidade.
NOTA:
1) Allah, Exaltado seja, é o Criador de todas as coisas, e nada aconteçe no universo exceto por Sua vontade. Ele sabe o que está por vir, Ele decretou tudo isso e escreveu em um livro cinquenta mil anos antes de criar os céus e a terra, como declarado em um relatp sahih do nosso Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele). Ele é justo e não faz mal a ninguém, porque é independente de sua criação e não precisa deles. O homem tem livre arbítrio e escolha por meio do qual faz algumas coisas e se abstém de outras, e ele acredita ou descrê, obedece ou desobedece, pelo que será levado à conta e recompensado ou punido, embora Allah saiba o que ele fará, o que ele escolherá e qual será o seu destino final. Mas Allah não o obriga a fazer o mal, ou a escolher o kufr, ao contrário, Ele claramente mostra-lhe o caminho e Ele enviou Mensageiros e revelou Livros, e mostrou-lhe o caminho certo. Quem se desviar faz isso para sua própria perda. Consulte [al-Kahf 18:29], [al-Insaan 76: 3], [al-Zalzalah 99: 7,8], [al-Araaf 7:43], [al-Sajdah 32:14]
Texto Original: Let’s Restore the Dignity of “In-sha-Allah” by Learning How to Say ‘No’ – Mohammed Faris