Tafsir da Surah At-Takwir – Do Enrolar (Capítulo 81)

Visão Geral
Esta Surah pode ser dividida em duas partes, cada uma delas trata de um grande princípio da fé. A primeira parte trata do princípio da ressurreição acompanhado por uma grande convulsão no universo, o que afeta o sol e as estrelas, as montanhas e os mares, o céu e a terra, os animais selvagens e domésticos, bem como o ser humano. A segunda parte trata do princípio da revelação. A Surah discorre sobre o anjo que leva a revelação divina, o Profeta que a recebe, as pessoas abordadas pelo Profeta, e a Vontade Suprema que moldou suas naturezas e outorgou esta revelação.
O ritmo da Surah nos deixa claro que é um movimento violento que não deixa nada em seu lugar. Tudo é arremessado, quebrado ou disperso. O movimento é tão violento que excita e assusta. Ele altera toda situação familiar e sacode os corações das pessoas, que, consequentemente se sentem carentes de abrigo e segurança. Em meio a esta tempestade destrutiva e violenta, o coração humano é como uma pena, que pode ser soprado em qualquer direção. Sem proteção e, de fato, sem nenhuma segurança, exceto o que lhe é concedido por Deus, o Eterno. Assim, o ritmo da Surah tem, por si só, o efeito de afastar o coração e a alma do homem de tudo associado com a segurança da forma que ele conhece, a fim de buscar a paz, a segurança e a proteção em Deus somente.
Esta Surah é uma joia, com imagens impressionantes retiradas do universo, tanto na sua presente e bela condição, que nos é familiar, quanto na sua condição no Dia da Ressurreição, onde cada coisa que seria familiar estará irreconhecível. A Surah é, além disso, rica em finas expressões, que dão cor às imagens retratadas. Como a Surah é bastante curta, o ritmo, as imagens e expressões são combinadas para produzir um efeito muito forte e duradouro. Se não fosse pelo fato de que a Surah contém algumas palavras que não são familiares para nós atualmente, eu teria preferido não comentar sobre elas, pois o ritmo e as imagens deixam um efeito muito mais forte do que qualquer palavra humana possa expressar.
Convulsão no Universo
“Quando o sol for enrolado, e quando as estrelas se tombarem, e quando as montanhas forem movidas, e quando os camelos fêmeas, prestes a dar a luz, forem descurados, e quando as feras forem reunidas, e quando os mares forem abrasados, e quando a filha, enterrada viva, for interrogada, por que delito fora morta. E quando as páginas forem desenroladas, e quando o céu for esfolado, e quando o inferno for atiçado, e quando o Paraíso for aproximado, toda alma saberá o que realizou.” (Versículos 1-14)
Estes versículos esboçam uma cena de grande agitação que envolverá todo o universo. É um evento que revelará todos os segredos guardados e não deixará nada escondido. Todo o ser humano enfrentará o que ele preparou (em vida) para o dia do acerto de contas e julgamento. Os grandes eventos mencionados indicam que o estado atual do universo, em sua perfeita harmonia, movimentos balanceados e relações controladas, que são aperfeiçoados pelo Criador, cujo trabalho é impecável, sofrerá uma ruptura completa. Seu papel estará concluído juntamente com toda a criação, que se modificará para uma nova fase da vida, diferente de tudo conhecido ate então por nós neste mundo.
A Surah tem como objetivo estabelecer essa ideia da revolução inevitável nos corações e nas mentes das pessoas, para que elas possam dar pouca ou nenhuma importância para os valores e riquezas deste mundo, embora estes possam parecer duradouros. As pessoas devem estabelecer um vínculo firme com a verdade eterna, ou seja, a verdade de Deus, o Eterno, que nunca muda, ainda que tudo mude e desapareça. Elas devem quebrar as correntes do que lhes é familiar nesta vida, a fim de reconhecer a verdade absoluta. Verdade esta que não admite restrições de tempo, lugar, aptidões ou normas temporais.
Conforme lemos os acontecimentos desta convulsão universal, não podemos deixar de observar um sentimento interno em relação a esta afirmação. Quanto ao que exatamente acontecerá com todas as criaturas e criações de Deus durante a Ressurreição, podemos apenas dizer que é conhecido apenas por Deus. Nós somente podemos compreender o que já provamos. Quando pensamos em uma grande agitação no mundo, nossa imaginação não pode ir além de um violento terremoto ou vulcão, ou, talvez, a queda de um cometa ou um pequeno corpo celeste. As inundações são, talvez, a mais destrutiva manifestação do poder da água conhecido por nós. Os eventos mais poderosos do universo que conseguimos monitorar foram algumas explosões na superfície do sol, o qual está a milhões de quilômetros de distância de nós. Todos estes eventos, ainda que sejam de grande porte, são muito pequenos quando comparados com a convulsão universal que terá lugar no Dia da Ressurreição. Se quisermos entender o que vai acontecer neste dia, temos que tentar fazer um paralelo com o que já experimentamos nesta vida.
O escurecimento do sol provavelmente significa que ele esfriará e seus raios diminuirão e, consequentemente, extinguir-se-ão. O sol se apresenta, atualmente, na forma gasosa, devido ao calor intenso que atinge 12.000 graus. O seu escurecimento provavelmente significa sua transformação por cmento, semelhante ao que aconteceu com a superfície da terra. Certamente adotará uma forma circular, e não uma forma esticada. Este é provavelmente o significado do versículo de abertura da Surah, mas também pode significar algo diferente. Quanto à forma como isso vai acontecer, ou as suas causas, podemos apenas dizer que é conhecido somente por Deus.
A queda das estrelas significa, provavelmente, que elas romperão com o sistema que as mantém juntas e perderão sua luz e brilho. Só Deus sabe quais estrelas serão afetadas por este evento: ele afetará apenas um pequeno grupo de estrelas, ou seja, o nosso próprio sistema solar, ou afetará toda a nossa galáxia, que compreende centenas de milhões de estrelas, ou afetará todas as estrelas do universo em seus milhões de milhões? O universo, como todo mundo sabe, compreende um número quase infinito de galáxias, cada uma em seu próprio espaço.
“E quando as montanhas forem movidas” (Versículo 3), provavelmente significa que elas serão esmagadas e desintegradas conforme indicado em outras Surahs: “E perguntaram-te pelas montanhas; então, dize: ‘Meu Senhor desintegrá-las-á inteiramente” (Surah 20: 105). “Quando a terra for sacudida violentamente, e as montanhas forem esmigalhadas totalmente” (Surah 56: 4-5). “E mover-se-ão as montanhas, então, serão miragem” (Surah 78: 20). Todos estes versículos se referem a um determinado evento que afetará as montanhas e acabará com suas fundações firmes e estáveis. Este pode ser o início do terremoto que irá sacudir a terra violentamente, o qual é mencionado na Surah 99: “Quando a terra for tremida por seu tremor, e a terra fizer sair seus pesos” (Surah 99: 1-2). Todos estes eventos terão lugar em um dia que será muito longo.
“E quando os camelos fêmeas, prestes a dar a luz, forem descurados” (Versículo 4). A descrição em árabe da camela em questão especifica que ela está em seu décimo mês de gravidez. Neste estado, ela é o bem mais valioso do árabe, porque ela está prestes a adicionar à sua riqueza um jovem camelo altamente valorizado, e também está prestes a dar muito leite, que ele e sua família poderão compartilhar com o animal recém-nascido. No entanto, no dia que ele testemunhará estes terríveis eventos, este camelo de valor inestimável ??será deixado de lado sem cuidados, completamente abandonado. Os árabes, que foram os primeiros a serem abordados por este versículo, nunca deixaram tais camelos sem cuidados, exceto pelo maior dos perigos.
“E quando as feras forem reunidas” (Versículo 5). O grande terror que irá dominar por completo as feras em suas selvas será a principal causa delas se reunirem todas em um lugar só, esquecendo-se de suas inimizades mútuas, movendo-se juntas, sem saber para qual direção seguir. Elas não procuram suas casas, nem perseguem suas presas como costumavam fazer. O terror esmagador muda o caráter até do mais selvagem dos animais. O que então será que vai fazer com o homem?
“E quando os mares forem abrasados” (Versículo 6). O termo árabe, sujjirat, usado aqui pode significar que os oceanos estarão cheios de água, de enchentes semelhantes àquelas que caracterizaram os primeiros estágios da vida na terra. Por outro lado, terremotos e vulcões poderão remover as barreiras que atualmente separam os mares para que a água de um possa fluir para o outro. A expressão árabe pode também significar que os oceanos sofrerão explosões e serão incendiados, como mencionado no Alcorão: “E quando os mares forem abertos, mesclando-se” (Surah 82: 3). Tais explosões podem resultar na separação do oxigênio e do hidrogênio que compõe água do mar. Elas também podem ser algum tipo de explosão atômica. Se a explosão de um número limitado de átomos de hidrogénio numa bomba atômica produz consequências terríveis como já sabemos, uma explosão atômica das águas dos oceanos, de qualquer forma que possa ocorrer, é demasiadamente assustador para a nossa mente visualizar, da mesma forma que não podemos conceber a realidade do inferno, pois está além do nosso entendimento.
“E quando as almas forem parelhadas” (Versículo 7). O emparelhamento de almas pode significar a reunião de corpo e alma no momento da ressurreição. Também pode significar o agrupamento de igual para igual, como mencionado no Alcorão: “E vós sereis de três espécies” (Surah 56: 7). Elas serão: a elite dos escolhidos, o povo da direita e o povo da esquerda. Também pode significar alguma outra forma de agrupamento.
Meninas Enterradas Vivas
“E quando a filha, enterrada viva, for interrogada, por que delito fora morta.” (Versículos 8-9). O valor da vida humana deve ter afundado na sociedade árabe pré-islâmica. Existia o costume de enterrar vivas as meninas recém-nascidas, por medo da vergonha ou da pobreza. O Alcorão descreve esta prática, a fim de retratar o seu horror e denunciá-la como uma prática de ignorância (Jahiliyyah). Sua condenação se encaixa perfeitamente com objetivo declarado do Islã, destruir a Jahiliyyah e salvar a humanidade do afundamento de seus valores. Na Surah 16, Das Abelhas, lemos na tradução: “E, quando a um deles se lhe alvissara o nascimento de uma filha, torna-se-lhe a face enegrecida, enquanto fica angustiado. Esconde-se do povo, por causa do mal que se lhe alvissarou. Retê-lo-á, com humilhação, ou soterrá-lo-á no pó? Ora, que vil o que julgam!” (Surah 16: 58-9). E na Surah 17, A Viagem Noturna: “E não mateis vossos filhos, com receio da indigência: Nós lhes damos sustento, e a vós. Por certo, seu morticínio é grande erro.” (Surah 17: 31).
Meninas eram mortas de uma forma extremamente cruel. Elas eram enterradas vivas! Os árabes utilizavam diferentes maneiras para fazê-lo. Alguns deixavam a menina completar seis anos de idade. O pai, então, dizia a sua esposa para vestir a menina com suas melhores roupas e torná-la apresentável porque ela visitaria os futuros sogros. Ele já teria deixado um buraco preparado para ela no deserto. Quando a menina lá chegava, ele diria a ela para olhar para dentro do buraco. Como ela estaria na borda do buraco, ele a empurraria para dentro, em seguida, jogaria areia sobre ela ate enterrá-la por completo. Em algumas tribos, quando uma mulher grávida estava prestes a dar à luz, ela sentava-se em um buraco no chão. Assim que o bebê havia nascido, ela verificaria o sexo. Se fosse um menino, ela o levaria para casa, e se fosse uma menina, ela colocaria de volta no buraco e a enterraria.
Se um pai decidia não enterrar sua filha viva, ele a criaria em uma condição de privação até que ela atingisse a idade para cuidar das ovelhas ou gado, dando-lhe apenas um pouco de lã áspera para vestir-se e obrigando-a fazer este tipo de trabalho pesado. Os árabes que não matavam suas filhas ou as mandavam para a lida com o gado, tinham diferentes métodos de maltratar as mulheres. Caso um homem morresse, o chefe do clã jogaria suas vestes sobre a viúva. Este era um gesto de aquisição que significava que a viúva não podia se casar com mais ninguém, exceto o proprietário das vestes. Se ele se sentia atraído por ela, ele se casaria com ela, não levando em conta os sentimentos dela. Se ele não quisesse se casar com ela, ele a manteria até que ela morresse, de modo a herdar qualquer dinheiro ou bens que ela pudesse deixar.
Essas eram as atitudes da sociedade Árabe nos tempos da Jahiliyyah (ignorância) para com as mulheres. O Islã condena esta atitude e rejeita todas essas práticas. Ele proíbe o assassinato meninas e mostra a sua natureza repugnante e horrível. Ele é listado como um dos temas de acerto de contas, no Dia do Juízo. Aqui, a Surah menciona este dia como um dos grandes eventos que dominarão o universo em uma convulsão global e somos informados de que a menina assassinada será questionada sobre seu assassinato. A Surah faz com que imaginemos a forma horrenda que o assassino será punido.
A Jahiliyyah (ignorância) como ordem social do período pré-islâmico jamais teria ajudado as mulheres a ganhar uma posição respeitável e digna. Isso tinha que ser decretado por Deus. O modo de vida que Deus escolheu para a humanidade assegura uma posição digna para homens e mulheres que compartilham a honra de terem sido soprados com o Divino sopro da vida. Mulheres devem sua posição respeitável ao Islã, não a qualquer fator ambiental ou configuração social.
Quando o novo homem de valores celestiais surgiu, as mulheres tornaram-se respeitadas e honradas. A mulher como sendo um fardo financeiro para sua família já não era fator importante para determinar a posição de respeito que ela gozava. Tais considerações mundanas não têm peso na balança Celestial. O peso real pertence à nobre alma humana quando mantém a sua relação com Deus. Neste quesito, homens e mulheres são iguais.
Quando se apresenta argumentos em apoio ao fato de que o Islã é uma divina religião, e que tem sido transmitida a nós pelo Mensageiro de Deus, que recebeu a Sua revelação, deve-se indicar a alteração feita pelo Islã no status social das mulheres como sendo irrefutável. Nada na configuração social da Arábia na época apontava para tal elevação das mulheres. Nenhuma consideração social ou econômica tornou-se necessária ou desejável após o advento do Islã. Foi o movimento islâmico que modificou este cenário, por razões totalmente diferentes das razões mundanas e das razões daquela sociedade em particular (jahiliyyah).
“E quando as páginas forem desenroladas” (Versículo 10). Esta é uma referência aos registros de ações das pessoas. Elas serão abertas a fim de que possam ser conhecidas por todos. Isto é, em si, difícil de tolerar. Muitos corações têm segredos muito bem escondidos, a lembrança destes segredos traz vergonha e tremor a própria pessoa. No entanto, todos os segredos serão tornados públicos neste dia memorável. Trazer a publico representa uma parte da grande convulsão que envolverá todo o universo, fazendo parte dos eventos terríveis que enchem os corações dos homens com horror.
“E quando o céu for esfolado” (Versículo 11). Esta imagem corresponde a tornar publico os segredos das pessoas. Quando a palavra “céu” é usada, o que nos vem à cabeça é o manto azul sobre as nossas cabeças. Sua remoção significa a remoção da cobertura. Como isso acontecerá continua a ser uma questão de conjectura. É suficiente dizer que quando olharmos para cima, não veremos mais o céu como o conhecemos.
A última cena deste dia terrível é retratada nos próximos dois versos: “E quando o inferno for atiçado, e quando o paraíso for aproximado” (Versículos 12-13). Onde é o inferno? Como ele queima? Qual combustível é usado em sua iluminação e alimentação de seu fogo? A única coisa que sabemos é que seu “combustível são os homens e as pedras” (Surah 66: 6). É claro, depois de terem sido jogados nele. A sua verdadeira natureza e seu combustível antes disto é parte do conhecimento de Deus somente. O paraíso, por outro lado, é trazido para perto daqueles que tenham admissão prometida. Eles percebem que é de fácil acesso para eles. De fato, a expressão aqui mostra que ele está pronto para receber seus moradores.
Quando todos estes grandes eventos têm lugar no universo, mudando o estado de toda a vida, ninguém pode tecer qualquer dúvida sobre o que foi feito nesta vida mundana, nem o que foi levado com eles para a próxima vida: “Toda a alma saberá o que realizou” (Versículo 14). Em meio a tudo isso, cada alma saberá ao certo que tipo de obras trouxe e que estas obras não serão possíveis alterar, omitir ou acrescentar ao que já foi feito. As pessoas vão se encontrar completamente separadas de tudo o que tem sido conhecido, e do seu mundo como um todo. Tudo sofrerá uma mudança total, exceto Deus. Se o homem se volta para Deus, ele terá Seu apoio quando todo o universo for dominado pela mudança. Assim termina a primeira parte desta Surah, deixando-nos com uma impressão vívida da revolução universal no Dia da Ressurreição.
Uma Cena Universal Esplêndida
A segunda parte da Surah se inicia com uma forma de juramento, utilizando algumas cenas muito bonitas do universo. Essencialmente, este juramento é feito para afirmar a natureza da revelação, o anjo que a leva e o Mensageiro que a recebe, transmitindo-a para nós, assim como as atitudes das pessoas em relação a ela, tudo em conformidade com a vontade de Deus: “Então, juro pelos planetas absconsos, que correm e se escondem! E pela noite, quando se vai! E pela manhã, quando respira! Por certo, ele é o dito de um nobre Mensageiro, de grande força, prestigiado junto dO Possuidor do Trono, a quem se obedece, lá; leal. E vosso companheiro não é louco; e, com efeito, ele o viu, no evidente horizonte. E ele não é avaro quanto ao invisível. E ele não é um dito de demônio maldito. Então, aonde ides? Ele não é senão lembrança para os mundos, para quem, dentre vós, queira ser reto. Mas não o querereis, a não ser que Allah, O Senhor dos mundos, o queira.” (Versículos 15-29). As estrelas referidas aqui são aquelas que giram em órbita e são caracterizadas por seu rápido movimento e desaparecimento temporário. Ao traduzir o texto, temos que abandonar a metáfora usada em árabe que faz uma analogia entre estas estrelas e os veados, que correm em grande velocidade em direção às suas casas, desaparecendo por um tempo e reaparecendo, em seguida, em um ponto diferente. Esta metáfora acrescenta considerável vivacidade e beleza à descrição do movimento dos astros, que ecoa o fino ritmo da expressão.
Mais uma vez, o ritmo do versículo árabe traduzido como “e pela noite, quando se vai” (Versículo 17), dá uma sensação de vida, descrevendo a noite como um ser vivo. A beleza da expressão árabe supera a excelência. O mesmo aplica-se para o próximo versículo: “e pela manhã, quando respira” (Versículo 18). Este versículo é realmente mais eficaz em retratar o amanhecer, tão vivo, respirando. Sua respiração é a luz se espalhando e a vida que começa a se movimentar. Duvido que a língua árabe, com a sua riqueza inesgotável de imagens e expressões vivas, poderia produzir uma imagem retratando o amanhecer como esta imagem corânica, em perfeita estética e efeito. Depois de uma bela noite, quase se pode sentir que o amanhecer está respirando.
Qualquer esteta percebe prontamente que as palavras divinas dos primeiros quatro versículos desta segunda parte da Surah constituem-se uma joia rara, na forma de expressão e descrição: “Então, juro pelos planetas absconsos, que correm e se escondem! E pela noite, quando se vai! E pela manhã, quando respira!” (Versículos 15-18). Esta riqueza descritiva acrescenta poder aos sentimentos do homem quando ele escuta sobre os fenômenos naturais a que se referem os versículos.
Os Dois Mensageiros
Enquanto o Alcorão faz este breve resumo, a descrição completa cheia de vida destes fenômenos estabelece um vínculo espiritual entre eles e o ser humano, resultando em como sentimos o poder que criou estes fenômenos, e a verdade que somos atraídos a acreditar. Esta verdade é, então, afirmada de uma maneira que se encaixa maravilhosamente ao tema central da Surah: “Por certo, ele é o dito de um nobre Mensageiro, de grande força, prestigiado junto dO Possuidor do Trono, a quem se obedece, lá; leal.” (Versículos 19-21). O Alcorão, com a sua descrição do Dia do Juízo Final, é a palavra de um mensageiro nobre e poderoso, ou seja, Jibril ou Gabriel, o anjo que era encarregado de carregar e entregar a mensagem ao Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele).
A Surah, então, dá a descrição desse mensageiro escolhido. Ele é ‘nobre’ e honrado por Deus, sendo que o próprio Deus diz que ele é ‘poderoso’, o que sugere que é necessária considerável força para transportar e transmitir o Alcorão. “De grande força, prestigiado junto dO Possuidor do Trono” (Versículo 20). É uma grande honra para Gabriel desfrutar de tal posição dada pelo Senhor do Universo. “A quem se obedece, lá; leal” (Versículo 21), isto é, é obedecido por outros anjos. Ele também é o “o vosso companheiro” (Versículo 22), que carrega e entrega a mensagem.
Essas qualidades se somam a uma conclusão definitiva: que o Alcorão é uma nobre, poderosa e exaltada mensagem, com a qual Deus expressa um cuidado especial em relação ser humano. Uma das manifestações deste cuidado é que Ele escolheu um anjo do calibre de Gabriel para trazer Suas revelações ao homem que Ele escolheu como Seu Mensageiro. Quando o ser humano reflete sobre este cuidado divino ele deveria se sentir humilde. O homem vale muito pouco comparado ao reino de Deus, não fosse pelo cuidado e honra que Deus lhe confere.
Segue-se uma descrição do Profeta, que transmite esta revelação para humanidade. A Surah parece dizer-lhes: Vocês conhecem muito bem a Mohammed, por um período de tempo considerável. Ele é seu velho amigo honesto e confiável. Por que, então, vocês inventam mentiras sobre ele quando ele está simplesmente dizendo a verdade que lhe foi confiada para vos entregar: “E vosso companheiro não é louco; e, com efeito, ele o viu, no evidente horizonte. E ele não é avaro quanto ao invisível. E ele não é um dito de demônio maldito. Então, aonde ides? Ele não é senão lembrança para os mundos” (Versículos 22-27).
Eles conheciam o Profeta perfeitamente. Eles sabiam que ele era um homem de caráter constante, grande sagacidade e honestidade completa. Mas, apesar de tudo isso, eles alegaram que ele era louco, e que ele recebeu suas revelações do diabo. Alguns deles tomaram este ponto de vista como a base para o ataque sobre o Profeta e sua mensagem islâmica. Outros ficaram tão espantados e admirados diante das palavras reveladas a ele, pois são diferentes de tudo dito ou escrito pelo homem. Sua reivindicação confirmou a crença tradicional de que cada poeta tinha um demônio que ditava seus poemas, e cada monge tinha um diabo que o permitia descobrir os segredos do mundo desconhecido. Eles também acreditavam que o diabo podia entrar em contato com as pessoas levando-as a dizer coisas muito estranhas. Eles ignoraram a única explicação válida, que o Alcorão foi revelado por Deus, o Senhor de todos os mundos.
A Surah contrapõe este pensamento fazendo referência à beleza suprema de Deus em Sua criação, visível em todo o universo, e por retratar algumas cenas universais cheia de vida. Este método de resposta sugere que o Alcorão vem do mesmo Poder criador que dotou o universo com beleza incomparável. Ele também informa sobre os dois mensageiros encarregados do Alcorão, o que o trouxe do céu para a terra e aquele responsável por transmitir a mensagem a eles, ou seja, seu próprio amigo que eles sabiam que era sensato e não louco. A Surah diz que o Profeta, de fato, viu o outro mensageiro nobre e poderoso, Gabriel, com seus próprios olhos, em um horizonte claro, onde nenhuma confusão é possível. Ele é fiel à sua confiança e não pode ser suspeito de dizer qualquer coisa, mas a verdade. Afinal, ele nunca foi associado com qualquer coisa desonesta. “E ele não é um dito de demônio maldito” (Versículo 25). Os demônios, por natureza, não podem fornecer um código de conduta tão simples e consistente. Por isso, A Surah pergunta em forma de desaprovação: “Então, para onde ides?” (Versículo 26). Até que ponto você pode errar em seu julgamento? E até onde você pode fugir da verdade que encara você nos olhos onde quer que você vá?
“Ele não é senão lembrança para os mundos” (Versículo 27). Este versículo recorda-nos a natureza de nossa existência, a nossa origem e a natureza do universo ao nosso redor. O lembrete é para todos os homens e mulheres. O islã aqui declara a natureza universal de seu chamado desde o seu início, em Meca, onde foi submetido a consecutivas perseguições.
Livre arbítrio
A Surah, então, lembra-nos que cabe a cada indivíduo escolher se quer seguir o caminho certo ou não. Uma vez que Deus concedeu a todos o livre arbítrio, logo cada ser humano é responsável por si mesmo: “Para quem, dentre vós, queira ser reto.” (versículo 28). Todas as dúvidas foram dissipadas, todas as perguntas foram respondidas com esta declaração clara que contem todos os fatos relevantes. O caminho correto foi indicado para todos os que desejam ser retos. Qualquer um que segue um caminho diferente deve, portanto, assumir a responsabilidade por suas ações.
Existem numerosos sinais na alma humana, e no universo em geral, que convidam cada homem e mulher a seguir o caminho da fé. Estes são tão visíveis e poderosos que é preciso fazer um esforço enorme para virar às costas a eles, especialmente quando a atenção é atraída para eles na agitação, forma persuasiva do Alcorão. É, portanto, a vontade própria do homem que o leva para longe da orientação de Deus. Ele não tem outra desculpa ou justificativa.
A Surah se encerra afirmando que a vontade operativa por trás de tudo é a vontade de Deus: “Mas não o que quereis, a não ser que Allah, O Senhor dos mundos, o queira.” (Versículo 29). Notamos que o Alcorão faz declarações deste tipo sempre que a vontade do ser humano, ou outras criaturas, é mencionada. A razão para isto é que o Alcorão quer manter os conceitos fundamentais da fé absolutamente claros. Estes incluem o fato de que tudo no universo está sujeito à vontade de Deus. Ninguém tem uma vontade que seja independente da de Deus. Ele concede ao ser humano o livre arbítrio, sendo parte de Sua própria vontade divina, como tudo o mais. O mesmo se aplica à capacidade dos anjos de mostrar obediência completa e absoluta a Ele, e de realizar todos os Seus comandos, sem pestanejar.
Este fato fundamental deve ser claramente entendido pelos crentes, de modo que eles tenham bem claro o conceito da verdade absoluta. Quando eles entendem esse conceito Divino, torna-se orientação e apoio, regulando os seus assuntos de acordo com essa vontade.