Considerações Legais sobre o Divórcio

Um casamento islâmico é um contrato civil que pode ser executado e dissolvido como qualquer outro contrato, no entanto, é automaticamente dissolvido na morte de qualquer um dos cônjuges. Além disso, o direito legal dos cônjuges de dissolver o contrato de casamento também é reconhecido no Islam e, portanto, ambos têm direito, com condições religiosas, a dissolvê-lo. O marido possui um direito de divórcio inalienável, por meio do pronunciamento do talaq, por outro lado, a esposa só pode exercer o direito de divórcio caso ela apresente uma razão shari’ (legislada) válida. Se o divórcio não for concedido à esposa, quando por ela solicitado (e este é o khulu’), esta deve recorrer aos tribunais da família para obter divórcio judicial. Esta questão torna-se complicada em países que não possuem um tribunal islâmico, portanto, nestes casos, a mulher deve apresentar seu pedido ao seu wali (responsável, tutor) ou ao shaikh que realizou o casamento.

 

É extremamente importante notar que, se o casamento foi dissolvido através de talaq ou khulu’, ele deve ser legalmente reconhecido, não havendo dúvidas sobre a dissolução do matrimônio. O não reconhecimento deste ato por causar problemas futuros como, por exemplo, uma acusação de bigamia ou zina (adultério) contra uma mulher que mais tarde se casou novamente, ou ainda, dificuldades na resolução de questões relacionadas ao divórcio, tal como a manutenção financeira passada ou a reivindicação de desconto no direito do dote. A guarda das crianças também pode ser disputada. No entanto, também é importante notar que, de acordo com os estudiosos islâmicos, o divórcio, uma vez pronunciado pelo marido e o khulu’, uma vez obtido do tribunal, é efetivo e vinculativo.

Tipos de Divórcio

O divórcio proferido pelo marido, ou seja o talaq, pode ser de dois tipos: o raji’i e o baain. O baain é o divórcio definitivo, ou seja, aquele que é pronunciado três vezes e em diferentes ocasiões (ou se for o terceiro divórcio entre o casal); também, quando o período de espera, o idda, finda, o divórcio se torna definitivo. Já o raji’i é aquele que tem possibilidade de reconciliação, ou seja, o divórcio revogável, quando o casamento pode ser retomado sob o mesmo contrato anterior, em caso de reconciliação do casal, em comum acordo, durante o idda. Vale ressaltar que o idda é o período de espera após o divórcio ser proferido pelo homem ou solicitado pela mulher e aceito pelo marido. Este período é de 3 meses ou 3 períodos menstruais para o talaq; de 1 mês para o khulu’; de 4 meses para as viúvas e durante a gestação até o parto, para as grávidas.

E Allah, louvado e exaltado seja, disse: “E que as divorciadas aguardem, elas mesmas, antes de novo casamento, três períodos menstruais, e não lhes é lícito ocultarem o que Allah criou em suas matrizes, se elas crêem em Allah e no Derradeiro Dia. E, nesse ínterim, seus maridos têm prioridade em tê-las de volta, se desejam reconciliação. E elas têm direitos iguais às suas obrigações, convenientemente. E há para os homens um degrau acima delas. E Allah é Todo-Poderoso, Sábio” (Surah al-Baqara, 2:228)

Mais uma importante consideração sobre o divórcio deve ser mencionada. É muito comum que as pessoas se enganem quanto ao triplo divórcio, crendo que este é válido como três divórcios, transformando-o em um talaq baain. O entendimento correto dos sábios é que este tipo de divórcio é considerado como apenas um talaq, pois Allah, louvado seja, assegurou o direito a três divórcios, no máximo, aos casais, dando a eles a oportunidade de reconciliação por dois períodos de idda.

“O divórcio é permitido por duas vezes. Então, ou reter a mulher, convenientemente, ou libertá-la, com benevolência. E não vos é lícito retomardes nada do que lhes haveis concedido, exceto quando ambos temem não observar os limites de Allah. Então, se vós temeis que ambos não observem os limites de Allah, não haverá culpa sobre ambos, por aquilo com que ela se resgatar. Esses são os limites de Allah: então, não os transgridais. E quem transgride os limites de Allah, esses são os injustos. E, se ele se divorcia dela, pela terceira vez, ela lhe não será lícita, novamente, até esposar outro marido. E, se este se divorcia dela, não haverá culpa, sobre ambos, ao retornarem um ao outro, se pensam observar os limites de Allah. E esses são os limites de Allah, que Ele toma evidentes, para um povo que sabe.” (Surah al-Baqara, 2:229-230)

Existem ainda dois outros tipos de dissolução do casamento, além do talaq e do khulu’. São os seguintes:

• Faskh – a anulação do casamento por não preenchimento dos requisitos ou por alguma razão que não havia sido revelada antes do contrato ser firmado. Por exemplo: se um dos noivos se casou obrigado, ou se há algum detalhe que impeça o cumprimento dos direitos de um dos cônjuges, ou se um dos noivos se casou em estado de letargia ou inconsciência.

• Li’an – é a anulação do casamento sob suspeita de traição e impossibilidade de se provar a culpa ou inocência de um dos cônjuges. E no Alcorão é dito: “E aos que acusam de adultério suas mulheres, e não há para eles testemunhas senão eles mesmos, então, o testemunho de um deles, jurando por Allah, quatro vezes, que é dos verídicos” (Surah an-Nur, 24:6)
Direito de Divórcio ou Talaq do Marido e procedimento Jurídico

Um marido tem o direito unilateral de divórcio ou talaq e ele não pode ser alienado desse direito, mas pode ser restringido através do contrato de casamento também conhecido como nikkah. De acordo com a Lei islâmica o marido pode pronunciar o talaq oralmente, bem como através de um documento escrito enviado ao wali da esposa (isto protege as mulheres de um divórcio não registrado). Casos já foram registrados onde a mulher que não estava devidamente divorciada e que mais tarde se casou novamente poderia ser acusada de bigamia. É vital para uma mulher estar absolutamente esclarecida sobre seu estado civil e ter provas documentais de que ela está devidamente divorciada.

Uma vez que o período idda – que é de 90 dias (ou 3 ciclos menstruais) a partir da data de pronunciamento do talaq – terminar, o escritório da mesquita onde foi realizado o casamento deverá emitir um certificado de talaq sendo efetivo e com cópia para o marido e a esposa. Observe que o talaq não é válido até o cumprimento do período idda.

Divórcio Mútuo

Em ambas as formas de divórcio (talaq ou khulu’), não é necessário ajuizar processo nos tribunais, o que significa que o casamento pode ser dissolvido de forma rápida, barata e com poucos requisitos. Nesse caso, tanto o marido quanto a esposa podem assinar uma termo de Divórcio Mútuo e comunicar ao wali, família e mesquita onde o casamento foi celebrado.
O Direito do Divórcio solicitado pela Esposa: Khulu’

Uma mulher pode dissolver seu casamento unilateralmente somente se o direito de divórcio for incondicionalmente delegado a ela pelo marido, quando da apresentação de uma razão shari’ válida. Se tal direito de divórcio não for delegado, então, em tais circunstâncias, a esposa pode dissolver seu casamento através do Khulu’ junto aos Tribunais de Família, ou seja, a dissolução do casamento por meio de divórcio judicial. Em caso de países onde não haja tribunais islâmicos, ela deve procurar o shaikh que celebrou o casamento ou seu wali, ou ainda um árbitro e solicitar que ele interceda junto ao marido e tente entrar em algum acordo.

“E, se temeis discórdia entre ambos, enviai-lhes um árbitro da família dele e um árbitro da família dela: se ambos desejam reconciliação, Allah estabelecerá a concórdia entre eles. Por certo, Allah é Onisciente, Conhecedor.” (Surah na-Nissá, 4:35)

Khulu’, que literalmente significa "desatar o nó", é a dissolução do casamento iniciada pela esposa e é concedida através da aceitação do marido ou por um tribunal. Para obter o Khulu’, a esposa precisaria apresentar seu pedido de divórcio ao marido. Se ele aceita, então o período do idda se inicia, se não, ela deveria ajuizar um processo junto a um Tribunal da Família, alegando que ela não consegue viver com seu marido "dentro dos limites prescritos por Allah".

O khulu’ judicial também pode ser concedido sem o consentimento do marido se a esposa estiver disposta a renunciar aos seus direitos financeiros (devolução do dote ou parte dele).

Os motivos para a solicitação do khulu’ incluem, segundo o Shaikh 'Abdullah ibn 'Abdurahman ibn Jibrin, incluem o seguinte:

• Se uma mulher não gosta do tratamento do marido para com ela – por exemplo, se ele é excessivamente rigoroso, destemperado ou facilmente irritável, ou se a critica e repreende excessivamente pelo menor erro ou defeito.
• Se ela não gosta da sua aparência física por causa de alguma deformidade ou característica, ou porque lhe falta uma das suas faculdades.
• Se o marido não tem compromisso religioso – por exemplo, se ele não reza, ou negligencia a oração em jamaa'ah, ou não jejua no Ramadan sem uma desculpa adequada, ou se frequenta festas onde haja fornicação, álcool e música, etc.
• Se o marido a priva de seus direitos quanto à sua manutenção, roupas e outras necessidades essenciais, sendo capaz de fornecer essas coisas.
• Se ele não lhe concede seus direitos conjugais e, assim, a mantém casta por ser incapaz de ter relações sexuais. Ou porque ele não gosta dela, ou prefere outra pessoa, ou ele é injusto na divisão de seu tempo ou finanças [isto é, entre esposas].

Passos a serem tomados antes do divórcio no Islam

“Para os que juram abster-se de estar com suas mulheres, há espera de quatro meses. E, se retrocederem, por certo, Allah é Perdoador, Misericordiador. E, se decidirem pelo divórcio, por certo, Allah é Oniouvinte, Onisciente.” (Surah al-Baqara, 2:226-227)

Narrado por Abdullah ibn Umar, que o Profeta, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, disse: De todos os atos legais, o mais detestável para Allah é o divórcio. (Livro do divórcio, Sunan Abu Dawud, n°2173)

O Islam e o Alcorão aconselham a ambos os parceiros viverem em paz e harmonia, no entanto, é um processo natural da vida que surjam alguns desentendimentos entre os cônjuges, especialmente durante os primeiros anos de casamento. É sempre encorajado no Islam que se resolva tais desentendimentos, agindo de forma justa e gentil e, assim, Allah, louvado seja, determinou um período de quatro meses para que o casal repense a decisão com calma. No entanto, se no caso de tais desentendimentos não puderem ser resolvidos, então, o procedimento a seguir é prescrito no Islam antes da rescisão do contrato casamento.

1. As duas partes devem tentar resolver suas diferenças por conta própria, através de diálogo e compreensão mútua. É entendido pelos conselheiros familiares que a intervenção de terceiros, como pais, irmãos, amigos ou primos são causa comum do agravamento dos litígios. Narrado por Abu Hurairah, que o Profeta, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, disse: Quem incita uma mulher contra o marido ou o escravo contra seu mestre, não é um de nós. (Livro do divórcio, Sunan Abu Dawud, n°2170)

2. No caso improvável de nenhum entendimento entre o casal, duas pessoas/árbitros imparciais, um dentre os parentes do marido e um dentre os parentes da esposa, devem ser nomeadas para tentar estabelecer a paz e resolver as diferenças. “E, se temeis discórdia entre ambos, enviai-lhes um árbitro da família dele e um árbitro da família dela: se ambos desejam reconciliação, Allah estabelecerá a concórdia entre eles. Por certo, Allah é Onisciente, Conhecedor.” (Surah na-Nissá, 4:35)

3. Se essa tentativa também falhar, então o marido ou a esposa podem optar pelo divórcio.

4. Em caso de divórcio, uma notificação é emitida ao wali da mulher, para que o período de reconciliação, ou seja, idda, de noventa 90 dias ou três ciclos menstruais se inicie (exceto se as partes divorciaram-se mutuamente terceira vez).

5. As duas partes podem reconsiderar seus pontos de vista e reconciliarem-se durante este tempo de espera, sob o mesmo contrato de casamento. No entanto, se o limite de tempo acima expirar e não ocorre reconciliação, então o divórcio torna-se efetivo e o casamento é encerrado. Note que no terceiro divórcio não há possibilidade de reconciliação no período do idda e nem possibilidade de novo contrato de casamento, a menos que a mulher se case com outro homem, divorcie-se legalmente (cumprindo todos os trâmites) e, só então, poderá voltar a se casar com aquele homem que foi anteriormente seu esposo.

6. No caso de a esposa estar grávida, o período de espera – idda – é até o parto de seu filho. Por isso, o divórcio é pronunciado pelo marido, mas o mesmo não entrará em vigor durante a gravidez.

Revogação do Divórcio pelo Marido

Um divórcio pode ser revogado pelo marido sem alteração no contrato de casamento, desde que seja feito antes do terceiro pronunciamento de talaq.

Por conseguinte, um termo de divórcio deve sempre ser redigido de maneira a sugerir que será tratada como um único divórcio, se a ação de divórcio for preparada como um divórcio triplo, então o mesmo não é válido islamicamente nem poderia ser revogado.

Na maioria dos casos, as pessoas não estão devidamente informadas sobre a invalidade deste divórcio triplo. Os estudiosos e juristas entendem que o divórcio triplo deve ser tratado como um único divórcio, já que a ignorância quanto à lei islâmica básica não é uma desculpa e, portanto, o pronunciamento do divórcio triplo é inválido em sua essência. Portanto, o talaq só pode ser considerado baain (definitivo) se for proferido em três diferentes situações.

Artigo de Letícia Gouvêa, revisão de Shaikh Rodrigo Rodrigues