Mulheres Lidando com a Saúde Durante o Reinado Otomano

 

Na história da civilização islâmica muitos hospitais foram fundados por mulheres, sejam esposas, filhas ou mães de sultões. Todos os profissionais de saúde nestes hospitais eram do sexo masculino. No período otomano pacientes do sexo feminino eram tratadas em suas casas ou nas residências dos médicos até o século XIX. Este recurso de certa forma explica a grande variedade de mulheres praticando a medicina, tanto dentro como fora do palácio otomano. Neste artigo, o professor Nil Sari, fornece informações sobre as diversas práticas médicas dedicadas a pacientes do sexo feminino entre os otomanos.

Por Nil Sari *

 

Nota do editor

Este artigo foi publicado originalmente em turco pelo professor Nil Sari em The New History of Medicine Studies (A Nova História de Estudos da Medicina), 2-3, Istambul, 1996-1997, pp. 11-64.

Índice

1. Médicos do Sexo Feminino
2. Curandeiras Praticando a Tradicional Medicina Doméstica
3. Mulheres no Preparo e Venda de Drogas
4. Parteiras
5. Enfermeiros do Sexo Feminino
6. Homens tratando mulheres
7. Formação de Médicos do Sexo Feminino
8. Fontes

 

 

Figura Acima: Exame do pulso e diagnóstico da doença de uma menina por Nizami Aruzi, autor do bem conhecido Çehar Makale (1431). Türk Islam Eserleri Museum, artigo nº 1954. A ilustração está publicada com gentil permissão de Nil Sari e Ulker Erke. Fonte: 38º Congresso Internacional de História da Medicina, História da Medicina Turca Através da Exposição de Imagens em Miniatura (por U. Erke, organizador e Nil Sari, editor) Istambul 2002. © Nil Sari e Ulker Erke.

 

Havia mulheres atuando com cuidados da saúde durante o período otomano? Se assim for, onde elas praticavam? Elas atuavam em áreas específicas da saúde, ou em vários campos? As mulheres tradicionalmente aceitavam ser tratadas por profissionais do sexo feminino? A prática social sob o domínio otomano favoreceu ou proibiu o tratamento de pacientes do sexo feminino por profissionais do sexo masculino?

Embora o papel e a função das mulheres que praticavam a medicina ou que se ocupavam com a saúde no Império Otomano ainda não tenham sido estudados a fundo, minha pesquisa mostrou que havia mulheres de todos os estados e classes que tinham alguma relação com a saúde, seja em patrocinar instituições de saúde ou praticar medicina elas mesmas. Sabemos que alguns dos famosos hospitais chamados dar-al-Shifa foram fundados por mulheres, sejam esposas ou mães de sultões, tais como o Hospital Hafsa Sultan em Manisa (fundado em 1539), o Hospital Haseki Sultan (fundado em 1550) e o Hospital Nurbanu Sultan (fundado em 1582), em Istambul. Entretanto, as mulheres preferiam ser tratadas em suas casas ou residências por médicos do sexo feminino, parteiras ou curandeiras, de acordo com o caso a ser tratado. Esta foi considerada uma forma de proteção à mulher, não as menosprezando, uma vez que o tratamento de uma mulher numa instituição de saúde poderia ser visto como um sinal de indiferença da família por ela. Por exemplo, em um registro jurídico datado de 1673, em uma tentativa de hospitalizar uma mulher insana, chamada Fátima, para tratamento médico no Hospital Konya, seu filho Ömer se opôs, dizendo que ele mesmo iria cuidar de sua mãe em casa e tratá-la. O juiz (kadi) decidiu em nome do filho. No entanto, esperava-se que, especialmente, as mulheres da família cuidassem dos parentes doentes.

O amplo tratamento ambulatorial de mulheres em uma instituição de saúde data de 1839, nas clínicas da Faculdade de Medicina. A hospitalização de pacientes do sexo feminino passou a ser uma prática habitual no hospital Haseki em 1843. Porém, especialmente mulheres pobres, sem abrigo, sem proteção ou com deficiência começaram a ser tratadas no hospital, como se infere nos documentos do arquivo. Esses fatos explicam a variedade do sexo feminino praticando a medicina, tanto dentro, como fora do palácio otomano, conforme descobri durante a minha pesquisa. Nas seções seguintes, vou apresentar uma informação concisa sobre vários médicos do sexo feminino.

 

1. Médicos do Sexo Feminino

Primeiramente vou tentar definir o conceito de médico do sexo feminino, que é um pouco diferente do de parteira, como a parteira foi chamada de "ebe" ou "kabile", e sua principal tarefa era ajudar no nascimento da criança.

Como representado nas pinturas em miniatura do manuscrito turco do século XV sobre a cirurgia, chamado Cerrahiyetü'l Haniye de Sabuncuoglu, a médica do sexo feminino que estava envolvida com a cirurgia da paciente do sexo feminino foi chamada de "tabibe" que significa médico do sexo feminino, enquanto que "tabib" significa médico do sexo masculino.

É realmente interessante observar que os médicos do sexo feminino com o nome "tabibe" foram descritos no tratado de Sabuncuoglu praticando cirurgias ginecológicas, tais como o tratamento de hermafroditas, genitália feminina perfurada, hemorroidas, verrugas e pústulas vermelhas que surgem na genitália feminina. No mesmo manuscrito, foi observado que parteiras chamadas "kabile" tratavam perfuração de erupções que ocorrem no útero, tratavam fetos vivos não nascidos da forma natural, tratavam ânus imperfurado e faziam a extração do feto morto. Os capítulos sobre as formas de instrumentos necessários para extrair o feto foram direcionados à parteira, o que é razoável, pois estes dois últimos capítulos estão relacionados com o nascimento da criança. No entanto, é difícil descrever a razão pela qual algumas cirurgias eram dirigidas aos médicos do sexo feminino, enquanto outras às parteiras.

É interessante que Al-Zahrawi não tenha mencionado médicos do sexo feminino nos capítulos que tratam das cirurgias ginecológicas apresentadas acima. Na verdade, ele mencionou as parteiras nos capítulos sobre o parto em seu livro sobre cirurgia, que Sabuncuoglu traduziu e enriqueceu com suas próprias experiências. Em contraste, Sabuncuoglu , como observamos, mencionou médicos do sexo feminino e os chamou de "tabibe" nos capítulos acima citados.

Vários documentos relacionados aos palácios otomanos nos dão informações confiáveis sobre os médicos do sexo feminino. Sabemos que tanto no Palácio em Adrianópolis construído em 1450 quanto no antigo Palácio de Bayezid e no Palácio de Topkapi havia um grande hospital dentro do Harem e um banheiro para as pacientes do Harem. O hospital, provavelmente construído no início do século XVII, no Harem do Palácio de Topkapi, chamado de "Cariyeler Hastanesi", era para as moradoras do Harem, a maioria das quais eram criadas e suas senhoras, educadas em um campo da arte ou serviço. Havia uma equipe de saúde do sexo feminino, um membro chamado "hastalar ustasi", ou seja, "pacientes mulheres" e sua assistente (cariyesi); e a "hastalar kethüdasi kadin", que significa guarda de pacientes do sexo feminino e sua assistente (cariyesi); e o médico do sexo feminino, hekime Kadin. Seus salários foram registrados em 1798-99. O Hospital do Harem do PalácioTopkapi, sua casa de banho e a "cozinha das pacientes" ainda existem.

Temos documentos arquivados sobre pacientes do sexo masculino que foram operados por duas médicas ciganas [do sexo feminino]. Esses pacientes viviam em diferentes partes do país, muito longe um do outro. Médicos itinerantes, ou seja, médicos sem um consultório fixo, que viajavam de um distrito para outro e se estabeleciam por um tempo quando havia pacientes a serem tratados, eram em número bem menor que aqueles que tinham consultórios.

Quando o tratamento no palácio falhava em curar uma mulher ou uma criança do Sultão (no Harem), curandeiros de fora da corte eram chamados ao palácio. Dois documentos do arquivo do Palácio de Topkapi, datados de meados do século XVII, são sobre o convite do médico chefe à médica Cemalzade Mehmed de Efendi, uma famosa médica do país, chamada de "hekime kadin", residente em Scutari, ao antigo palácio, "Saray- i Atik", para curar três pacientes do sexo feminino de nomes Ferniyaz Kalfa, Lalezar Kalfa e Nazenin Kalfa no departamento de doentes. "Hekime Kadin" e "Hekim" significam médico do sexo feminino e médico do sexo masculino, respectivamente. No final do século XVIII, d'Ohsson, o embaixador sueco em atividade, observou em seu livro sobre tradição e costumes da Turquia os médicos do sexo feminino com o nome "hekime kadin", com pouco conhecimento, mas grande experiência, que também eram chamadas para o Harém, quando necessário. Para d'Ohsson, estes médicos do sexo feminino também praticavam obstetrícia. (A função do médico do sexo feminino (kadin hekime) geralmente se relacionava à obstetrícia, bem como, a parteira era geralmente responsável apenas pelo o nascimento da criança).

Ali Riza Bey observa o convite de uma curandeira chamada Meryem Kadin, como resultado da falha do médico do palácio para curar Abdülmecid, o herdeiro do trono no início do século XIX. Esta mulher, sendo bem sucedida na cura de Abdülmecid, foi premiada com um salário mensal e entrada gratuita para o Harém. A contratação de médicos do sexo feminino no palácio continuou também na segunda metade do século XIX.

Um dos quatro médicos muçulmanos entre os dez médicos empregados na Farmácia Real do Palácio Yildiz no ano de 1872 foi uma mulher chamada "Tabibe Gülbeyaz Hatun", cujo salário mensal era "200 Akces". No entanto, se ela era uma farmacêutica ou médica é uma questão de debate. Se considerarmos que a prática diferente começou no século XIX, quando as farmácias começaram a servir como clínicas de um distrito onde os médicos atendiam as pessoas em uma parte das farmácias, concluímos que ela poderia ser uma médica ou uma farmacêutica. Devemos ter em mente que a prática médica não era estritamente diferenciada em vários campos da profissão, como é hoje.

As notas de Abdulaziz Bey sobre as tradições otomanas, cerimônias e terminologias, compostas provavelmente em 1910, também mencionam que as médicas eram convidadas pelos cortesãos e lhes eram atribuídos salários e concedido "Bairam" que é um subsídio religioso anual.

As médicas, mulheres, chamadas "morti tabibe" também foram empregadas no escritório de quarentena, provavelmente para estudos post mortem. Encontramos seus salários constantes de um registo dos salários do pessoal de quarentena, num documento datado de 1842.

Outra fonte que prova a existência de médicos do sexo feminino são epitáfios, dos quais um exemplo interessante é encontrado no pátio da pequena mesquita Aya Sophia (Hagia Sophia), em Istambul. Um verso significativo foi gravado na pedra tomo da "tabibe kadin", uma médica, datada de 1802. A linha do verso lamenta "Ai de mim! A médica mulher, que não foi capaz de curar a própria doença".

2. Curandeiras Praticando a Tradicional Medicina Doméstica

Curandeiras praticando "medicina doméstica tradicional" formaram um outro grupo de profissionais do sexo feminino que geralmente costumavam lidar com uma única doença que elas tratavam com a medicina folclórica, geralmente administrada em rituais. As primeiras amostras relacionadas com a medicina doméstica remontam ao século XIV, quando Karacaahmed, que vivia em uma aldeia de Afyon, nomeada em homenagem a ele, curou um insano. Suas netas vieram a ser conhecidas no tratamento de mulheres loucas. Esta tradição continuou até o século XX. A prática mais conhecida dessas curandeiras era a inoculação contra a varíola, prática que a senhora Montagu, esposa do embaixador Inglês, descreveu em suas cartas enviadas para sua amiga na Inglaterra em 1717. Abdulaziz Bey observa a prática de médicos do sexo feminino cujas habilidades eram tradicionalmente transferidas de mãe para filha, esta prática foi chamada de medicina doméstica. Entre essas curandeiras, as que preparavam drogas e eram conhecidas pelo tratamento da sífilis foram chamadas de "hekim kadin". Abdulaziz Bey observa que essas curandeiras foram convidadas para o palácio e lhes foi dado salários e presentes "Bairam". Entre essas curandeiras, as que tratavam do estômago, de inchaços e diarreia de crianças foram chamadas de "Kirbaci Kadinlar" atuavam nos bairros de Aksaray e Bozdogan Kemeri em Istambul. Elas tratavam crianças com medicina folclórica, o ingrediente principal eram vermes cultivados, administrados em rituais. Outro grupo de curandeiras foi o "alazci Kadinlar" que curava a doença chamada "alaz", da qual se diz que era geralmente vista nas bochechas das crianças, era uma espécie de eczema com coceira e crosta. As crianças eram levadas para elas ou elas eram chamadas na casa antes do sol nascer e faziam o tratamento com medicamentos, a cinza seria o ingrediente principal do medicamento, em coordenação com um ritual. Outro grupo foram as curandeiras da alopecia. No início as curandeiras de alopecia eram judias, ao passo que as mulheres muçulmanas, mais tarde, também vieram a praticar a mesma arte em Istambul, em vários distritos. Algumas delas também eram parteiras. Abdulaziz Bey descreve esta doença como uma espécie de eczema dolorosa e coceira, formando uma crosta grossa e escorrendo sangue continuamente no couro cabeludo. Os seus métodos de tratamento, embora dolorosos, foram muitas vezes úteis. O tratamento era baseado na aplicação de argila por um par de dias, em seguida, cobria a cabeça com um composto feito de breu e vários medicamentos à base de plantas, que era tirado do couro cabeludo em 15 minutos após a aplicação. Após as crostas saírem, a cabeça era coberta com um composto de cura. Este processo continuava, com algumas alterações até a recuperação. As mulheres que tratavam fobias eram chamadas de "Pressionadoras sobre o lugar do medo", que se acreditava estar localizado na região inguinal. Tentaram tratar a insônia e convulsões de crianças e as dores de cabeça, vômitos, ansiedade de mulheres mais velhas com o aparelho de fusão de chumbo (aquele que derrete chumbo e o coloca em água fria acima da cabeça da pessoa doente).

 

3. Mulheres no Preparo e Venda de Drogas

Mulheres que preparavam e vendiam drogas podem ser consideradas como outro grupo, embora todos os profissionais de saúde provavelmente preparavam os medicamentos que precisavam. A frase, "medicina das mulheres mais velhas" (koca kari ilaçlari), significando remédio popular, é uma expressão de ampla disseminação que define a tradição das mulheres prepararem drogas. Ibn Serif, um médico conhecido do século XV, aconselhou seus leitores em seu livro Yadigar a utilizarem drogas experimentadas por, portanto, conhecidas pelos médicos e terem cuidado ao tomar remédio das mulheres mais velhas.

Pode ter havido um conflito entre os profissionais e os praticantes da medicina popular.

Muitas das receitas preparadas foram tomadas como profilaxia contra doenças. Por exemplo, como podemos aprender com as viagens de Evliya Çelebi, no século XVII, havia mulheres de Adrianópolis que prepararam e vendiam água de rosas em grandes jarros de cerâmica. Mulheres ciganas recolhiam flores perfumadas e ervas medicinais dos campos e preparavam pastas. As notas de Abdulaziz Bey nos mostram que houve vários grupos de mulheres que preparavam medicina tradicional a partir de ervas medicinais e animais. Elas eram conhecidas de acordo com a droga que preparavam como "tosbagaci kadin", que significa "mulher tartaruga".

4. Parteiras

Figura 5: Ilustração de uma mulher Seljuk, pintada por Nil Sari. © Nil Sari.

Houve uma longa tradição de mulheres praticando a obstetrícia durante o reinado otomano como podemos inferir dos documentos e da literatura que estudamos. A arte de fazer um parto era normalmente uma profissão familiar, transferida da mãe para filha ou a um parente próximo do sexo feminino. Existem documentos arquivados gravando a nomeação de parteiras primárias e secundárias para o palácio. Além das parteiras pagas, empregadas no palácio, havia outras que eram chamadas de tempos em tempos. As parteiras do Palácio e as que prestavam serviço dos nobres levavam uma vida rica. Limpeza e boas maneiras, bem como a eficiência na prestação de serviço foram méritos importantes a fim de ser favorecidas e ficar famosa. Embora o aborto fosse estritamente proibido, existem alguns documentos que provam que ele foi praticado ao longo do tempo, especialmente no século XIX. De acordo com Abdulaziz Bey havia três classes de parteiras: a Parteira do Palácio de (saray-i Humayun ebesi), a parteira do nobre (Kibar ebesi), e a parteira das pessoas comuns (ahad-i nas ebesi). Algumas das parteiras conhecidas do século XIX eram chamadas por apelidos, como "Faca Prateada" (Gümüs Çakili ebe); "Belas mãos" (Eli Güzel ebe); "Brinco de orelha" (Kupeli ebe); "Presa" (Fuçulu ebe); "Virgem" (ebe Kiz) etc, e algumas eram conhecidos pelos seus locais de origem. Epitáfios de parteiras são encontrados em cemitérios, o de Emine Kadin, datado de 1750 é um exemplo.

5. Enfermeiros do Sexo Feminino

Ao contrário da medicina e das parteiras, a enfermagem como profissão para a mulher não foi enfatizada até o início do século XX, como as mães, esposas, irmãs e parentes do doente espontaneamente atuavam como enfermeiras, como podemos inferir a partir dos trabalhos do ginecologista Besim Ömer Pasha que apoiou a formação do enfermeiro formal em 1914. No entanto, devemos salientar que ao longo da história otomana havia enfermeiros [homens] chamados "kayyum", dos quais as qualificações éticas esperadas são observadas em detalhe nos waqfiyyes, prontuários de hospitais. Enfermeiros também foram encontrados em exércitos. A única exceção que conhecemos de enfermeiras são mulheres chamadas "nineler", ou seja, avós ou "analar", ou seja, mães, que eram enfermeiras pagas, empregadas nas escolas dos Hospitais do Palácio e nos Hospitais do Harem. O chefe das enfermeiras era chamado Bas Hatun. A educação formal de enfermeiras foi iniciada como uma profissão independente no início do século XX e foram os Balcãs e a Primeira Guerra Mundial que mostraram a grande necessidade de enfermeiras para ajudar o tratamento dos soldados feridos. Florence Nightingale praticou a enfermagem em Istambul, durante a Guerra da Criméia, ela foi tomada como um modelo tempos mais tarde. Dr. Besim Ömer Pasha foi o principal nome em iniciar a formação de enfermeiros do sexo feminino.

 

6. Homens Tratando mulheres

A questão que devemos salientar é o homem tratando o sexo feminino. As informações encontradas em manuscritos médicos de que as mulheres foram autorizadas a tratar os homens e os homens poderiam tratar as mulheres, se necessário, foi conduzida a partir de exemplos do período do profeta Mohammed, quando as mulheres como Ümmiyetü'l Gaffariye curou homens feridos em guerra.

Embora fosse preferível que um médico do sexo feminino tratasse a mulher doente, nós sabemos que quando necessário, os médicos do sexo masculino, mesmo aqueles que não eram muçulmanos, foram autorizados a tratá-las de acordo com a crença de que ”a necessidade permite o proibido". Temos pinturas em miniatura em cópias de Cerrahiyetü'l Haniye que descrevem um médico do sexo masculino tratando uma mulher completamente nua, no capítulo 39 do primeiro livro "sobre a cauterização do útero". No capítulo 71, sobre a circuncisão do sexo feminino, que consiste em "cortar o clitóris e crescimentos carnudos na genitália feminina", também foi notado como praticado por um "tabib", médico do sexo masculino. No capítulo 61 de Cerrahiyetü'l Haniye, na extração de um uma pedra em paciente do sexo feminino, exatamente como no texto de Al-Zahrawi, nota-se a dificuldade em encontrar uma mulher competente na arte da cirurgia; entretanto Sabuncuoglu diz que se não pôde ser encontrado uma médica [mulher], a quem ele chama de "tabibe avret", um médico do sexo masculino competente e de boa moral deve ser convidado a fazê-lo.

O fato de que o tratamento de pacientes do sexo feminino pode ser realizado por homens, bem como por mulheres, também pode ser visto nos documentos de casos ilustrativos dos ensaios. Podemos citar dois exemplos de inscrições jurídicas por Afyonkarahisar, na média Anatólia. Nos registros datados de 1654, Hasan, a parte queixosa, processou o cirurgião [homem] Hüseyin, que operou um tumor na testa de sua esposa Zülfi, que perdeu a vida por causa da operação. Outro documento de Afyon datado de 1691 é uma autorização por escrito que foi assinada entre o paciente [mulher] Zeynep, que sofria de um tumor em sua garganta, e um cirurgião [homem] chamado Abdurrahman Çelebi, para a operação.

Robert Withers, um funcionário da embaixada britânica, descrevendo a vida em Istambul no início no século XVII, citando os estudos do diplomata Veneziano Ottaviano Bonn, observa que, em caso de necessidade, de um cirurgião a mulher desconsiderava sua convicção religiosa e fazia tudo o que podia para recuperar sua saúde e não iria se manter longe do médico do sexo masculino; no entanto Withers e algumas outras fontes observam que a mulher doente era geralmente coberta com um pano fino.

Temos vários outros exemplos de homens que trataram do sexo feminino, alguns dos quais estão relacionados com as esposas e mães dos sultões. Devemos notar que além de médicos do sexo feminino empregados no Harem, médicos e cirurgiões do sexo masculino também foram nomeados para o Harem. Vários documentos provam isso. Por exemplo, em 1599, por ordem do Sultão (Mehmet III) o cirurgião Ibrahim foi nomeado para o Harem do Palácio em Adrianópolis. Documentos que datam de 1667, 1700, 1715, 1770, 1834 e 1836, e as descrições neles contidas, tais como "ser um médico do Harem do palácio" ou "um dos cirurgiões que servem no Harem do Palácio", ou "os médicos e cirurgiões que atendem a mãe do sultão", mostram que a nomeação de médicos e cirurgiões do sexo masculino pagos no Harem era uma tradição. Cerca de cinco médicos do sexo masculino – Médicos e Cirurgiões – estavam de plantão. Além disso, médicos e cirurgiões foram chamados do leste, antes de ocidentalização, depois dos países europeus, para tratar os moradores do Harem. Por exemplo, um oculista conhecido da Líbia foi chamado; e Dr. Sigmund Spitzer da Áustria, um membro do corpo docente da Faculdade de Medicina (Mekteb-i Tibbiye) foi chamado para o Harem pelo Sultão Abdülmecid para tratar sua terceira esposa e de sua mãe Bezm-i Alem, em 1845.

De acordo com os relatórios escolares da Faculdade de Medicina, os médicos do sexo masculino, alguns não muçulmanos trataram centenas de pacientes muçulmanos "mulheres" na clínica da escola nos anos 1840. No final do século XIX, ginecologistas masculinos famosos, como Vahid Bey e Besim Ömer Pasha, foram chamados para o Harém do Palácio.

7. Formação de Médicos do sexo Feminino

Por fim, uma dúvida ocorre sobre a formação de médicos do sexo feminino e das parteiras. Não há nenhum documento que mostra ou expressa implicitamente que mulheres médicas foram educadas em uma instituição como uma Madraça, Hospital ou escola do Palácio até 1922, quando a mulher foi admitida na Faculdade de Medicina da Universidade de Istambul. É realmente difícil se explicar a origem da formação e do estatuto profissional das médicas muçulmanas empregadas nos palácios. Não seria errado dizer que as mulheres foram treinadas no método mestre-aprendiz, a arte geralmente passada de mãe para filha.

Raphaela Lewis observa que as pessoas, tanto as ignorantes quanto as instruídas, preferiam praticantes femininas talentosas ao homem. Embora fosse impossível para as mulheres muçulmanas a ter educação médica como o homem, algumas mulheres talentosas e manualmente qualificadas adquiriram eficiência em um curto espaço de tempo através da prática na área, e se tal mulher tivesse a oportunidade de ser treinada por um médico do sexo masculino, ela poderia certamente adquirir uma habilidade para operar o doente.

Vários documentos jurídicos datados de 1622 são sobre uma cirurgiã chamada Saliha Hatun e os 21 pacientes do sexo masculino a quem ela havia operado, um com um tumor e os outros com hérnias.

Embora a prática dos médicos tradicionais foi considerada ilegal na segunda metade do século XIX, ela continuou por um longo tempo, juntamente com a prática dos profissionais de saúde do sexo masculino que tinham um diploma. Práticas ginecológicas também vieram a ser um problema como resultado da educação médica moderna iniciada em Istambul, na Escola de Medicina Real, para educar estudantes de medicina do sexo masculino. Apenas as parteiras que participaram com sucesso do curso de parteira na Faculdade de Medicina, de acordo com a lei aprovada em 1842 deveriam ser autorizadas, e com restrição ao parto. As parteiras, chamadas Vantor, de Paris e Mesati, da Áustria, foram convidadas para ensinar parteiras em Mekteb-i Tibbiye, em 1841 e 1846 respectivamente. Além das empregadas na Faculdade de Medicina, as parteiras chamadas Fatma e Nefise também foram empregadas em hospitais de o governo em 1863.

Com o passar do tempo, a exigência da educação formal resultou no isolamento e retirada das mulheres, especialmente as profissionais muçulmanas, da área. Mulheres europeias e otomanas não muçulmanas que atenderam as escolas de medicina, obstetrícia e odontologia na Europa substituíram os praticantes muçulmanos tradicionais no campo e utilizaram a tendência de preferir as praticantes do sexo feminino aos homens no tratamento do feminino, embora em caso de necessidade, como mencionamos, os homens eram convidados a tratar as mulheres.

Havia várias médicas [mulheres] educadas em escolas europeias que anunciavam em jornais que praticavam a medicina em seus escritórios. Por exemplo, em 1840, Vantor, de Paris; em 1840, Madame Anette, graduada pela escola de parteiras em Montpellier; em 1842, Amade Taylul, uma parteira da Inglaterra; em 1894, Madame Marry Marie Zibold, um praticante de medicina, cirurgia e parteira em Beyoglu, Istambul; em 1896, Irini Anopiloiti, uma graduada da Faculdade de Medicina de Paris, anunciou nos jornais diários. Em 1903, Madmazel Flora anunciou que estava praticando odontologia para mulheres em Babiali, Istambul.

Em um documento arquivado, datado de 1892, duas médicas americanas se candidataram e pediram autorização para exercer a medicina no domínio otomano. Foram recebidas, acreditando ser mais conveniente para o sexo feminino a ser tratadas por mulheres.

Estudantes do sexo feminino começaram a ser admitidas na Escola de Medicina em 1922, quase um século depois de sua fundação. Esta admissão, durante os anos em que Istambul foi ocupado pelos aliados, provou-se ser dolorosa. Embora o trabalho de parteira tenha sido sempre considerado uma profissão adequada para mulheres e a enfermagem ser considerada um trabalho natural para o sexo feminino, ao contrário dos exemplos que continuaram durante séculos, como já observamos, a medicina como profissão não foi considerada um emprego adequado para a mulher durante o final do século XIX e início do século XX. Os líderes turcos do movimento feminista conseguiram vencê-lo como um direito após uma longa luta pelos meios de comunicação em massa contra os membros do corpo docente do sexo masculino da Faculdade de Medicina.

A primeira inscrição de seis estudantes do sexo feminino na Faculdade de Medicina da Universidade de Istambul foi realizada em 1922. Embora médicos do sexo feminino já existissem durante todo o reinado otomano, esta foi, de fato, a confirmação oficial do serviço e trabalho feminino e da sequência de uma formação feminina regular no campo da saúde.

8. Fontes

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* O Professor Nil Sari, Ph.D. pela Universidade de Istambul, Faculdade de Medicina de Cerrahpasa, Departamento de Deontologia e História da Medicina, é um estudioso especialista mundial na história da medicina, medicina e cultura islâmica e da ciência e medicina otomana. Professor Sari é também um importante associado FSTC. Atualmente Professor Nil Sari é Chefe do Departamento de Ética e História da Medicina na Universidade de Istambul, Escola Médica de Cerrahpasa.