Israel = Democracia Exemplar? Fatos e Contradições

Israel = Democracia Exemplar? 6 Fatos e Contradições

Israel é frequentemente descrito na mídia ocidental como “a única democracia do Oriente Médio”. Essa afirmação, repetida por políticos, jornalistas e até educadores, pinta o país como um modelo de liberdade, direitos civis e instituições sólidas. No entanto, uma análise aprofundada revela uma realidade mais complexa e, muitas vezes, contraditória — especialmente quando se observa o tratamento dado aos palestinos, tanto dentro quanto fora das fronteiras de 1948.

1. O conceito de “democracia” em questão

Democracia não é apenas o direito ao voto. Ela envolve também o respeito às liberdades individuais, o tratamento igual perante a lei, a liberdade de expressão e o fim da discriminação étnica ou religiosa.

Israel realiza eleições periódicas, tem um parlamento ativo e uma Suprema Corte. Mas essas instituições não garantem, por si só, que todos os cidadãos e habitantes do território sob seu controle desfrutem dos mesmos direitos.

O apartheid legalizado

Em 2018, Israel aprovou a Lei do Estado-Nação, que declara que apenas judeus têm o direito à autodeterminação naquele território. O árabe foi rebaixado de idioma oficial a “idioma com status especial”, e o assentamento judaico passou a ser um valor nacional incentivado por lei.

Organizações internacionais, como Human Rights Watch (2021) e a Amnesty International (2022), classificaram oficialmente o regime israelense como apartheid, com base na definição do Estatuto de Roma (Tribunal Penal Internacional, Artigo 7.2h). Essas denúncias citam:

  • Dois sistemas legais distintos para judeus e palestinos nos territórios ocupados;
  • Restrição de movimentos de palestinos com checkpoints e muros;
  • Demolições de casas palestinas e expansão de assentamentos exclusivamente judaicos.

2. Cidadania desigual

Mais de 20% da população de Israel é composta por palestinos com cidadania israelense. Embora tenham direito ao voto, enfrentam discriminação institucionalizada. O relatório da Adalah – The Legal Center for Arab Minority Rights in Israel documentou mais de 65 leis que discriminam diretamente os cidadãos árabes.

Por exemplo:

  • Municípios judeus têm mais recursos do Estado para educação, saúde e infraestrutura;
  • Árabes são sistematicamente sub-representados em cargos públicos;
  • O acesso à terra é restringido, com grandes áreas sob controle do Fundo Nacional Judaico (que só permite venda ou arrendamento a judeus).

3. Os palestinos sob ocupação

Nos territórios ocupados da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, mais de 3 milhões de palestinos vivem sob lei militar israelense, sem direito de voto para o governo que controla sua vida cotidiana.

Enquanto isso, cerca de 700 mil colonos judeus vivem nesses mesmos territórios sob lei civil israelense, com direitos amplos e acesso a recursos. Ou seja, dois sistemas legais para dois grupos, baseados na identidade étnica e religiosa — uma das características centrais do apartheid.

4. Liberdade de imprensa e repressão

Israel também tem sido criticado por restringir a liberdade de expressão, especialmente quando se trata de vozes críticas à ocupação. Jornalistas palestinos frequentemente enfrentam detenções, assédio e até mesmo morte em serviço — como ocorreu com Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera, assassinada por um franco-atirador israelense em 2022, segundo investigações internacionais; ou ainda, o cineasta palestino Hamdan Ballal, vencedor do Oscar 2025 pelo documentário “Sem Chão”, que foi preso e torturado por soldados israelenses.

Além disso, a criminalização de ONGs e movimentos como o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) dentro e fora de Israel levanta sérias dúvidas sobre o compromisso do Estado com a liberdade política e civil.

5. O papel da propaganda política

A narrativa de “única democracia” serve a interesses estratégicos. Ao se apresentar como uma democracia modelo, Israel busca garantir apoio político, financeiro e militar — especialmente dos EUA e da Europa — enquanto normaliza políticas de exclusão e dominação.

A linguagem democrática se torna um escudo contra críticas. Toda denúncia é facilmente descartada como “antissemitismo”, mesmo quando feita por judeus antissionistas, estudiosos do direito internacional ou defensores dos direitos humanos.

6. O que dizem os especialistas?

Diversas autoridades já alertaram para o uso político distorcido da ideia de democracia:

  • O relator da ONU para direitos humanos nos territórios palestinos, Michael Lynk, declarou em 2022 que “Israel comete o crime de apartheid conforme definido legalmente”.
  • Jimmy Carter (ex-presidente dos EUA, Prêmio Nobel da Paz) – Em 2006, Carter classificou as políticas de Israel nos territórios palestinos ocupados como um “sistema de apartheid”, no qual uma minoria de colonos israelenses domina a maioria palestina, negando a esta os direitos humanos e civis básicos – ​jacobin.com. Ele chegou a chamar a situação na Cisjordânia de “um exemplo horrendo de apartheid” e “um dos piores exemplos de privação de direitos humanos” que já havia testemunhado, afirmando ainda que, em certos aspectos, era “ainda pior” do que o apartheid sul-africano​. Contexto: comentários no livro Palestine: Peace Not Apartheid (2006) e entrevistas à mídia em 2006-2007.
  • Desmond Tutu (arcebispo sul-africano, Prêmio Nobel da Paz) – Em 2014, Tutu declarou que a luta dos palestinos seria “mais difícil que a nossa” na África do Sul, pois “o apartheid de Israel é ainda pior que o da África do Sul: nunca tivemos F-16 bombardeando nossos bantustões, matando centenas de nossos filhos” – ​trtworld.com. Ao longo dos anos, Tutu condenou vigorosamente as políticas israelenses como uma forma de apartheid, chegando a afirmar em entrevista que, “em muitos aspectos [o apartheid israelense] é pior” do que o regime sul-africano de minoria branca​ – middleeastmonitor.com. Contexto: declaração durante a 10ª Semana do Apartheid Israelense (Cape Town, 2014) e diversas entrevistas públicas de Tutu em apoio aos direitos dos palestinos (por exemplo, entrevista a Sir David Frost, 2012).
  • Ehud Barak (ex-primeiro-ministro de Israel) – Em 2010, Barak advertiu que Israel enfrentaria o risco de se tornar um Estado “apartheid” caso não adotasse a solução de dois Estados com os palestinos​ – theguardian.com. “Enquanto houver neste território, do rio Jordão ao mar, apenas uma entidade política chamada Israel, ela será ou não-judaica, ou não-democrática”, disse Barak, explicando que “se esse bloco de milhões de palestinos não puder votar, isso será um Estado de apartheid” – ​theguardian.com. Contexto: discurso na conferência de segurança de Herzliya (Israel, 2010), ao lado do premiê palestino da época.
  • Ehud Olmert (ex-primeiro-ministro de Israel) – Em 2007, Olmert alertou que, se a solução de dois Estados fracassasse, Israel arriscaria ser comparada à África do Sul do apartheid, enfrentando uma luta por direitos igualitários que acabaria com o caráter do Estado israelense. Ele afirmou que, nesse cenário, Israel teria de “encarar uma luta nos moldes sul-africanos por direitos de voto iguais, e assim que isso acontecesse, o Estado de Israel estaria terminado” – ​theguardian.com. Contexto: entrevista ao jornal Ha’aretz (novembro de 2007), repercutida pelo The Guardian, poucos dias após a conferência de paz de Annapolis.
  • John Kerry (ex-secretário de Estado dos EUA) – Em 2014, Kerry advertiu, em uma reunião privada, que Israel “corre o risco de se tornar um ‘Estado de apartheid’” caso fracassassem as negociações de paz para a criação de um Estado palestino – ​theguardian.com. Contexto: comentários a portas fechadas na Comissão Trilateral (Washington, 2014), revelados pela imprensa; Kerry emitiu nota esclarecendo a declaração após sua divulgação.
  • Tamir Pardo (ex-diretor da Mossad, serviço de inteligência de Israel) – Em 2023, Pardo declarou abertamente que “há um Estado de apartheid aqui”, referindo-se ao controle israelense sobre os palestinos – ​theguardian.com. Ele apontou que nos territórios sob ocupação dois povos vivem sob dois sistemas legais distintos, o que para Pardo caracteriza um regime de apartheid​. Contexto: entrevista à agência Associated Press, publicada em setembro de 2023, em que o ex-chefe da inteligência israelense criticou a permanência da ocupação e a falta de direitos aos palestinos.
  • Noam Chomsky (linguista e intelectual americano) – Em 2014, Chomsky argumentou que o tratamento dispensado por Israel aos palestinos nos territórios ocupados é “muito pior do que o apartheid” que existiu na África do Sul – ​democracynow.org. Segundo Chomsky, chamar a situação apenas de apartheid pode até suavizar a gravidade, já que, diferentemente do regime sul-africano (que explorava a maioria negra como força de trabalho), Israel “simplesmente não quer [os palestinos]. Quer eles fora, ou pelo menos enclausurados”, tornando a opressão ainda mais extrema​. Contexto: entrevista ao programa Democracy Now! (agosto de 2014) e artigo posterior de Chomsky na revista The Nation com comparações detalhadas entre a ocupação israelense e o apartheid sul-africano.

Conclusão

A pergunta “Israel é uma democracia exemplar?” não pode ser respondida apenas com base em eleições regulares. Uma análise honesta exige considerar a realidade vivida por todos sob seu domínio, incluindo os milhões de palestinos sem direitos plenos.

Democracia real exige igualdade, justiça e liberdade — valores incompatíveis com ocupação, discriminação e apartheid. É hora de olhar além dos slogans e enxergar os fatos.

Leia mais sobre este tipo de assunto na categoria Terrorismo.

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