A Neutralidade é, frequentemente, uma Virtude

Neutralidade é algo que deveríamos cultivar como um dos nossos bons valores. Ela decorre da vontade de ter equilíbrio, a aceitação da pluralidade, um espírito prático, e um desejo de evitar tomar partido com alguém sem conhecimento de todos os fatos.
Nossos predecessores piedosos tinham um jeito especial de expressar a sua neutralidade. Eles diziam: “Eu não sei.”
Na verdade, alguns deles iam tão longe a ponto de declarar: “Metade de todo o conhecimento é dizer: ‘Não sei’.” Ou: “Quem abandona o dizer ‘não sei’ colocou o seu conhecimento em perigo.”
Outra maneira de expressar a sua neutralidade era dizer: “Allah sabe mais.” Desta forma, eles diferiam o conhecimento daquele que realmente sabe tudo.
Estudiosos da teologia islâmica e da teoria legal islâmica têm um termo técnico para isso: “tawaqquf” (não-comprometimento). Esta é a postura adotada quando várias linhas lideram evidências em direções igualmente convincentes de modo que o estudioso ou jurista é incapaz – ou está muito cauteloso – para determinar o que é mais provável que seja correto. Esta postura de não-comprometimento não é uma resolução final, mas uma posição provisória que pode ser abandonada diante de outras provas.
O Califa ‘Umar, que Allah esteja satisfeito com ele, enquanto pregava no púlpito, admitiu que não tinha certeza qual era o significado da palavra abb no verso: “E as frutas e a abb (forragem)” [Surah `Abasa: 31]. A mesma coisa foi mencionada de seu antecessor, Abu Bakr. Na verdade, quase todos os eruditos de todos os tempos têm, em agum registro, uma postura de não-comprometimento em uma série de perguntas, ou simplesmente manifestando a recusa de expressar uma opinião sobre determinados assuntos.
De fato, uma vez um homem se aproximou do Profeta Muhammad (que a paz e as bençãos de Allah estejam com ele) e disse: “Ó Mensageiro de Allah! Que país (nota: país, aqui, se refere a local) é mais amado para Allah?” O Profeta respondeu: “não saberei até que eu pergunte a Gabriel (que a paz esteja com ele)” Depois disso, Gabriel veio ao Profeta e informou-o: “Os lugares mais amados para Allah são as mesquitas, e os mais detestáveis são os mercados.” [Musnad Ahmad (16744)]
Em contraste com esse comportamento, encontramos a maioria das pessoas hoje dispostas a falar fluentemente e tagarelam sobre cada assunto, mesmo não tendo conhecimento sobre ele. Elas parecem estar cientes de que suas opiniões não possuem qualquer valor real, às vezes assumindo posições diametralmente opostas aos outros apenas por maldade. Além disso, a sua compreensão sobre as questões ou o conhecimento de base sólida não são pré-requisitos para falarem. As pessoas podem interpretar mal o assunto que estão criticando, pois simplesmente não têm a profundidade de entendimento para compreender o assunto com precisão ou para criticar corretamente as provas e argumentos que estes carregam .
A atual proliferação dos meios de comunicação incentiva o público a se engajar em tal comportamento a um nível sem precedentes. As pessoas hoje consideram o silêncio de uma pessoa ou a expressão “sem comentários” como um sinal de fraqueza e baixa auto-estima. A pressão social para ter uma opinião é muito grande, independentemente do tema, seja uma questão de prática os ensinamentos religiosos, teologia, política, economia, ou o que seja.
Em tal clima, não importa qual a opinião que uma pessoa detém hoje ou amanhã. Ninguém está mantendo o controle de toda a confusão, por isso ninguém vai ser capaz de apontar as inconsistências de qualquer outra pessoa . Ao mesmo tempo, cada questão parece polarizar as pessoas pela duração da sua popularidade. Todo mundo se identifica com um grupo, ou uma facção, ou outra. Ou você está “com” eles ou “contra” eles. As pessoas então desperdiçam enormes quantidades de energia, tempo e recursos refutando uns aos outros, mesmo que aqueles que são tão ardorosamente empenhadas nisso tenham no máximo um conhecimento superficial das questões.
As questões vêm e vão. Algumas discussões são iniciadas e você espera passar sem se preocupar muito. Então percebe que aquilo está sendo falado por todo o lado. As pessoas tornam-se obcecadas com aquilo, preocupadas como se fosse a única questão de importância no mundo. Elas fazem amigos e inimigos de seus conhecidos por conta disso. Então, de repente, você não ouve mais nada sobre aquele determinado assunto. Outra coisa surgiu para ocupar a sua atenção e aquela questão está completamente esquecida. Isso faz você se perguntar o que eles ganharam de todo o tempo, esforço e investimento emocional que deram ao assunto.
O que é pior, quando o assunto é de natureza religiosa, as pessoas procuram o apoio dos textos sagrados para fazer backup de suas opiniões. Em seguida, as pessoas se convencem de sua retidão e da correção de sua postura inabalável. Elas confundem suas interpretações como sendo o mundo indiscutível de Allah.
Certa vez, observei que alguns extremistas de direita do Ocidente dizendo “Está conosco ou contra nós.” No entanto, alguns extremistas muçulmanos dizem o que é pior: “Ou você está conosco ou contra Allah”
Quando é que vamos voltar a nos respeitar, aos outros e aos valores em que acreditamos? Não devemos abusar; tudo pode ser usado para ganhar em nossas discussões… Mas, quando temos um ponto válido a explanar, não há necessidade de exagerar o nosso argumento ao nível de um confronto entre verdade e falsidade final. Isso está muito longe da neutralidade cautelosa favorecida pelos nossos predecessores piedosos.
De Sheikh Salman al-Oadah
http://en.islamtoday.net/artshow-414-4383.htmvi